A rebeldia criativa: escolher nem sempre é excluir

  • Frederico Roquette
  • 12 Setembro 2024

Lá fora, a velha regra do não misturar marcas com opções políticas e sociais deixou de existir e o “querer agradar a todos” ou “ter medo de ferir suscetibilidades” é hoje um sinal de fraqueza.

As resoluções de “ano novo” também podem, para muitos, começar em setembro. Assim, em jeito de rentrée para a indústria e marcas, deixo um pouco de food for thought para os que revelam mais dúvidas sobre a ação em termos de movimentos e atitude social, com a crença que escolher, nem sempre é excluir.

Em todo mundo, as marcas estão cada vez mais a alinhar-se e a acompanhar os movimentos de mudança social na sua comunicação, desafiando o status quo e defendendo causas. Mas cá em Portugal, esta atitude ainda é levada a cabo com parcimónia, zelo e até algum receio, à exceção da repetida mensagem de esforço pela sustentabilidade e ESG que está numa fase clara de fadiga, até porque já não é só um “nice to have”: é um “must have”. Por vezes pecamos por excesso, deixamo-nos embrulhar em #trends mas não paramos efetivamente para pensar o que está a acontecer à nossa volta e que as trends… talvez já não sejam trends.

Pela Alfred, talvez por ter feito parte da administração da Image Partners Network, rede internacional de agências independentes, posso asseverar que, lá fora, a velha regra do não misturar marcas com opções políticas e sociais deixou de existir e o “querer agradar a todos” ou “ter medo de ferir suscetibilidades” é hoje um sinal de fraqueza, de falta de coragem e, acima de tudo, de atitude e cultura. Afinal, também as empresas e as marcas têm um papel enquanto transformadoras da sociedade para melhor e são uma poderosa plataforma de comunicação e sensibilização para inúmeros temas que persistem em ficar em “ângulo morto” apenas por medo.

Alinhar a criatividade da sua comunicação com movimentos sociais permite que as marcas se mostrem verdadeiras, autênticas e relevantes. Quando uma marca se posiciona sobre questões importantes, demonstra que está atenta ao mundo à sua volta e que partilha os valores do seu público-alvo criando ligações emocionais mais profundas com este. Claro que muitos poderão não concordar e cada caso é um caso, mas há poucas marcas que são construídas neste processo e, acima de tudo, esta torna-se um palco de discussão, de diálogo, de conversa. Não é este um propósito central das marcas? As pessoas tendem a apoiar muito mais marcas que refletem as suas preocupações e aspirações, resultando em maior lealdade e advocacia e, compensando as que possivelmente se afastam por discordar das mesmas. Mas, se o produto for bom (fator também primordial) elas regressam. A história já o provou. E também a história do século XXI já provou que uma marca inócua passa a ser apenas uma commodity, o pior que pode acontecer num mercado cada vez mais competitivo.

A verdade é que numa paisagem publicitária saturada, esta rebeldia criativa desafiante de apoiar ou acompanhar movimentos sociais vai-se destacar. Marcas que se associam a causas sociais, por exemplo, distinguem-se das que seguem abordagens mais tradicionais e seguras. Mas ninguém está a dizer que as marcas se têm de tornar populistas, radicais ou entrar em lutas em que não acreditam verdadeiramente. As marcas podem simplesmente tornar-se relevantes e fazer a diferença naquilo que encontrarão facilmente no seu propósito “não comercial”, um pilar estratégico que deve sempre ser contemplado em qualquer desenho de marca, pois atrai uma audiência visionária e progressista – quem dita as tendências.

Marcas como a Ben & Jerry’s com diversas iniciativas sociais sobre a justiça climática, igualdade racial, direitos LGBTQ+, entre outros; A Patagonia em constante luta pela sustentabilidade e conservação ambiental; A Dove com as suas campanhas “Real Beauty” sobre positividade corporal e autoestima; A Wells que trouxe a discussão da menopausa; O BNP Paribas que promove abertamente a diversidade e inclusão; A TOMS, popular pelas suas ações de responsabilidade social e filantropia; E a The Body Shop na luta pelos direitos dos animais, comércio justo e sustentabilidade, o IKEA a trazer os valores da reutilização com a “2ª vida” dos seus produtos – para além do humor em torno da política – são exemplos que podem ser claramente apontados.

Mas há uma marca absolutamente vencedora no seu olhar persistente da sociedade onde vive: A Nike e sua campanha, a “Dream Crazy” é exemplo disso – vejam o vídeo case que vale a pena. Ao apoiar Colin Kaepernick, uma figura controversa devido à sua posição sobre a injustiça racial, a Nike tomou uma posição ousada que ressoou profundamente com a sua audiência, reforçando a sua identidade como campeã da mudança social, encorajando todos aqueles que têm sonhos e objetivos loucos, que podem parecer insuperáveis, a não desistirem. Sim, houve pessoas a queimar os seus amados ténis, Trump fez um twitt a perguntar “o que lhes passou pela cabeça”, mas registou uma nação ressoante com esta campanha.

Histórica também é a campanha “Unhate” da Benetton: Um conjunto de imagens provocadoras de líderes mundiais a beijarem-se desafiou preconceitos e gerou conversas sobre tolerância e unidade global, destacando a Benetton como uma marca progressista, coisa que arriscou ainda nos anos 90, quando fez um anúncio de um padre e de uma freira a dar um beijo. Esta é aliás, uma atitude que a Benetton tem vindo a perder ao longo dos anos e com claro impacto para a notoriedade da marca.

Estas e todas as marcas são uma plataforma significativa de comunicação e, portanto, têm uma responsabilidade na promoção do progresso social. Ao alinhar-se com movimentos sociais, podem contribuir para mudanças positivas na sociedade, o que pode, por sua vez, gerar também um impacto benéfico na sua reputação e na do seu setor.

Alinhar a criatividade com movimentos sociais não é apenas uma estratégia de marketing eficaz, é cada vez mais uma abordagem necessária no mundo de hoje. Ao fazê-lo, as marcas não só se diferenciam, como também contribuem positivamente para a sociedade. Uma abordagem que fortalece a posição da marca no mercado e cria conexões emocionais mais fortes com os consumidores. Ou seja, a rebeldia criativa neste caso tem o poder de transformar positivamente as marcas, e a sociedade, em que escolher não é excluir: é incluir e bastante. Que venha essa rebeldia responsável na rentrée. Até lá, boas entradas (de setembro)!

  • Frederico Roquette
  • Fundador e diretor Criativo da Alfred

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

A rebeldia criativa: escolher nem sempre é excluir

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião