Cultura

“Não é nos bilhetes dos espetáculos que vamos fazer receita, nunca cobrem o investimento. É na receita comercial”

António Costa, Carla Borges Ferreira, Hugo Amaral,

Elísio Summavielle, presidente do CCB, defende em entrevista uma revisão de estatutos e uma maior abertura à iniciativa privada. A decisão é política, mas o gestor explica porquê.

Elísio Summavielle, presidente do conselho de administração do Centro Cultural de Belém (CCB), em entrevista ao ECO - 24MAI23

Com uma receita na ordem dos 18 milhões de euros, entre a subvenção do Estado, a bilheteira e o aluguer de espaços, o Centro Cultural de Belém não fechou 2022 no vermelho, mas foi “resvés”. Elísio Summavielle, presidente do conselho de administração, defende uma maior abertura ao setor privado e uma menor “governamentalização” na escolha da administração, hoje nomeada pelo governo. Aumentar as receitas da área comercial e as parcerias para eventos e espetáculos são dois dos objetivos.

Falemos do negócio do CCB. Com o atual modelo, sem os módulos quatro e cinco, mas já com este MAC-CCB a funcionar, quais são as áreas de negócio que podem crescer mais nos próximos dois anos? São os espetáculos, as exposições…

Acho que é tudo. A pandemia trouxe-nos para uma realidade que não era de todo praticada, que é a questão do teletrabalho, a questão da digital, a questão do streaming, dos espetáculos, pois não existe e, portanto…

Mas, ao fim deste tempo, ainda não voltaram aos níveis pré pandemia, pois não?

Acho que este ano vamos atingir os patamares de 2019 de público. O público está a crescer, está a vir aos espetáculos. O espetáculo é ao vivo. Se pensarmos numa peça, num concerto, é ao vivo.

Se pensarmos no Altice Arena, no Campo Pequeno ou no Tivoli, estão cheios.

Pois estão. Há imensa oferta, há uma oferta que não havia há 10 anos.

Mais concorrência.

Há mais competição. Não queremos entrar em competição na área, digamos, mais comercial, porque temos uma missão pública e é para isso que o Estado nos dá dinheiro. Para apoiar novos criadores, grupos emergentes, etc. Procuramos ter esse critério, muito embora possa haver alugueres, como fazemos do grande auditório para promotores privados.

Esse é o lado puramente comercial.

É, alugo o espaço, o grande auditório, ao promotor, desde que não me traga cá o pimba. O pimba, dito com toda a consideração.

Esse aluguer, que faz parte do negócio, é pacífico do ponto de vista até da perceção?

Procuramos, primeiro, e os programadores da casa, fazer a programação. Depois há os mapas todos de ocupação, os mapas para a área comercial. O Santander, por exemplo, faz aqui um congresso, usa o grande auditório, vêm os CEO todos, ou os promotores privados fazem aqui espetáculos, também.

Elísio Summavielle, presidente do conselho de administração do Centro Cultural de Belém (CCB), em entrevista ao ECO - 24MAI23

Qual é o rácio, temporal, de espetáculos próprios versus espetáculos ou iniciativas de terceiros?

Oitenta/vinte… Oitenta nossos, com os nossos programadores. Depois há aquela questão “propomos isto e isto, faz-se a soma e entra o pide mau a dizer que é muito dinheiro, porque a receita comercial também tem que acompanhar.

O rácio é o ideal, os 80/20, ou gostava que os 20 crescessem?

Podem crescer, tudo depende, porque estamos a fazer uma coisa que não se fazia, que são coproduções. Ou seja, chamarmos os privados para fazer parceria connosco.

Dividir receitas e investimento.

Já está a acontecer, com algum sucesso, e continuará. Espero que esse processo continue, mantendo sempre a noção do serviço público cultural. Os bilhetes, por exemplo para a Orquestra Sinfónica Nacional ou para a Metropolitana ou para o bailado – vamos ter agora, no próximo mês os Batsheva , que é uma das maiores companhias de dança moderna do mundo, de Telavive, com o apoio da embaixada de Israel, com quem tenho excelentes relações – são 20 euros, nas primeiras filas da plateia.

É barato, tendo em conta a qualidade.

É para isso que o Estado nos dá dinheiro. Não é nos bilhetes dos espetáculos que vamos fazer receita, normalmente nunca cobrem o investimento. É na receita comercial.

O que chama área comercial é o aluguer de espaços?

É o aluguer de espaços, onde temos não só os nossos inquilinos – as lojas e restaurante – como também o aluguer para eventos e congressos.

Acho que faz sentido que o município tenha um assento aqui no conselho de administração, como também os nossos clientes, ou seja, os privados, sejam eles quais forem. Haja alguém indicado, sei lá, por uma CIP, que dê um aspecto mais colegial, mais aberto à gestão futura do Centro Cultural de Belém.

O espaço para inquilinos está todo ocupado?

Neste momento está, felizmente.

Defendeu, recentemente, que exista na administração uma abertura ao exterior, a empresários.

Sim, e defendo. É a minha opinião, mas a decisão é da tutela. Eu defendo uma revisão estatutária.

Porquê?

Porque é governamentalizada, a gestão. Ou seja, eu e os meus colegas somos nomeados pelo governo. Com a CML temos excelentes relações e continuamos a ter projetos comuns, como o Fado no Cais, e está em estudo uma parceria para reatarmos o festival Dias da Música, que trazia aqui multidões ao fim de semana e foi interrompido

Vão reatar este ano?

Para o ano, em 2024. É um ano especial, também são os 50 anos do 25 de abril, há aqui uma conjugação com várias iniciativas. Ainda está a arquitetura por fazer, mas vamos ter para o ano o festival. Conseguimos encontrar parceiros.

Já nos pode dizer quem são?

Um deles será a EGEAC, potencialmente. Quando era o CCB a assumir sozinho o festival, gastávamos num fim de semana metade do que tínhamos foi um ano inteiro, quatrocentos e tal mil euros. Parámos com a pandemia e não tínhamos condições para reatar. Vamos reatar para o ano, com parceiros, o que dá mais substância à programação.

Acho que os contribuintes devem ser poupados até ao limite e, portanto, tudo o que possa enriquecer, qualitativamente também, a vida desta casa deve ser feito, ainda que envolva também a iniciativa privada.

E partilha de custos.

O que é importante. Voltando à CML, estamos na cidade de Lisboa, é o centro cultural mais importante da cidade – com toda a simpatia pela Gulbenkian – e trabalhamos com a Câmara. Acho que faz sentido que o município tenha um assento aqui no conselho de administração, como também os nossos clientes, ou seja, os privados, sejam eles quais forem. Haja alguém indicado, sei lá, por uma CIP, que dê um aspeto mais colegial, mais aberto, à gestão futura do Centro Cultural de Belém. É uma revisão estatutária, que nós apresentámos ainda à anterior ministra da Cultura, está lá e pronto.

Ainda não teve feedback do novo ministro?

Ainda não. Tem outras prioridades, neste momento. Não vou insistir nesse ponto, mas é o meu ponto de vista pessoal.

Aumentar também a área corporativa é um dos objetivos?

Exato.

Os eventos corporativos, turismo de negócios, eventos empresariais? Normalmente estão do outro lado da cidade.

Para além da subvenção, têm uma importância fundamental na vida desta casa, senão não era possível sustentar.

O orçamento total é da ordem dos 18 milhões de euros.

Sim, anda por aí.

Acabou por não nos dizer quando é que representam as receitas de aluguer do espaço.

Cerca de oito. Vamos ver, eu estou muito otimista relativamente a este ano, está a crescer. Por exemplo, a Presidência Europeia… Assinei o contrato 15 dias antes do confinamento. Se não fosse isso, estava com um problema danado, foi fundamental. Foi um acaso feliz, senão…

Teria que pedir mais dinheiro ao Estado.

E é uma coisa que não faço. Acho que os contribuintes devem ser poupados até ao limite e, portanto, tudo o que possa enriquecer, qualitativamente também, a vida desta casa deve ser feito, ainda que envolva também a iniciativa privada. Há que fazer aqui conjugações virtuosas, não é? Isso também é o papel do presidente da Fundação, seja ou outro qualquer. É equilibrar as coisas e garantir serviço público, é fundamental. E também garantir receita e sustentabilidade.

Conseguiu fechar o último ano com resultados positivos? Apesar dos aumentos na energia e nos restantes custos.

Foi resvés. Foi um brutal aumento de energia, em mais de 30%, o que nos levou a uma opção que vamos começar a seguir já para o ano e que é a energia fotovoltaica. Felizmente, o gás que aumentou brutalmente, agora está a baixar também quase brutalmente.

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