Alarguem o algoritmo

  • António Fuzeta da Ponte
  • 4 Junho 2025

Não basta negociar e pagar o espaço publicitário. As marcas devem interagir com os media, devem provocar o formato e exigir evoluções. E nesse esforço de exigência, vem o meu pedido aos media.

Não nasci num Portugal em liberdade, mas cresci livre. E cresci em democracia. Felizmente lembro-me disso muito poucas vezes. É bom sinal, já que é na escassez que valorizamos mais. E nem a liberdade nem a democracia são assim coisas que devamos sentir a falta, como sentimos da época dos caracóis ou das sardinhas. Nisso acho que estamos todos de acordo.

E no meu mundo, no mundo das marcas, não têm faltado liberdade nem democracia. Mas tanto as marcas como os media têm de estar atentos quanto a esta última, a democracia. Que não é uma obra acabada, nem perfeita. É algo que tem de se cuidar, somar, discutir, construir, tentar perpetuar.

Do lado das marcas, já algumas vezes referi: marcas responsáveis têm de cuidar da democracia. Fazem parte da democracia, alimentam-se da estabilidade que ela traz aos seus consumidores, precisam dum mercado regrado e regado a estabilidade, progresso e informação. Claro que há marcas e marcas, posicionamentos vários e algumas até podem ter a tentação de ser anti-sistema. Mas no essencial, brincar com a democracia e com as suas instituições dirá o povo que é como dar tiros nos pés. Um eventual tropeção pode sair muito caro.

Do lado dos media a questão parece-me bem mais complexa. Começo por não tirar já as marcas da conversa. Elas são parte integrante desta novela da democracia e dos media. Não há democracia saudável sem media saudáveis. E as marcas devem contribuir para essa boa saúde. Como investidoras, claro, mas também como parceiras. E um parceiro que se preze deve ser exigente. Deve exigir media isentos, com rigor na informação e qualidade no entretenimento. Não basta negociar e pagar o espaço publicitário. As marcas devem interagir com os media, devem provocar o formato e exigir evoluções.

E nesse esforço de exigência, vem o meu pedido aos media, um pedido que gostaria que as marcas se juntassem: alarguem-nos o algoritmo. Ajudem a alargar o algoritmo dos leitores, ouvintes, espectadores, consumidores. Um dos riscos da democracia é a espiral recessiva do algoritmo fechado em si mesmo. Estamos a ficar com consumidores demasiado centrados nos seus interesses, egocêntricos em informação e em consumo de estilo de vida.

Por isso peço aos media, nas redações e nas direções de programação, alarguem os interesses, aprofundem a informação, tragam para a frente as razões que suportam os factos e tragam transparência e fundamento aos temas.

Nos debates políticos, na informação em geral, ou na programação de entretenimento, procurem alargar-nos o algoritmo. Porque nós, como consumidores, andamos tão absorvidos pelo scroll infinito que na maior parte das vezes só o afunilamos.

Ficamos cada vez mais mono-temáticos, ou mono-argumento. Deixamos de questionar, só absorvemos. Ou seja, tornamo-nos fracos utilizadores da democracia, que precisa de interrogação e pluralidade para viver. E quem não a sabe usar, já se sabe, estraga.

Resumindo, marcas e media, a democracia está muito nas nossas mãos. Peso bom de sentir, não é?

  • António Fuzeta da Ponte
  • Diretor de marca e comunicação da Nos

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