A Quarta Dimensão
Na minha juventude, as oportunidades e opções eram muito limitadas. Atualmente, os jovens vivem a tirania da escolha que colide de frente com a vida real.
Em poucos anos, a Juventude em Portugal alterou o paradigma: atualmente, enfrenta desafios complexos, fruto de uma combinação de fatores económicos, sociais, tecnológicos e culturais.
Nos últimos tempos, temos assistido ao conceito “jovens” envolvido nas discussões políticas, partidárias e sindicais, nomeadamente no que diz respeito a precariedade laboral e perspetivas de carreira, acesso à habitação, educação e desigualdades de acesso ou dificuldades económicas versus custo de vida; todas causas maiores e legítimas. Se adicionarmos a estes ingredientes a parca participação cívica e a falta de confiança nas instituições, encontramos um terreno muito fértil para o afastamento de jovens e menos jovens da política tradicional e o crescimento da polarização e do discurso de ódio, cujo palco principal é o online.
É precisamente aqui, no online – uma espécie de quarta dimensão – que assiste a exigência de uma “vida perfeita”, já que o sucesso e a aceitação traduzem cada vez mais a construção de uma identidade sob pressão social. Na minha juventude, a pressão centrava-se no “parecer bem e parecer mal”, sobretudo no género feminino em que a rigidez extremada – ainda que com boas intenções – era extenuante, e a parentalidade assentava na máxima “os fins justificam os meios”, com as devidas exceções e em contexto.
Durante os anos da minha juventude, as oportunidades e opções eram muito limitadas e, por vezes, impostas. Existia uma espécie de tirania, dos adultos perante os mais novos. Atualmente, os jovens vivem a “tirania da escolha”, num contexto de instabilidade social, que colide de frente com a vida fora desta quarta dimensão, nomeadamente em contextos escolares, académicos, profissionais, familiares e pessoais.
Temos a fórmula mágica ou uma pílula instantânea que transporte a quarta dimensão para o mundo real? Não! Mas podemos apontar algumas soluções concretas e realistas ao nível da mega pasta pública “educação” e de competências do futuro.
Portugal enfrenta uma necessidade clara de transição estrutural. O sistema educativo foi concebido para preparar alunos para uma economia industrial e administrativa; no entanto, os jovens de hoje vão enfrentar um mercado marcado pela automação, inteligência artificial, economia verde, complexidade cultural, e aprendizagem ao longo da vida.
As competências que serão mais valiosas são precisamente aquelas menos replicáveis por máquinas e mais críticas para resolver desafios sociais complexos. Quais? Desde as competências cognitivas avançadas (pensamento crítico, capacidade de questionar, trabalhar com incerteza, alfabetização científica e matemática, interpretar dados), passando pelas competências tecnológicas e digitais, ao incremento das competências socioemocionais. Destas, a autogestão emocional, a resiliência e adaptabilidade serão fulcrais.
Uma liderança ética em ambientes multidisciplinares assenta em literacia mediática e no combate à desinformação, promovendo a interculturalidade, a tolerância e a compreensão global.
As desigualdades no acesso à Educação são reais. E os números não enganam. Por um lado, assistimos ao crescente número de jovens inscritos no ensino superior e logo na primeira fase de candidaturas. Em 2025 foram cerca de 44 mil alunos, por outro o relatório da OCDE Higher Education in Portugal, divulgado em outubro, revelou que os jovens de agregados familiares mais desfavorecidos continuam a ter dificuldade em aceder ao ensino superior.
Em jeito de desejo de Natal, deixo algumas soluções estruturais e transformadoras: modernização profunda curricular com foco no digital, no pensamento crítico, na criatividade, na sustentabilidade e competências socio-emocionais; reforço do ensino tecnológico e profissional como via prestigiada e não de “2ª escolha”; formação contínua e especializada para professores e métodos de ensino orientados ao futuro; aproximação efetiva entre escola, empresas e comunidade através de programas de mentoria; bolseiros e trabalhadores-estudantes com maior flexibilidade de horários e apoios, para garantir igualdade de acesso e combater as desigualdades.
A aplicabilidade de soluções concretas e estruturadas, em Portugal, pode reduzir drasticamente as desigualdades sociais entre jovens, elevar a produtividade nacional pela qualificação tecnológica, criando uma geração mais preparada para os postos de trabalhos que ainda não existem. De brinde – ou não estivéssemos no tempo do Bolo Rei – poderemos ser uma referência europeia de inovação educativa, desenvolvendo talento com capacidade para competir globalmente.
Se juntarmos a tudo isto um desejo de Ano Novo, talvez seja altura de combatermos números como os que o Banco de Portugal revelou há umas semanas, nos quais dá nota que a taxa de emigração dos jovens portugueses entre os 25 e os 34 anos foi de 18,2% em 2021 contra os 13,5% em 2011. Poderíamos igualmente debater o conceito de “juventude” que foi “esticado” até aos 34 anos, mas, mais do que o mundo, a sociedade portuguesa mudou. E é preciso que as mudanças sejam estruturalmente positivas.
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