Está um ‘webelefante’ na sala
O que estas empresas consideraram tão grave para terem tomado uma posição que potencialmente as poderia expor e associá-las a um conflito? E porque é que não verbalizaram?
Sinto que está um ‘webelefante’ na sala e não o quero ignorar. Bem sei que já muito se falou sobre o caso de Paddy Cosgrave. Alguns colegas aproveitaram (e bem) para lembrar que este é um exemplo de como as Relações Públicas são importantes; como uma opinião pessoal pode ter consequências corporativas; e como o planeamento e a antecipação de crises podem ser fundamentais na gestão de momentos como o que levou à demissão do fundador da Web Summit. Mas este caso é diferente e não estaremos a ser sérios se não o analisarmos.
Comecemos por lembrar o tweet de Cosgrave: “Estou impressionado com a retórica e as ações de tantos líderes e governos ocidentais, com a exceção particular do Governo da Irlanda, que pela primeira vez está a fazer a coisa certa. Os crimes de guerra são crimes de guerra mesmo quando cometidos por aliados, e devem ser denunciados pelo que são”.
Para quem faz análise de conteúdo, esta curta declaração é muito rica e ainda mais complexa. Comecemos pela discussão sobre linha que separa a opinião pessoal de alguém e a opinião corporativa do porta-voz de uma marca. Como Paddy usava a rede social como plataforma de comunicação do evento, essa questão morre aqui. Cosgrave devia saber que o que diz pode ter consequências para a marca que representa.
Analisemos agora a mensagem. Teoricamente a falha do ex-CEO da Web Summit foi não ter repudiado o ataque do Hamas ou não ter feito uma referência às vítimas Israelitas, podendo por isso ser acusado de falta de empatia com quem sofreu os acontecimentos trágicos de 7 de outubro. Aliás, foi isso mesmo que referiu o embaixador de Israel em Portugal, Dor Shapira. Ao fazer a minha pesquisa para escrever este artigo, li que Cosgrave já antes escrevera tweets a condenar os ataques do Hamas. Mas este é o poder da comunicação. Uma omissão, uma palavra a mais ou uma palavra a menos e o resto já sabemos.
Mas a parte que mais me interessa é mesmo a reação às palavras de Paddy Cosgrave. Entendo que o Governo de Israel, os seus reponsáveis diplomáticos e qualquer Israelita, se possa sentir ofendido pela omissão – legitimando até uma leitura emocional anti-Israel. Mas fiquei curioso sobre a justificação das empresas que anunciaram incondicionalmente a sua saída da Web Summit. A minha curiosidade não é ingenuidade, porque conheço as várias teorias. No entanto, ao dizerem apenas “a decisão que está tomada é a que foi comunicada”, estas empresas assumem o risco das teorias conspirativas ou pelo menos da interpretação sob a sua posição no conflito. Repito: o risco, porque não assumiram.
A verdade é que este caso é fascinante porque trabalhando nesta indústria, vemos as marcas serem escrutinadas publicamente por tantas coisas, do greenwashing às práticas de Recursos Humanos, e sobre este caso temos que pesquisar muito para encontrar quase nada.
Qual será a justificação? O que estas empresas consideraram tão grave para terem tomado uma posição que potencialmente as poderia expor e associá-las a um conflito? E porque é que não verbalizaram – se for esse o caso – que as palavras de Cosgrave foram ofensivas e extremistas, como descreveu o embaixador de Israel?
Tudo me interessa neste caso: a justificação oficial das empresas, que até agora não vi, uma aceitação tácita que as palavras do ex-CEO da Web Summit justificam o êxodo e até o facto do abandono destas empresas não ter gerado maior dúvida e debate.
A intervenção ou tomada de posição de marcas em contextos de conflito e em causas sociais não é nova e parece ser cada vez mais exigida pelos consumidores. Um estudo da Sprout Social revelou que 70% (!) dos consumidores acreditam que é importante que as marcas tomem posição pública sobre questões sociais e políticas. Isso mesmo foi comprovado pelo estudo sobre a campanha da Nike, aquando da morte de George Floyd, que constatou que os consumidores com idades entre 16 e 49 anos considerou o anúncio mais empoderador do que 98% do que todos os outros anúncios. Ou a campanha do Airbnb para alojar refugiados ucranianos. Ou as já habituais e corajosas intervenções da Ben&Jerry’s defendendo a igualdade de género, os direitos LGBTQ+, a luta contra a pobreza entre outros. Finalmente, quando foi a invasão da Ucrânia, vimos imensas marcas a abandonarem a Rússia por proteção do negócio, mas também alinhando com as sanções internacionais e o repúdio pela hostilidade do regime de Putin.
Não foi o que aconteceu neste caso. Não há uma posição pública nem sobre o conflito nem de repúdio às palavras de Cosgrave que, excluindo a crítica à “inação dos governos ocidentais”, não são tão diferentes assim das declarações do Secretário-geral da ONU, António Guterres.
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