
A nova comunicação na era Donald Trump
Torna-se mais urgente do que nunca um consumo informado e crítico de informação. Quando a liberdade de imprensa é ameaçada, a própria democracia e os direitos fundamentais correm um sério risco.
Nenhuma figura política contemporânea compreende tão bem a comunicação social — e a comunicação como um todo — como Donald Trump. O atual presidente dos Estados Unidos soube, como poucos, manipular a narrativa pública, transformando informações falsas em verdades aparentemente incontestáveis. Repetindo dados errados até à exaustão e apresentando cenários inicialmente inverosímeis, mas que, após infindáveis debates mediáticos, se tornam quase plausíveis, Trump criou um método de comunicação eficaz. É a concretização prática da célebre frase publicitária criada por Fernando Pessoa para a Coca-Cola: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
O mundo parece ter perdido a capacidade de se chocar. Os seus anúncios e declarações, muitas vezes agressivos e surpreendentes, são amplificados pelos próprios meios de comunicação, que os disseminam, analisam, justificam e, por vezes, acabam por os tornar aceitáveis. Logo após a sua tomada de posse como Presidente dos Estados Unidos, Trump sugeriu a compra da Gronelândia (território da Dinamarca), a recuperação do controlo do Canal do Panamá e até a renomeação do Golfo do México como “Golfo da América”. A certa altura, chegou a insinuar que o Canadá deveria integrar os Estados Unidos como o seu 51.º estado. Com declarações constantes e factos novos a cada dia, conseguiu dominar a agenda mediática global e enfraquecer a capacidade de resposta dos seus opositores políticos.
Para além desta estratégia de choque e desorientação, emergiu também uma abordagem clara para a política internacional. O objetivo parece ser marginalizar, ou mesmo desmantelar, os espaços multilaterais de negociação e cooperação, como a ONU e outras organizações internacionais. Em seu lugar, Trump aposta na primazia das relações bilaterais entre estados, na imposição da força — seja militar ou económica — e na redefinição das zonas de influência das grandes potências.
A conflituosa relação com a comunicação social
Desde o início do seu novo mandato em janeiro de 2025, Trump adotou uma postura hostil em relação à comunicação social independente. Um dos primeiros passos foi congelar 268 milhões de dólares previamente aprovados pelo Congresso para financiar a USAID, que apoiava meios de comunicação não estatais e formava jornalistas em diversos países. Apenas em 2023, esta agência financiou a capacitação de mais de 6.200 jornalistas, auxiliou 707 órgãos de comunicação social independentes e apoiou 279 organizações da sociedade civil ligadas ao setor dos media.
Mais recentemente, no dia 27 de fevereiro de 2025, Trump intensificou os seus ataques à imprensa ao criticar publicamente o Wall Street Journal (WSJ), que havia publicado um editorial desfavorável às suas propostas de aumento de tarifas de importação. O jornal alertava para os potenciais impactos negativos na indústria automóvel norte-americana, especialmente no estado de Michigan. Em resposta, Trump utilizou a sua plataforma Truth Social para descredibilizar o WSJ, acusando-o de estar “redondamente errado” e defendendo que as tarifas promoveriam a manufatura em território americano, impedindo a deslocalização da produção para o estrangeiro.
Também Trump ameaçou processar o jornalismo de investigação, ao sugerir a criação de uma lei que punisse jornalistas que utilizassem fontes anónimas. Segundo Trump, essas fontes não identificadas seriam apenas “ficções inventadas e difamatórias”. Esta posição reflete a crescente tensão entre Trump e os meios de comunicação, uma relação que se tem vindo a deteriorar ao longo dos anos.
O controlo da imprensa na Casa Branca
A hostilidade de Trump para com a comunicação social atingiu um novo patamar no dia 25 de fevereiro de 2025, quando a sua porta-voz, Karoline Leavitt, anunciou que a Casa Branca passaria a selecionar os meios de comunicação autorizados a cobrir a agenda presidencial. Esta medida surge depois da decisão do governo de proibir a Associated Press de integrar o grupo de jornalistas que acompanham de perto o presidente, alegadamente por se recusar a adotar a designação “Golfo da América” em vez de Golfo do México.
A Associated Press já avançou com um processo judicial contra três membros da administração Trump, alegando restrições ilegítimas ao acesso a eventos presidenciais e citando a violação do direito à liberdade de imprensa. A decisão da Casa Branca rompe com uma tradição de quase um século, segundo a qual era a Associação de Correspondentes da Casa Branca (WHCA), fundada em 1914, que determinava quais os jornalistas que fariam parte do grupo de cobertura dos eventos presidenciais, sobretudo nos espaços mais restritos, como a Sala Oval e o avião presidencial Air Force One.
Entre a disseminação diária de novas informações — muitas das quais falsas –, o corte de financiamento a órgãos de comunicação independentes e a tentativa de controlo sobre os media que lhe são desfavoráveis, Trump tem consolidado um modelo de gestão mediática que serve para reforçar a sua própria legitimidade.
Torna-se mais urgente do que nunca um consumo informado e crítico de informação. A comunicação social independente é um dos pilares fundamentais da democracia, garantindo que os cidadãos tenham acesso a informações rigorosas e imparciais. Sem liberdade de imprensa, os governos e grupos de poder conseguem moldar a narrativa pública a seu bel-prazer, restringindo o direito à verdade. O jornalismo de investigação desempenha um papel crucial na fiscalização do poder, na denúncia de abusos e na promoção de um debate informado. Quando a liberdade de imprensa é ameaçada, a própria democracia e os direitos fundamentais correm um sério risco.
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