“O turismo sofre um bocadinho do problema do melhor aluno”
A BDC assina a campanha “Eu Conto com o Turismo”, lançada pela CTP com um investimento de 200 mil euros. Susana Monteiro, partner da consultora, explica a estratégia e os objetivos.
“O turismo sofre um bocadinho do problema do melhor aluno, ou seja, quando andamos na escola temos sempre a ideia de que o melhor aluno vai acabar por falhar e que não pode ser sempre bom. A opinião [que se tem] do setor do turismo é precisamente essa. Somos incapazes de acreditar no turismo da forma como se acredita em outro setor de atividade“.
As palavras são de Susana Monteiro, partner e CEO da consultora BDC, que avança que a primeira motivação para o lançamento da campanha “Eu Conto com o Turismo“, por parte da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), foi precisamente a de “corrigir os níveis de perceção da atividade do turismo“.
“Houve aqui esta necessidade de repor um bocadinho os níveis de perceção do setor, que estão muito abaixo daquilo que ele verdadeiramente merece ter, até por aquilo que [o turismo] aporta ao país“, aponta.
Com um investimento de cerca de 200 mil euros, a campanha foi lançada com o objetivo de demonstrar a importância do turismo, através de uma série de testemunhos reais dados por pessoas de diversos setores, desde uma varina ou um vendedor de bolas de berlim até empresários e CEO, passando por bananicultoras, motoristas e artistas.
A escolha destas pessoas “foi onde pesou a nossa maior dúvida”, recorda Susana Monteiro, nomeadamente se estas deveriam ser pessoas conhecidas do grande público, uma vez que se pretendia uma campanha “credível e real”, não dirigida ao setor mas sim aos portugueses em geral.
“Eu Conto com o Turismo” decorre até 13 de março, marca presença nas plataformas digitais e nos canais institucionais da CTP, num microsite próprio e em meios de comunicação social. Não estando definidos critérios de avaliação, o objetivo em termos de resultados passa por “conseguir alterar a narrativa sobre o turismo”, avança Susana Monteiro.
Em entrevista ao +M, a responsável da consultora explica o que motivou a campanha, quais os seus objetivos e processos de construção.
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Foi uma consultora de comunicação a desenvolver a campanha. Porquê?
A BDC tem um capital de território e de conhecimento do turismo de 20 anos. Nós trabalhamos com o setor há muitos anos, desde o associativismo até às empresas privadas, e a razão é precisamente essa: o capital de conhecimento que temos e a capacidade de raciocínio estratégico e criativo. A Confederação do Turismo de Portugal é nosso cliente há vários anos e passou-nos esse desafio.
O que motivou a campanha?
Foi um desafio muito interessante. Acaba por ser uma campanha de comunicação integrada, não apenas de comunicação, mas tem várias disciplinas da área da comunicação, nomeadamente publicidade, comunicação digital, assessoria mediática, ativação de marca. É um projeto muito desafiante para a empresa.
Nós sabemos que o turismo é uma atividade com muito escrutínio em Portugal. Esse escrutínio nem sempre é o mais bem informado. O turismo sofre um bocadinho do problema do melhor aluno. Ou seja, quando andamos na escola temos sempre a ideia de que o melhor aluno vai acabar por falhar e que não pode ser sempre bom. A opinião do setor do turismo é precisamente essa também, somos incapazes de acreditar no turismo da forma como se acredita em outro setor de atividade.
Houve aqui esta necessidade de repor um bocadinho os níveis de perceção do setor, que estão muito abaixo daquilo que ele verdadeiramente merece ter, até por aquilo que aporta ao país, e portanto essa foi a primeira motivação: corrigir os níveis de perceção da atividade do turismo.
É, portanto, uma campanha mais focada na reputação e não em aumentos de vendas ou construção de marca?
O grande objetivo é efetivamente ser uma campanha de reputação para correção de algumas perceções menos corretas sobre a atividade. E daí o “Eu Conto com o Turismo”. Ou seja, num sentido largo e muito mais no sentido da atividade do que dos promotores dessa atividade.
Por isso recorremos a testemunhos. Quisemos sair daquilo que são as vozes normais que opinam, escrevem e falam sobre o setor. Fizemos 11 convites e temos um conjunto de pessoas que, de uma maneira ou de outra, beneficiam do setor do turismo, justamente para poderem explicar a importância e transversalidade do turismo, ao nível do impacto no nosso país.
Fala-se muito da relevância que o turismo tem para a economia, mas em boa verdade as pessoas julgam que é apenas para os investidores do setor. Não é verdade, porque o turismo precisa de lavandarias, de atoalhados, de motoristas, de produtos de agricultura. E foi isso que tentámos trazer ao público, testemunhos reais e genuínos, porque a nenhum dos testemunhos que fazem parte desta campanha lhes foi indicada qualquer narrativa. A única questão que fizemos foi “acreditamos que o turismo é importante para si, podemos contar consigo para esta campanha?” e tivemos 11 respostas positivas — o que é muito interessante — e 11 testemunhos muito transversais, quer ao nível do perfil dos porta-vozes quer ao nível da sua atividade profissional, da distribuição geográfica.
Temos 11 testemunhos que representam Portugal inteiro e as ilhas, com atividades diferentes, idades diferentes, experiências de vida diferentes. Estamos muito satisfeitos com esse conjunto de pessoas que pela sua voz vão tentar connosco corrigir algumas perceções menos positivas sobre o setor.
Quais foram os critérios de seleção? Como chegaram a essas 11 pessoas?
Foi onde pesou a nossa maior dúvida, sobre se deveriam ser pessoas conhecidas do grande público, porque esta campanha não é para o setor, é para os portugueses em geral, e o objetivo é que seja uma campanha credível e real. Isso para nós era o ponto de partida, e conseguimos. Procurámos pessoas conhecidas e desconhecidas que, mediante um testemunho real e genuíno, pudessem caber dentro daquilo que é o conceito da campanha “Eu Conto com o Turismo”.
Entre pessoas com quem por razões profissionais já nos tínhamos cruzado e contactos que fizemos, tivemos também a CTP a ajudar-nos na definição dessas pessoas. O perfil cabe dentro desta linha, que é encontrar pessoas capazes de, através de uma narrativa real e genuína, explicarem a razão pela qual contam com o turismo, sempre fora do setor do turismo. Essa era uma premissa, pessoas que não são do setor do turismo.
E acabam por ter um leque de pessoas tão diversificado, como seja uma varina ou Toy…
Temos uma varina, o Toy, o Miguel Maya, o Francisco Canas, que é motorista e tem uma história muito interessante, porque tem quatro irmãos e sentiu que como irmão mais velho que pesava na família para a gestão das mensalidades, conseguiu fazer a universidade a trabalhar enquanto motorista para o setor. Portanto, temos testemunhos muito interessantes. O da Isabel, a varina, é muito real e genuíno. Ela numa frase diz tudo, que se não fosse o turismo, a partir de setembro, já estaria em casa e que assim não, trabalha o ano todo. Acho que isto nos saiu muitíssimo bem.
A campanha contou com um investimento de cerca de 200 mil euros. Qual é o retorno esperado?
Não definimos. E justamente porque somos uma consultora de comunicação e não uma agência de publicidade, o nosso retorno mede-se de outra forma e tem a ver, exatamente, com a capacidade de gerir a reputação da campanha e do setor do turismo e do impacto que ela vai ter na audiência em termos de alteração de perceção.
Na verdade, não estão definidos critérios de avaliação, mas o nosso objetivo e em termos de resultados, é efetivamente conseguir alterar a narrativa sobre o turismo. Que as pessoas tentem, ou que consigam, através da campanha, ter um raciocínio diferente sobre a real importância do setor do turismo para o país.
Disse que o turismo sobre do ‘problema do melhor aluno’. Pode aprofundar esta ideia?
O setor do turismo evoluiu muito em Portugal e nós deveríamos estar todos muito orgulhosos com isso. Temos ótimos grupos hoteleiros, bons restaurantes, a nossa gastronomia beneficia muitíssimo com o turismo, temos uma série de critérios que nos fazem ser únicos, já para não falar da geografia, da diversidade do nosso país e da nossa capacidade de recebermos bem os turistas, mas parece que tudo isto aparece assim do nada. Segundo muitas opiniões e perceções, faça-se ou não se algo pelo turismo, o turismo continua a acontecer. O que é errado. O turismo precisa de muito investimento ao nível de infraestruturas, da capacidade instalada, da inovação, da experiência. Não é uma atividade em que se aguarda que apareça o bom tempo e que as pessoas aparecem aqui tipo pipocas. Mas as pessoas julgam que é mais ou menos assim que acaba por acontecer.
Não me parece que seja a melhor forma de avaliar o setor e é bom que se corrija essa perceção, daí dizer que o turismo sofre da síndrome de melhor aluno. Quando andamos na escola estamos sempre à espera que o melhor aluno falhe. O melhor aluno tem que ter algum defeito. Até o professor espera que ele um dia possa falhar. Estamos sempre a olhar com um ar um pouco desconfiado. E o turismo sobre um bocadinho disso, toda a gente se sente capaz de falar do turismo com propriedade de conhecimento, mas não é bem assim.
E é essa imagem que a campanha pretender vir a desmistificar…
É um bocado. É explicar que o turismo não só é importante para aqueles que investem nele, diretamente — os grandes grupos hoteleiros, restaurantes, companhias de transportes –, é bom para todos os que beneficiam do turismo e são muitos. Estamos a falar da agricultura, de produção de atoalhados, de motoristas, varinas. Porque os turistas compram, não veem só cá dormir nos hotéis. Não vêm só passear nos museus e em bons restaurantes. Investem nas suas férias, experimentam um pouco de tudo e precisam de fazer compras.
O que falta fazer para mudar essa ideia?
É ir trabalhando. A Confederação faz um trabalho junto dos seus associados, aliás o turismo é muito associativista a esse nível, são pessoas que se dedicam muitíssimo à reputação da sua atividade e acreditamos que com os players do setor, com este tipo de campanhas e com bom jornalismo, se consegue alterar a perceção sobre a atividade do turismo. Agora não há uma receita, é continuar a investir nesse sentido de informar corretamente as audiências e os portugueses sobre a atividade do turismo e a importância que o turismo tem em Portugal.
Pode ver a entrevista completa aqui.
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