Avaliar reflete a realidade ou é o reflexo do avaliador?
Abraçar o erro é importante e não repeti-lo é fundamental. Avaliar não é "dar na cabeça"; como dizemos internamente, "levar na touca". Avaliar é guiar, para que sejamos melhores como equipa.
Ambos. O importante é que seja equilibrado. Estamos a chegar a um dos momentos mais cruciais e, por vezes, mais temidos nas empresas: as avaliações. Só de pensar já me começa a tremer o olho. Não pelos resultados ou pelo meu empenho, não pela minha avaliação, mas pela dedicação e energia que exige, e principalmente pela responsabilidade de fazer o bem, bem feito. Estamos a falar de pessoas – das nossas pessoas – e a forma como transmitimos e recebemos feedback tem um impacto muito grande. Errar aqui pode causar estragos significativos.
Fomos educados a ver a avaliação como um julgamento, mas essa perspetiva nem sempre é a mais adequada. Avaliar pode ser encarado de forma distinta: como uma oportunidade de evolução e reconhecimento (que é como a vejo) ou como uma situação desconfortável onde o julgamento predomina. A definição do dicionário ajuda-nos a ver o copo meio cheio, pois destaca verbos positivos: “determinar o valor de”; “compreender”; “apreciar” e “prezar”. Não encontro aqui o verbo julgar.
Então tiremos o elefante na sala e deixemos o peso do julgamento. A Gestão de Desempenho é fundamental para apoiar o desenvolvimento profissional e promover a revisão contínua de competências e objetivos, alinhados com as metas das empresas. Este processo cria um espaço formal para feedback construtivo e permite que cada colaborador entenda claramente como o seu trabalho contribui para o sucesso organizacional – e isto é música para os nossos ouvidos. Ao promover o crescimento profissional, fortalecer os pontos fortes e identificar áreas de melhoria, asseguramos a máxima capitalização de oportunidades para o desenvolvimento e o alinhamento estratégico entre a empresa e os colaboradores. É um verdadeiro win-win.
Eu desempenho vários papéis neste processo: avalio-me, sou avaliada e avalio outros, por isso estão reunidas as condições que me asseguram legitimidade para falar desta iniciativa. Valorizo muito as avaliações e sinto uma enorme responsabilidade como avaliadora e uma grande curiosidade como avaliada.
Comecemos por onde me atribuo a nota mais baixa – a autoavaliação, por ser onde o meu desempenho mais deixa a desejar! É o mais difícil para mim, pois sou muito autocrítica e penso frequentemente que podia ter feito melhor (e podia, mas, como dizia o anúncio, não seria a mesma coisa). Depois, tenho dificuldade em falar sobre mim, exigir para mim, principalmente falar das coisas que faço bem, tenho dificuldade em lidar com o elogio. Aprecio, valorizo, mas a timidez consome-me. Estou a melhorar e bolas, tenho de me deixar desta #$%&rdas, fufus e gaitinhas.
A minha avaliação é-me muito importante para o meu crescimento. É um banho de consciência e a todos agradeço essa generosidade. Para além da minha avaliação hierárquica, promovo uma avaliação da equipa através de um questionário informal e opcional (embora assumo aqui que faço campanha para que o preencham!) e que pode ser anónimo. Esta prática tem sido a mais útil para o meu crescimento, pois permite-me identificar soluções para melhorar onde vejo oportunidade.
Depois, vem o processo de avaliar os outros, que me dá mais friozinho na barriga. Dedico-me profundamente às avaliações, investindo tempo, cuidado, energia e atenção a cada detalhe. Sinto a responsabilidade e o impacto que esta tarefa pode ter nas pessoas. Embora procure ser justa e fundamentada, deparo-me com o meu grilo falante a gritar-me ao ouvido (e com uma voz irritante!) – Estás a ser justa? Tens argumentos sólidos, tens métricas que fundamentam as tuas percepções? O estupor é desgastante, mas útil, porque me obriga a antecipar questões e a preparar respostas, reduzindo a carga de subjetividade.
Então, será que as avaliações de desempenho e de potencial refletem realmente a verdade sobre nós? Ou espelham, sobretudo, a visão e as expectativas do avaliador? A avaliação, quer seja autoavaliação ou avaliação externa, é inevitavelmente influenciada pela perspetiva individual de quem a faz. Aprendi, ao ser avaliada por diferentes líderes, que a proximidade com o avaliador condiciona o feedback: quem está mais próximo destaca forças e limitações, enquanto uma avaliação mais distante tende a focar-se nos resultados. Por isso, a diversidade de perspetivas é essencial para garantir uma análise mais equilibrada e fiel à realidade. A preparação é a chave para que façamos bem o nosso papel, tanto como avaliados como avaliadores. Não podemos controlar a forma como a mensagem é recebida, mas podemos garantir que a transmitimos de forma justa, clara e assertiva.
O segredo é cultivar um ambiente de feedback franco, o que é muito mais do que criar espaço para opiniões. Num ambiente onde a franqueza é bem-vinda, deve imperar uma cultura onde o feedback é dado de forma construtiva, estruturada e com regularidade, e não apenas nos momentos formais, por isso quando chegamos a estes não podemos ter presente o Factor Surpresa!
– Como assim, nunca me disseste isso?!
Não é uma reação que deva acontecer.
Muitas vezes, evitamos dar feedback para nos pouparmos ou evitarmos confrontos, mas essa decisão tem consequências a curto, médio e longo prazo. Não damos oportunidade às pessoas de entenderem o que podem melhorar e permitimos que continuem a cometer erros, o que não contribui para a sua evolução nem para a da equipa. É como deixar os filhos usarem o telemóvel no restaurante — sabemos que não é o ideal, mas facilita no momento. Contudo, amargaremos essa escolha mais tarde.
Abraçar o erro é importante e não repeti-lo é fundamental. Avaliar não é “dar na cabeça”; como dizemos internamente, “levar na touca”. Avaliar é guiar, para que sejamos melhores como equipa. É abrir os olhos através de uma partilha genuína, pois, como diria o Principezinho, “o essencial é invisível aos olhos”.
Recentemente, discutia com uma figura ilustre do marketing (que muito admiro e permitam-me manter-lhe o anonimato) uma perceção que partilhamos sobre a nossa cultura (e destaco perceção): sentimos que algumas pessoas tendem a reagir mal a críticas menos positivas sobre o seu desempenho, tomando-as como algo pessoal e não profissional. Sem dados concretos, sentimos que, ao receber uma nota ou reparo, muitos veem isso como um ataque pessoal. É por isso que acredito que, se formos mais regulares no feedback, todos beneficiam: as críticas deixam de ser vistas como ataques e a empresa torna-se mais ágil e coesa. Uma cultura que encoraje o erro como parte do processo de aprendizagem promove uma visão mais aberta e inovadora. O fracasso, se aceite é visto como uma lição, permite que todos compreendam que é possível arriscar e errar sem receio de represálias, desde que o objetivo seja a melhoria contínua. E, não, não devemos levar qualquer comentário, reparo ou feedback de melhoria como comentário pessoal. Não nos levemos tão a sério.
Dar e receber feedback exige uma comunicação hábil, que alinhe honestidade com empatia. A regularidade das avaliações permite aos líderes ajustar a comunicação a cada colaborador. Quando a relação é de confiança, o feedback é visto como uma ferramenta de crescimento. Integrar o feedback nos momentos de contacto frequente com a equipa aumenta a transparência e facilita o alinhamento de objetivos.
O ciclo de feedback não deve ser um momento isolado e formal, mas uma prática contínua de crescimento sustentado. Ao contrário do modelo tradicional, que era de cima para baixo, o cenário atual incentiva o feedback bidirecional. Um líder eficaz deve ser capaz de ouvir a equipa, incentivando o feedback construtivo para ele próprio. Este processo é essencial para promover o desenvolvimento pessoal e profissional e para calibrar o potencial de cada um, ajustando funções e responsabilidades sem recorrer unicamente a promoções verticais.
Sempre ouvi e tenho constatado que um bom consultor ou um bom Account não se torna necessariamente num bom Diretor ou um bom Diretor não será necessariamente um bom Diretor de Áreas e aí por diante. A promoção baseada apenas no desempenho atual pode levar ao “Princípio de Peter” – as pessoas são promovidas até atingirem o seu nível de incompetência.
Para evitar que o crescimento signifique estagnação ou insatisfação, é crucial ponderar se o colaborador possui as competências para os desafios do próximo nível. As promoções laterais ou a expansão de responsabilidades no mesmo cargo são alternativas válidas para reconhecer e reter talento, sem exigir uma progressão hierárquica.
Para tirar o melhor das avaliações, a equipa deve estar alinhada com a cultura de franqueza, e o feedback deve ser contínuo, construtivo e orientado para o crescimento. Esta prática permite que o líder deixe de ser a única voz a corrigir, promovendo uma cultura onde todos contribuem para a melhoria mútua. Quando o ambiente é transparente, a equipa atinge o seu máximo potencial e a organização torna-se dinâmica e resiliente.
Como diz Reed Hastings: “Um emprego deve ser algo que fazemos durante um período de tempo mágico, quando somos a melhor pessoa para o cargo e o cargo é o melhor para nós. Assim que deixamos de aprender ou de ter um desempenho de excelência, chegou a hora de dar lugar a outro e mudar para uma posição mais apropriada para nós.” Espero ter a capacidade de discernir quando me acontecer, aceitar e passar a bola com dignidade.
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