Projeto de milhares de milhões para a água não vai pesar nas contas públicas

O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, tem a expectativa de ganhar um instrumento financeiro na reprogramação do PRR que permitirá conceder "empréstimos a taxas de juro mais baixas".

A estratégia Água que Une, que pretende responder aos problemas da fata de água, é um “investimento de milhares de milhões de euros que terá uma calendarização que será apresentada em breve”, revelou o ministro da Agricultura. Sem querer levantar a ponta do véu, José Manuel Fernandes avançou que “haverá uma arquitetura financeira onde os empréstimos não contam para a dívida pública”.

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“O objetivo do Água que Une, em termos nacionais, é fazermos o armazenamento de água, distribuí-la de forma eficiente, se necessário, através de uma rede interligada, com o objetivo do consumo humano e da agricultura, protegendo também, em simultâneo, o ambiente. Por exemplo, o objetivo de termos os caudais ecológicos assegurados está aí”, explicou que o responsável no ECO dos Fundos, o podcast quinzenal do ECO sobre fundos europeus.

José Manuel Fernandes admitiu que “obviamente que o Banco Europeu de Investimento (BEI) será chamado” a apoiar o financiamento do projeto, já que não é possível recorrer ao Plano de Recuperação e Resiliência.

O ministro da Agricultura revelou também que tem “a expectativa que, na reprogramação” da bazuca, a “Comissão Europeia aceite que o compartimento nacional InvestEU possa ser utilizado” para a “criação de instrumentos financeiros, empréstimos a taxas de juro mais baixas”. “Isto tem a vantagem: ao colocar ali aquele recurso, depois dos contratos com os bancos, a meta fica executada e há mais tempo para se executar os projetos, pois ficam com a duração do InvestEU. Aí já podia ir, no mínimo, até 2027. Dava mais tempo também para a execução dos projetos”, explicou José Manuel Fernandes que foi relator e negociador do Parlamento Europeu para o Programa InvestEU quando era eurodeputado.

Com o prazo a chegar ao fim — os investimentos têm de estar concluídos até 2026 — o ministro admite: “Não vou dizer que estou tranquilo. Estou confiante que vamos cumprir“, as metas na agricultura.

José Manuel Fernandes recusa aceder ao pedido da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) de pagar juros de mora quando o Estado se atrasa nos pagamentos aos agricultores. “Não nos vamos atrasar a pagar aos agricultores. Não haverá necessidade de pagar juros por aquilo que não será um atraso”, disse, garantindo que já não há atrasos nos pagamentos aos agricultores.

A reprogramação do PRR é uma oportunidade para tentar encaixar mais investimentos na área da agricultura?

Um dos objetivos que temos, precisamente por causa do limite temporal, é podermos ter instrumentos financeiros também dedicados à agricultura, via reprogramação do PRR. E, por exemplo, no compartimento nacional do InvetEU, colocar lá uma garantia para podermos apoiar as nossas empresas, nomeadamente as empresas agrícolas. Como sabe negociei o InvestEU e no compartimento nacional do InvestEU pode-se colocar como garantia 2% do PT2030 ou até 4% do PRR (são cerca de 800 milhões de euros). Não é preciso colocar esse montante para instrumentos financeiros. Mas tenho a expectativa que, na reprogramação, a Comissão Europeia aceite que o compartimento nacional InvestEU possa ser utilizado para este objetivo: criação de instrumentos financeiros, empréstimos a taxas de juro mais baixas. Isto tem a vantagem: ao colocar ali aquele recurso, depois dos contratos com os bancos, a meta fica executada e há mais tempo para se executar os projetos, pois ficam com a duração do InvestEU. Aí já podia ir, no mínimo, até 2027. Dava mais tempo também para a execução dos projetos.

Também estamos a fazer uma coisa que é: cumprindo as metas, pode haver realocações. O PRR tem uma filosofia diferente dos fundos da Política de Coesão. Por exemplo, vamos lançar um concurso de 52 milhões de euros de uma realocação que existiu dentro do PRR, cumprindo-se, no entanto, a meta — ou seja, não foi necessário reprogramação — com o objetivo floresta. Para as AIGP [Áreas Integradas de Gestão da Paisagem] havia 217 milhões de euros. Vai-se cumprir a meta como estava, mas consegue-se utilizar 52 milhões de euros para a área da floresta, comprando-se equipamento para as comunidades intermunicipais e com o objetivo também de retirarmos as infestantes que existem. Ou seja, muitas vezes também se conseguem realocações sem ser necessária a reprogramação. Neste momento há uma grande pressão, face ao calendário, para que o que está aprovado, no mínimo, seja executado. É essencial simplificar, desburocratizar, acelerar. Infelizmente, temos muitas vezes gente que está na Administração Pública e olha para um projeto procurando ver como é que o pode chumbar, quando devia olhar, vendo como é que, respeitando a legislação, o pode aprovar e acelerar. Não nos adianta ter muitos recursos se depois tivermos gente a atrasar ou empatar decisões. A simplificação e a desburocratização são absolutamente essenciais. Felizmente que, neste momento, temos um primeiro-ministro, o Castro Almeida, e todo o Governo que o defendem.

Não nos adianta ter muitos recursos se depois tivermos gente a atrasar ou empatar decisões. A simplificação e a desburocratização é absolutamente essencial.

Está tranquilo com as metas e marcos que têm de cumprir no PRR ao nível da floresta?

Não vou dizer que estou tranquilo. Estou confiante que vamos cumprir.

A parte mais exigente vem agora?

A parte mais exigente começou mais atrás e não foi feita. Devíamos ter uma complementaridade do PRR com o Portugal 2030 que não existiu como devia. Para além disso, deveríamos ter um PRR onde não houvesse a tentativa de substituir despesa do Orçamento de Estado, como tantas vezes tenho dito e escrito. Os fundos europeus devem servir para adicionar e não para substituir e muitas vezes são utilizados para praticamente despesa corrente quando tal, até em termos regulamentares não é recomendado. Para ser simpático. Mas as metas e o calendário são exigentes. O que está previsto é 2026, o fim.

Da sua experiência, Bruxelas não vai ceder com essa meta de 2026?

Vai depender muito da vontade dos Estados-membros e de uma maioria que…

Todos os Estados-membros estão atrasados. Não é um problema só de Portugal.

Sim. Mas, muitas vezes, os frugais têm a expectativa de que aquilo que é aprovado não seja utilizado. E é por isso que as autorizações do quadro financeiro plurianual não dão sempre origem aos pagamentos e há muitas que caem. Mesmo sem PRR, fruto das regras do N+2 e N+3. Ou seja, uma despesa que está prevista para um ano tem um prazo de execução para ser paga. Se não o for, ela cai, o compromisso deixa de existir e é como se perdesse o dinheiro. Mas a Comissão Europeia tem dito que é preciso unanimidade para se prolongar o prazo. Isso não é verdade. Não é preciso unanimidade, mas é preciso uma maioria no Conselho e depois no Parlamento. Mas o Parlamento Europeu sempre disse que estava a favor da prorrogação. No entanto, eu percebo bem a posição da Comissão Europeia. Se tivesse a intenção de prorrogar, e viesse dizer que prorrogava, então é que era um relaxamento e a seguir voltamos a ter um problema para resolver. Temos de executar e atuar com as regras que temos neste momento e não podemos estar à espera que possa vir a existir uma alteração.

O Alqueva já se pagou a ele próprio. Temos ali uma Autoeuropa de 3.200 milhões de euros de produção anual, 339 milhões de receita fiscal anual.

Haverá possibilidade de introduzir ainda no PRR algum tipo de solução para para resolver o problema da seca?

Temos uma iniciativa verdadeiramente estruturante e que não vai a tempo de usar recursos do PRR. O Água que Une tem um objetivo que será uma grande reforma e será estruturante e estratégico para Portugal. Nem sempre há a consciência, por exemplo, de que o Alqueva já se pagou a ele próprio. Temos ali uma Autoeuropa de 3.200 milhões de euros de produção anual, 339 milhões de receita fiscal anual. Se olhar para o Mira, o aproveitamento hidroagrícola dá, por ano, uma receita fiscal 630 milhões. E há ali uma zona que não está a ser regada, que se o fosse eram mais 60 milhões. Portanto, isto é estratégico. Qual é o objetivo do Água que Une? Em termos nacionais, fazermos o armazenamento de água, distribuí-la de forma eficiente, se necessário, através de uma rede interligada, com o objetivo do consumo humano e da agricultura, protegendo também, em simultâneo, o ambiente. Por exemplo, o objetivo de termos os caudais ecológicos assegurados está aí. Isto é um investimento de milhares de milhões de euros que terá uma calendarização que será apresentada em breve. Infelizmente, já o disse publicamente várias vezes, o Governo anterior não quis 8.300 milhões de euros do PRR, na área dos empréstimos. Tantas vezes chamei a atenção, mas…

Será que agora tínhamos tempo para para os utilizar?

Agora já não tínhamos. Por isso é que não podemos recorrer ao PRR. Mas quando o PRR foi construído, tínhamos. Espanha, que inicialmente só queria as subvenções, utilizou todos os recursos de empréstimos e fez um grande investimento em termos do objetivo água. Portugal tinha até 31 de agosto de 2023 para dizer que queríamos esses 8.300 milhões de euros. Só que não havia planeamento. Estamos a fazer um trabalho no Governo que é o de acelerar, ao mesmo tempo simplificar e planear. Infelizmente não podemos ir buscar esses 8.300 milhões de euros e teremos de ter, e já está pensada, uma arquitetura financeira para podermos ter empréstimos para este objetivo.

Do Banco Europeu de Investimentos (BEI)?

Obviamente que o BEI será também chamado. O Banco Europeu de Investimentos, felizmente tem a água como um dos objetivos em termos de prioridades. Temos aqui um projeto verdadeiramente estruturante. Há outras ações que estamos a fazer. Lançámos um concurso para as charcas acima de 50 mil euros. Diziam que nove milhões de euros era suficiente. Tivemos 900 candidaturas. Já todos percebemos que a água é um fator essencial e, portanto, haverá aqui uma pressão positiva para esta concretização. E felizmente que avançámos com este plano, que é uma parceria Ministério do Ambiente e Ministério da Agricultura. Felizmente também temos uma ministra, a ministra Graça Carvalho, que percebe a importância da agricultura, da coesão territorial. Ambiente e agricultura andam de mãos dadas e não são incompatíveis

Em que consiste essa arquitetura financeira?

Ainda não está anunciado publicamente. Só posso dizer que da forma como está pensado, não terá um impacto nas contas públicas. E haverá uma arquitetura financeira onde os empréstimos, no fundo, não contam para a dívida pública.

“No PEPAC, quando chegámos a execução era zero, taxa de compromisso zero. E neste momento temos uma taxa de compromisso de 25% e o objetivo é que, até ao final do ano, essa taxa de compromisso seja de 50%”, diz o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, em entrevista ao podcast “ECO dos Fundos”.Hugo Amaral/ECO

Já falou dos riscos da aplicação da regra da guilhotina. Ao nível dos fundos da agricultura, há um problema em 2025?

Não, porque aceleramos. Quando chegámos, em termos do PDR2020, tínhamos 668 milhões de euros que teríamos de executar. Já executámos mais de 450 milhões de euros e, portanto, não vamos ter esse problema. Este ano é o último ano, ainda temos a possibilidade e o objetivo de antecipar esse montante. Naquilo que era o PDR2020 e havia o risco de perdermos recursos. Não vamos perder. No Mar2030, antes Mar2020 também não perdemos. O Mar2030 também está a correr muito bem, falando das pescas. No PEPAC, quando chegámos a execução era zero, taxa de compromisso zero. E neste momento temos uma taxa de compromisso de 25% e o objetivo é que, até ao final do ano, essa taxa de compromisso seja de 50%.

E de execução? Não há nenhuma?

Há execução e está na ordem dos 8%. Temos um acelerar brutal. Somos ambiciosos. Temos um objetivo: não perder um cêntimo dos fundos europeus e, se for preciso, até antecipar. Mas para isso fazemos bons projetos. Porque quando não se executa, não se planeia, não se acelera, chega-se a um determinado momento, procura é gastar o dinheiro seja onde for. É como costumo dizer tantas vezes, gastar não é investir e precisamos é de investir.

Vai satisfazer os desejos da CAP que pedia que fosse instalado um mecanismo para os agricultores recebam juros sempre que o Governo se atrasa no pagamento das verbas?

Mas nós não nos atrasamos. Houve um atraso, efetivamente do Governo anterior que recuperámos. Pagámos o que era devido dos anos anteriores e do respetivo ano.

Não nos vamos atrasar a pagar aos agricultores. Não haverá necessidade de pagar juros por aquilo que não será um atraso.

Já não há nenhuns pagamentos em atraso?

Não. Queremos dar previsibilidade e estabilidade ao agricultor fazendo uma outra coisa: aumentando o rendimento. Por isso é que reprogramámos o PEPAC. O que estava previsto por hectare, por exemplo, em termos de apoio ao arrendamento base, era de 81,7 euros por hectare. Passámos para 126 euros por hectare e o Orçamento de Estado faz um esforço brutal para este objetivo. Aprovámos em Conselho de Ministros uma resolução de 60 milhões de euros por ano, o que significa, no espaço temporal de cinco anos, 300 milhões. Neste ano já está esses 60 milhões de euros, a que se soma uma resolução que já estava aprovada, que vem do Governo anterior, de 58 milhões de euros. Ou seja, o Orçamento de Estado faz um esforço anual de 118 milhões de euros para melhorar o rendimento do agricultor e promover — é um dos nossos grandes objetivos — a renovação geracional. Por isso, duplicámos o apoio para os jovens agricultores. Não nos vamos atrasar a pagar aos agricultores. Não haverá necessidade de pagar juros por aquilo que não será um atraso. Vamos cumprir e queremos cumprir. É necessário dar essa previsibilidade e essa estabilidade. Como costumo dizer, a agricultura é segurança alimentar, comida no prato, é economia e coesão territorial, turismo, investigação, indústria, indústria de transformação, património, é gastronomia. Nem sempre há a perceção destas várias dimensões da agricultura. E é também defesa, que é uma palavra que espero que nunca seja devidamente interpretada e reconhecida.

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