Concursos: depois dos prós, os contras

  • Diogo Anahory
  • 26 Outubro 2023

Diz o Nuno que o pitch é “uma montra do nosso talento”. Eu diria que sim, mas é precisamente aqui que os concursos mais me doem. O nosso talento, precisamente por valer muito, não devia ser oferecido.

Há dias, o Nuno Cardoso, da Nossa, apresentou aqui alguns bons argumentos a favor da realização de concursos. Não querendo polarizar ainda mais o mundo em que vivemos – já bem basta o conflito israelo-palestiniano – deixo aqui uma outra perspetiva.

Diz o Nuno que um pitch é uma oportunidade de “demonstrar o nosso valor e entusiasmo”. Eu diria que sim, mas sempre com alguma encenação à mistura. Para ganhar concursos, as agências montam equipas formadas pelas suas melhores cabeças, que trabalham semanas a fio para impressionar os futuros clientes. No fundo, monta-se um “circo” que, na verdade, não traduz a realidade do dia-a-dia. No dia da apresentação, aparecem CEO, COO, CTO e mais uns quantos “O´s”. O cliente fica maravilhado com tamanho envolvimento e dedicação e escolhe a agência para os próximos anos. O problema é que, passados poucos dias, a equipa-maravilha desfaz-se (mesmo em caso de vitória), e volta-se ao business as usual, com campanhas a serem criadas por equipas mais juniores e com menos tempo para as fazer. Já todos ouvimos estórias de clientes que, pouco tempo depois de iniciarem uma relação com uma nova agência, deixam soltar um singelo “não foi bem isto que eu comprei”.

Diz o Nuno que somos desafiados a “condensar a nossa visão, estratégia e criatividade num período limitado”. Eu diria que sim, mas na grande maioria das vezes, tudo não passa de um mero exercício. O cliente, mais do que avaliar as ideias criativas, vai avaliar a “dinâmica” da agência e o nível de envolvimento no concurso. Dinâmica e envolvimento esses que, relembro, foram criadas a pensar no pitch e não numa relação futura. Não será mais justo avaliar uma agência pelo trabalho que fez no passado? Não é assim que escolhemos os médicos e os advogados? Eu também gostava, sempre que me sentisse mal, de ir à CUF, à Luz e aos Lusíadas e apresentar os meus sintomas. E depois de fazer todos os exames (grátis, é claro) nas três unidades de saúde e de ouvir os respetivos diagnósticos, decidia então com a qual avançar para o tratamento.

Diz o Nuno que somos forçados a “compreender profundamente as necessidades do cliente”. Eu diria que sim, mas será mesmo possível fazê-lo em três semanas, com base apenas num briefing e numa conversa de hora e meia? Uma relação agência criativa / cliente é mais uma maratona e menos um sprint de 100 metros. Só uma relação mais intensa (e longa) permite conhecer verdadeiramente as marcas e os desafios que elas enfrentam. Não deve ser por acaso que uma grande quantidade de campanhas vencedoras de concursos acaba por nunca ver a luz do dia. O envolvimento e a dinâmica da agência estavam lá, mas a resposta ao briefing foi apenas um exercício intelectual e de estilo, ou por outras palavras, um “tiro ao lado”.

Diz o Nuno que o pitch é “uma montra do nosso talento”. Eu diria que sim, mas é precisamente aqui que os concursos mais me doem. O nosso talento, precisamente por valer muito, não devia ser oferecido. Ao aceitar participar em concursos não remunerados, não estaremos a desvalorizar o nosso trabalho? Não estaremos a passar a mensagem de que é fácil ter ideias e de que nos é indiferente que elas possam ir parar à gaveta? Uma boa ideia pode criar, impulsionar, fortalecer ou mesmo salvar um negócio. Pode haver “um antes e um depois” de uma grande ideia. Oferecê-las é, de alguma forma, retirar-lhes valor, é menosprezar a importância e o contributo que podem ter na construção das marcas. “Oferecer ideias” é obviamente uma força de expressão, porque como todos sabemos, não há almoços grátis: no caso dos concursos, quem paga as horas gastas a criar campanhas que depois vão para o lixo são os atuais clientes das agências. São precisamente os seus fees que permitem formar as tais super-equipas que participam nos concursos de outras contas, muitas vezes prejudicando o nível de criatividade e de serviço a que estavam habituados.

Por último, diz o Nuno que “muitas relações duradouras começaram exatamente num new business.” Eu diria que sim, da mesma forma que muitos casamentos começaram com um flirt. Mas serão os concursos, tal como os conhecemos, a melhor forma de iniciar uma relação franca, consistente e duradoura? Numa época em que a palavra “sustentabilidade” está na ordem do dia, não haverá outras formas de “ouvir o mercado” – expressão que me causa alguma urticária – que impliquem menos desperdício de recursos?

Eu diria que sim.

  • Diogo Anahory
  • Cofundador e diretor criativo da DJ

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