Foram “resmas” de fake news!

  • Joana Garoupa
  • 12:09

Num episódio como este, onde a eletricidade desaparece mas a ansiedade se multiplica, a comunicação torna-se tão essencial quanto a própria energia. E aqui, o sistema falhou redondamente.

Na manhã ensolarada de 28 de abril, a Península Ibérica acordou virada do avesso. Portugal e Espanha, com os seus céus limpos e as renováveis a bombar energia como nunca, ficaram sem eletricidade. Milhões de pessoas, de norte a sul, viram-se sem luz, sem rede, sem semáforos e, nalguns casos, até sem paciência. Mas, mais do que um colapso elétrico, assistimos a um espelho do que somos, do que tememos e, acima de tudo, das nossas debilidades.

Comecemos pelo cenário: eram 11h30 da manhã, o sol brilhava, o vento soprava e as barragens estavam cheias. Do ponto de vista da produção elétrica, o sistema estava cheio de energia. O problema não esteve, como alguns apressadamente sugeriram, na ausência de centrais a carvão ou na falta de um reator nuclear em Badajoz. O problema esteve na infraestrutura por onde a energia circula: as redes elétricas.

Porque, sejamos sinceros: mesmo que Sines ou Pego ainda estivessem a queimar carvão, não teriam evitado o que se passou. Nem sequer teriam conseguido ajudar depois do colapso, porque não tinham capacidade de black start, ou seja, de reiniciar a rede de forma autónoma. São centrais do passado, num mundo que caminha para um futuro bem diferente. E, como alguém me disse em tempos, a solução para evitar acidentes de carro não é voltar aos cavalos.

Mas voltemos à sociedade. Quando as luzes se apagam, as pessoas reagem. E como reagem! Num ápice, supermercados viraram campos de batalha com lutas pelo último pacote de massa e as bombas de gasolina encheram-se de carros com condutores em modo “fim do mundo”. Este comportamento diz muito sobre o nosso medo coletivo do caos e a falta de confiança no sistema — e talvez também diga algo sobre o nosso gosto peculiar por dramatizar um bocadinho. Por outro lado, também vimos o melhor: vizinhos que partilharam velas, amigos que deram boleia quando os transportes pararam, cafés que distribuíram água e pão a quem esperava. Porque, em Portugal (e em Espanha também), ainda há muito de comunidade na forma como enfrentamos o inesperado.

Num episódio como este, onde a eletricidade desaparece mas a ansiedade se multiplica, a comunicação torna-se tão essencial quanto a própria energia. E aqui, o sistema falhou redondamente. Durante várias horas, o silêncio institucional foi absoluto. As entidades responsáveis demoraram a informar, a acalmar e — sobretudo — a explicar. E onde há silêncio, entram em cena as fake news. Bastaram alguns minutos sem luz para que as redes sociais se enchessem de teorias mirabolantes: desde ciberataques russos até sabotagens energéticas por parte de potências rivais. E, claro, não faltaram os suspeitos do costume: “a culpa é das renováveis”, diziam muitos, com ar de especialista.

Mas há mais: em Espanha, o apagão foi elétrico — mas não foi total. A rede móvel e a internet mantiveram-se operacionais em muitas zonas. Em Portugal, não. Telemóveis ficaram sem rede. Internet, zero. Plataformas de emergência ficaram inoperacionais em vários locais. Depois houve a água. Em zonas urbanas como Lisboa, o abastecimento colapsou parcialmente. Sem energia, sem bombagem. Abria-se a torneira e… nada. E se ainda não percebemos o quão vulnerável o nosso sistema é, então não sei que mais precisa de falhar para abrirmos os olhos.

E o mais desconcertante foi o dia seguinte. A minimização do episódio é quase surreal. “Foi só um apagão”, disseram alguns. “Durou pouco”, disseram outros. Como se desligar um país durante 10 horas, cortar comunicações e água, e deixar milhões às cegas fosse um exercício normal de gestão de energia.

O que precisamos é de redes elétricas inteligentes, digitalizadas, automatizadas. Com capacidade de resposta rápida, flexível e distribuída. Não é de carvão ou de nostalgia energética que o sistema precisa. Precisa de baterias, de armazenamento, de inteligência artificial a gerir fluxos e prever picos. Precisa de regras simples, abertas à inovação. E de operadores e reguladores que comuniquem com clareza e verdade.

Porque a verdade é esta: as renováveis não falharam. O que falhou foi o sistema onde estão inseridas — um sistema ainda preso a modelos antigos, pouco resiliente, mal preparado e pior ainda comunicado.

  • Joana Garoupa
  • Fundadora Garoupa Inc

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