Como devem as marcas responder à década da desconstrução?

  • Rui Sales Rodrigues
  • 14 Março 2024

As marcas têm a oportunidade de criar relações mais próximas e personalizadas que potenciem produtos e serviços relevantes. Serão elas capazes de responder à década da desconstrução?

Depois da revolução na relação entre os consumidores e as marcas, como consequência dos acontecimentos dos últimos quatro anos no panorama internacional, o rápido avanço da tecnologia exerce agora um papel de destaque nas alterações do comportamento dos consumidores. É cada vez mais evidente a quebra com os hábitos e convenções que estavam enraizados entre os indivíduos e as mesmas. Entre as mudanças de crenças, estilos de vida e o impacto de novas tecnologias, são várias as certezas que se veem agora desconstruídas, pelo que importa perceber quais as tendências que vão ditar os comportamentos de consumo e de que modo estas influenciam a oferta e a relevância das marcas.

Se até aqui havia um caminho ou um conjunto de parâmetros e realizações que, de alguma forma, ditavam o curso das nossas vidas, deparamo-nos agora com necessidade ou oportunidade de questionar padrões convencionais que desafiam ideias antigas, que moldam novas formas de pensar, de agir e de viver. A título de exemplo, e segundo o estudo Life Trends da Accenture, metade dos consumidores estão a dar mais prioridade à estabilidade no emprego e à reforma do que ao casamento ou à obtenção de um diploma universitário. O planeamento a longo prazo deixou praticamente de ser considerado, priorizando-se uma visão a 12 meses.

O aumento do custo de vida teve também um impacto profundo, que traz uma nova visão acerca das preferências dos consumidores. Por outro lado, durante anos, a correlação entre a experiência do cliente e o crescimento das receitas inspirou as organizações a colocarem o consumidor no centro de todas as decisões. Agora, as considerações económicas estão a forçar cortes em todas as empresas, provocando fricção entre os clientes e as marcas em todos os canais – sob a forma de aumentos de preços, cortes de qualidade, subscrições ilógicas e mau serviço ao cliente – que se espelha numa sensação de desvalorização. De momento, a questão fundamental é a seguinte: Como é que as marcas mantêm os seus produtos ou serviços no “cesto” a longo prazo?

O recuperar da importância dada à experiência do cliente parece, desde logo, uma resposta óbvia, de modo a haver uma clara perceção sobre a abordagem que volta a centrar o consumidor como eixo principal de toda a marca. No contexto atual, marcado por diversas crises sociais e económicas, a lealdade de um consumidor face a uma determinada marca só será assegurada pela simbiose entre dois fatores relevantes: preço e valor. Uma jornada do cliente significativa e competente tornar-se-á, provavelmente, o fator mais crítico que define as relações com as marcas.

Numa outra perspetiva, as organizações devem estar preparadas para acompanhar uma das maiores revoluções tecnológicas, ditada pelo poder da Generative AI. Conhecida pela interface do Chat GPT – a Generative AI já está muito além de uma componente da indústria tecnológica. Cerca de 77% das pessoas encontram-se já familiarizadas com a IA conversacional, tendo-se tornado numa tecnologia com consciência cultural de massas.

E, se até aqui a opinião dos consumidores era pautada pela informação que encontravam disponível na internet, o impacto da Generative AI reforça o sentido de ligação e de pertença dos utilizadores a uma comunidade. A internet está a sofrer uma atualização bastante notória, passando de informativa para inteligente, com uma experiência de utilização mais pessoal e com uma interface quotidiana distinta. Esta atualização faz questionar sobre a velocidade com que irão mudar as expectativas destes utilizadores em relação ao modo como as marcas interagem, através da integração da IA Generativa, ou de que forma vão utilizá-la para moldarem produtos e serviços hiper-relevantes.

Nesta ótica, há ainda uma outra aposta crítica que se prende com os dados a que as marcas têm acesso para construir as suas estratégias e relação com os seus consumidores. Por exemplo, o simples facto de se saber que um cliente tem 64 anos, que é do género feminino e que vive numa determinada cidade nunca mais será suficiente para fazer previsões úteis. E, não nos enganemos: as expectativas das pessoas relativamente a ofertas personalizadas só vão aumentar.

O entretenimento e o conteúdo das marcas parecem ter perdido a sua vantagem, conduzindo a uma sensação de insipidez, pelo que haverá uma oportunidade de diferenciação por parte das marcas que apostarem na inovação e ousadia das suas comunicações, assegurando sempre o contributo humano para a criatividade.

E, aqui, a dosagem e o equilíbrio são palavras de ordem. Não se pode negar os muitos benefícios que a tecnologia tem tido, historicamente, para a humanidade. O acesso à informação, a comunicação instantânea e o entretenimento a pedido são apenas três dos exemplos mais recentes. Mas, com 47% das pessoas a nível mundial a dizer que a tecnologia está a avançar a um ritmo avassalador (em comparação com 19% que discordam), chegámos a um momento crítico na relação da nossa espécie com a tecnologia. Os consumidores estão a controlar melhor a sua utilização da tecnologia: um terço está a remover as notificações, um quinto está a impor limites ao tempo de utilização de ecrãs e um quarto está a remover completamente as aplicações e os dispositivos.

A relação entre as marcas e os seus consumidores já foi uma questão mais segura, baseada nas etapas da vida, comummente generalizadas. Agora, as marcas têm a oportunidade de criar relações mais próximas e personalizadas que potenciem produtos e serviços relevantes. Serão elas capazes de responder à década da desconstrução?

  • Rui Sales Rodrigues
  • Marketing & communications director da Accenture Portugal

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