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Quanto (ainda) vale a marca CR7?

Carla Borges Ferreira,

Os números são de uma ordem de grandeza sem igual, quer se fale no número de golos marcados, nos 500 milhões de seguidores no Instagram ou nos 200 milhões de euros/ano que vale enquanto marca

Não é inédito, mas não deixa de ser um fator de interesse acrescido. Quando esta tarde, às 16h, Portugal entrar em campo, a braçadeira de capitão está a ser envergada por um jogador sem clube. Aconteceu em 2014 com Frank Lampard, então capitão da seleção inglesa, vai acontecer hoje com Cristiano Ronaldo. A principal diferença é que agora falamos de um dos melhores, se não do melhor, jogador de futebol do mundo. E também de uma marca avaliada em 200 milhões de euros.

“Acompanhamos com estudos o valor da marca Ronaldo há mais de 15 anos. Os estudos mais recentes apontam para o valor da marca Ronaldo a atingir os 200 milhões de euros anualmente”, diz ao +M/ECO Daniel Sá, diretor do IPAM e especialista em marketing desportivo.

Ou seja, entre salários, contratos publicitários, direitos de imagem, acordos comerciais ou ganhos nas redes sociais, são estas as receitas geradas anualmente por Cristiano Ronaldo, enumera Daniel Sá, para quem o capitão da seleção possui dois atributos poderosos. Por um lado, a sua visibilidade global. Por outro, “a sua personalidade forte, vencedora e uma máquina de sucesso que sabe lidar com todo o tipo de pressões. Tudo isto num atleta com um enorme sucesso desportivo coletivo e individual de forma consistente há mais de 20 anos”.

E “todo o tipo de pressões” é o que não tem faltado ao jogador de 37 anos, até esta terça-feira jogador do Manchester United. Basta recuarmos uma semana. Dia 17 é emitida a primeira parte da entrevista ao jornalista Piers Morgan, na qual teceu duras críticas ao clube inglês e ao seu treinador, Erik ten Hag. A entrevista, transmitida em Portugal pela pela RTP1, foi acompanhada por mais de 1,6 milhões de portugueses, sendo o segundo programa mais visto do dia, só ultrapassado pelo jogo de preparação da seleção portuguesa para o Mundial. Em média, nos dois dias, um milhão e 365 mil portugueses assistiram à entrevista, de acordo com dados da Universal McCann citados pela Lusa. Na véspera, dia 16, era o filme Footballverse, criado pela Nike para o Mundial, que começava a correr mundo, com Ronaldo como um dos protagonistas.

Um dia depois, sexta-feira, o Turismo de Portugal fez um take over de cerca de uma hora de todo o espaço publicitário de Time Square, ativando assim a campanha Close to US, lançada inicialmente em 2020 e suspensa com a pandemia. A estrela da noite? Cristiano Ronaldo, em formato vídeo, a falar diretamente aos americanos – leia-se ao mundo – e a anunciar a sua nova estátua de cera, a caminho do Museu Madame Tussauds de Nova Iorque. “O take over dos outdoors digitais de Times Square esteve associado ao evento de lançamento, pelo museu Madame Tussauds em Nova Iorque, da mais recente figura de cera de Cristiano Ronaldo, que ficará patente no museu num espaço dedicado ao atleta português denominado: The CR7 Experience. Tratou-se de uma ação única de promoção de Portugal, com a exibição de imagens do país durante 1 hora, numa das praças mais movimentadas e simbólicas do mundo, reforçado por ser o início da semana do ThanksGiving (Dia de Ação de Graças), seguido das famosas Black Friday e CyberMonday, período em que os americanos aproveitam para a marcação de férias e viagens”, enquadra Lídia Monteiro, diretora coordenadora da direção de apoio à venda do Turismo de Portugal, explicando que a ação está integrada num forte plano de promoção do destino Portugal nos EUA, o qual pretende acelerar o crescimento deste mercado. Ponto para Portugal, cuja ação correu mundo, ponto para o capitão da seleção.

Um dia depois, sábado, um post no Instagram. “A vitória é um estado de espírito”, diziam em simultâneo Cristiano Ronal e Lionel Messi, numa produção assinada pela norte-americana Anna-Lou Leibovitz para a marca francesa Louis Vuitton, que juntava os dois rivais para uma partida de xadrez. Esta quarta-feira o post ultrapassava os 39 milhões de likes e 492 mil comentários, Messi contava com 29,9 milhões de reações e 326 mil comentários. O que parecia uma campanha perfeita perdeu parte do encanto – e toda a autenticidade – quando a marca divulgou o making of do anúncio, no qual se percebia que afinal, juntos, Ronaldo e Messi só mesmo na fotomontagem. Mas um lugar de destaque no ranking das campanhas mais virais de 2022 já está assegurado.

Segunda-feira, novo recorde, com o capitão da seleção nacional a tornar-se na primeira pessoa a ultrapassar a marca dos 500 milhões de seguidores no Instagram. Uma semana antes, um lançamento: os NFT Cristiano Ronaldo, em parceria com a Binance.

Já esta terça-feira, o desfecho esperado com o clube. Cristiano Ronaldo deixou o Manchester United após rescisão por mútuo acordo com efeitos imediatos. “O clube agradece-lhe pela imensa contribuição em duas passagens por Old Trafford, marcando 145 golos em 346 partidas, e deseja a ele e à sua família o melhor para o futuro”, escrevia o Manchester United, numa curta nota publicada no seu site. Ronaldo entra em campo como o jogador livre mais valioso do mercado, com o site da especialidade Transfermarkt a atribuir-lhe um valor de mercado de 20 milhões de euros.

“O ‘timing é sempre o timing. Para vocês é fácil opinar, escrever. Não tenho de pensar no que outros pensam”, dizia Ronaldo na segunda-feira, na conferência de imprensa da seleção, no centro de treinos do Al-Shahaniya SC, nos arredores de Doha, garantindo que toda a polémica em torno do seu nome “não vai influenciar o desempenho da seleção e não serão influenciados pelo que os outros dizem ou escrevem”.

O uplift que Cristiano consegue oferecer a produtos, marcas e serviços através dos canais em que tem uma presença digital é tremendamente valorizado. Comparado com Messi, consegue resultados até 1,25X superiores em interações com utilizadores em conteúdos com presença de marca.

Francisco Morgado Véstia, Samy Aliance

E o valor da marca Ronaldo foi influenciado? “São factos que constroem sobre a persona e o mito do maior futebolista do mundo. Vamos lá ver, acompanhamos Cristiano desde jovem quando jogava no Sporting, e o mundo começou a perceber quem era este atleta em 2003, com 18 anos, ao assinar pelo Manchester. São quase 20 anos de uma história que teve várias fases, e esta narrativa não está de todo apenas associada a resultados desportivos”, começa por dizer Francisco Morgado Véstia, country manager da Samy Alliance, grupo que integra, entre outras, a agência de marketing de influência SamyRoad. “A assertividade e uma certa fome de vencer a todo o custo está-lhe também associada, e ficou bem demonstrada com a entrevista”, prossegue.

Cairá bem a todos? “Cristiano está longe de ser uma figura consensual. Mesmo que os resultados e palmarés desportivo a título pessoal e coletivo possam tirar algumas dúvidas, a verdade é que sendo uma pessoa com uma vida pública que dura há mais de 20 anos, não está isento de polémica. Seria impossível o contrário. Mas deixa por isso Cristiano Ronaldo de ser uma das pessoas mais famosas do mundo? De ser um dos perfis com maior presença digital pessoal no mundo? Deixa de ser a figura com maior número de seguidores do mundo no Instagram?”, reforça o responsável, que aponta o português como “uma das 10 maiores marcas desportivas do mundo”.

Em Julho deste ano a Capture Intelligence da SAMY Alliance conduziu um estudo de social listening sobre a marca e perfil Cristiano Ronaldo em Julho de 2022. “O uplift que Cristiano consegue oferecer a produtos, marcas e serviços através dos canais em que tem uma presença digital é tremendamente valorizado. Para Clear (Linic) calculamos que tenha conseguido mais 90 milhões de visualizações orgânicas em conteúdos próprios. Comparado com Messi, consegue resultados até 1,25X superiores em interações com utilizadores em conteúdos com presença de marca”, conta ao +M/ECO Francisco Morgado Véstia.

Se tivéssemos que escrever a biografia de Ronaldo num livro de 500 páginas, os episódios das últimas semanas não ocupariam mais de três a quatro páginas”, acredita Daniel Sá. “Evidentemente que estamos perante o período mais baixo da carreira de Ronaldo, mas trata-se de uma combinação de fatores que naturalmente afeta negativamente a marca Ronaldo. No entanto, os restantes 20 anos de sucesso consistente passam por cima destas semanas mais complicadas. A marca vai continuar a crescer por muitos anos, mesmo depois do momento em que Ronaldo se retire como jogador dos relvados”, defende o especialista em marketing desportivo.

Os restantes 20 anos de sucesso consistente passam por cima destas semanas mais complicadas. A marca vai continuar a crescer por muitos anos, mesmo depois do momento em que Ronaldo se retire como jogador dos relvados

Daniel Sá, IPAM

E ter Ronaldo como embaixador de marca ainda é um bom negócio? “Depende obviamente do que se investe por isso, do escopo do acordo, da dimensão territorial da presença e acuidade com o produto, serviço ou mensagem. À partida, havendo investimento e disponibilidade financeira para elevar esse acordo até às últimas consequências, todos os dados de que dispomos indicam que sim”, responde Francisco Morgado Véstia.

“É um excelente negócio e vai continuar a ser”, garante sem reservas o diretor do IPAM. “Trata-se de uma personalidade reconhecida globalmente com presença contínua nos media para além de ser a marca com mais alcance nas redes sociais em todo o mundo. Além da visibilidade, CR7 faz-se acompanhar de uma personalidade forte e muito atrativa para as marcas”, defende Daniel Sá.

Quanto ao tipo de produtos e serviços a que Ronaldo pode “emprestar” a marca, os dois profissionais são quase unânimes. A versatilidade do português é outra das suas características, como provam as associações a produtos de performance desportiva, telecomunicações, banca, cosmética ou a recente colaboração com a Binance. Ronaldo faz sentido a todo o tipo de indústrias, desde que tenham alcance global, diz Daniel Sá. “CR7, pela sua dimensão só faz sentido a marcas de massas que tenham uma presença verdadeiramente global. Diria ainda que se trata de uma marca premium pois trata-se de um dos melhores jogadores da história do futebol mundial para além de ser o desportista vivo mais influente” acrescenta o docente.

Na ligação com as marcas que representa, concretiza Francisco Morgado Véstia, os números deixam pouca margem para dúvidas. “Segundo o nosso estudo, as marcas associadas a Cristiano Ronaldo conseguem um uplift em interações de mais de 7,5% da média da marca quando se comunica sozinha. Os números são inegáveis e são profundamente expressivos da enormidade do perfil”, revela.

Lídia Monteiro acrescenta, como exemplo, a comunicação do próprio país. “Portugal é hoje uma marca forte e de grande reputação internacional, com a capacidade de acrescentar valor a outras marcas. É também indiscutível o alcance da marca CR7. Mas o valor de uma marca é exponencialmente superior quando associada a outras marcas fortes e com valor acrescentado. A carreira inspiradora e de sucesso de Cristiano Ronaldo têm levado o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo. Portugal e CR7 têm uma combinação e um potencial de alcance e de influência muito superior e com claros benefícios para ambos”, refere a responsável.

No último mundial da sua carreira, como admitiu na entrevista a Piers Morgan, em jogo vai estar a sua performance desportiva, mas também o seu destino em termos de clube. “Todos os holofotes estão sobre ele. Há uma enorme expectativa sobre a sua prestação, mas também sobre qualquer declaração que possa existir que dê algum indício sobre os próximos passos na sua carreira”, constata Francisco Morgado Véstia. O percurso da seleção vai impactar o seu valor? “Tudo impacta claro. De uma presença pobre até à vitória no mundial e uma chuva de golos podem influenciar positiva ou negativamente a marca Ronaldo a curto prazo”, responde Daniel Sá. De resto, “os restantes 20 anos de carreira de topo garantiram já a marca fazer parte de uma elite muito restrita a nível mundial”. A bola começa a rolar às 16h.

 

(Artigo atualizado com as declarações de Lídia Monteiro, diretora coordenadora no Turismo de Portugal)

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