Digital, mas não tanto… E quem vai ocupar o restante espaço?

  • Vasco Perestrelo
  • 3 Novembro 2023

Com uma sociedade a querer reajustar a dependência do digital, mas a avançar para uma era de IA, vamos reduzir essa omnipresença? E que meios poderão beneficiar desse efeito, mesmo que ligeiro?

É verdade que vivemos, nos dias que correm, num mundo cada vez mais digital. O meio mais presente na nossa vida é o telemóvel e, embora continuem a existir outros media – jornais, televisões, rádio, out-of-home (OOH) ou publicidade exterior – a verdade é que já “usamos” muitos deles com o telemóvel presente. E, muitas vezes, já não é só em segundo, mas até em primeiro plano.

Esta tendência está refletida em números. Ora vejamos: há 23 anos, em 2000, o share of voice dos media em termos mundiais – a quota de cada tipo de meio em todo o investimento publicitário realizado – era dominado pela televisão, com cerca de 45%, seguindo-se jornais, revistas, rádio e OOH com 22%, 12%, 8% e 5%, respetivamente.

O meio digital – a internet – tinha apenas 2% do investimento total.

Em 2022, o digital tem 56% (!!), seguido da televisão (24%) e do OOH com 6%. Todos os outros meios já estão abaixo de 5%.

O digital ganhou share de forma totalmente abrupta, criando disrupções a todos os níveis. Só que, enquanto há 23 anos, o share de 45% de televisão era dividido por milhares de canais de todo o mundo, este share (maior) de 56% do digital em 2022 é “controlado” por meia dúzia de players: Google, Facebook, Amazon – e, se contarmos com os “chineses”, a Tencent, a Baidu e o WeChat.

Como sempre acontece com tudo o que surge abruptamente, estamos uma numa fase de reajustamento deste equilíbrio. As sociedades desenvolvidas, conscientes dos vários efeitos negativos diretos e indiretos que resultam do uso excessivo do digital – e do telemóvel em particular –, começam a procurar formas de atenuar esta dependência.

Embora ninguém saiba muito bem como concretizar esse reajustamento, parece óbvio que algo se terá de fazer, sob pena deste efeito – e das suas consequências – poder ser ainda maior com a entrada em cena da inteligência artificial.

Mas esta “preocupação” com a “dependência” do digital também acontece com os media. Os anunciantes começam a perceber que, embora o digital tenha benefícios óbvios e irrecusáveis, a sua utilização – e os respetivos benefícios – é manifestamente exagerada.

Sendo inquestionável que o digital favorece tudo o que necessita de resultados imediatos, não resolve o principal problema ou desafio de um produto ou marca: a criação de valor de marca (brand equity) que o distingue dos seus concorrentes a médio prazo. Para o conseguir, uma marca necessita, inevitavelmente, de outros meios de comunicação, para além do digital. E as marcas começam a perceber isto.

E depois existe o tema da transparência. Anunciantes, agências e meios desde sempre se esforçaram para evoluir no disclosure da diferença entre o que um anunciante paga e o que realmente “chega” ao meio, com as devidas justificações do valor que fica no caminho, cobrado por intermediários.

Ora, no mundo digital, estes “checks&ballences” tornaram-se ainda mais difíceis. A complexidade da cadeia de valor algorítmica é de tal ordem que parece virtualmente impossível saber realmente tudo o que se passa.

Um estudo recente referia que entre 40 a 70% do valor investido no digital, não chega ao meio ou output final. A verdade é que, hoje, os anunciantes estão preocupados e querem ajustar a forma como utilizam este suporte no enquadramento do planeamento de meios.

Se olharmos mais cuidadosamente para a evolução dos últimos anos, vemos que a taxa de crescimento já começa a estabilizar.

Porém, se pode ser verdade que a “febre” do digital começa a ser posta em causa e isto pode ter um efeito no seu share no plano de meios dos anunciantes, a grande questão é que outros meios podem e devem ocupar esse espaço e ganhar quota? Não me parece que os meios chamados “tradicionais” tenham capacidade de o fazer. Será que podem reinventar-se?

Com exceção do OOH, que apenas por manter a sua audiência “cativa” – unskippable – mantém o valor relativo, todos estes meios estão a perder audiência de forma intensa e, consequentemente, também o valor relativo.

Não me parece que, mesmo que a sociedade exija menos digital, o equilíbrio possa vir dos meios “tradicionais”. Será que poderão reinventar-se como acontece com a rádio e o OOH, por exemplo? Ou serão substituídos por outros novos meios?

Para concluir, surgem duas grandes questões para as quais não existe ainda resposta.

Em primeiro lugar, será que, mesmo com uma sociedade mais consciente e a querer reajustar a dependência do digital, mas que em simultâneo avança para uma era de Inteligência Artificial (IA), vamos conseguir reduzir a sua omnipresença?

Last but not least, quais serão os meios – novos ou tradicionais – que poderão beneficiar desse efeito, mesmo que ligeiro? E quem ocupará esse espaço?

  • Vasco Perestrelo
  • CEO da MOP

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