Gémeos digitais, dilemas reais

Num tempo em que as marcas se esforçam por parecer mais humanas, imperfeitas e reais, que leitura fará o consumidor ao descobrir que a imagem que o atraiu foi gerada por IA?

A H&M anunciou recentemente que irá utilizar gémeos digitais de 30 modelos reais nas suas campanhas. Criados com inteligência artificial, estes gémeos são réplicas visuais hiper-realistas que podem ser usadas em imagens e vídeos sem que o modelo original esteja presente fisicamente.

As réplicas poderão surgir em catálogos, redes sociais e sites de e-commerce — com expressões, cenários e poses que os modelos nunca fizeram. Vilma Sjöberg, uma das envolvidas, resumiu o paradoxo: “É emocionante e inquietante. É uma imagem minha, mas que não sou eu.”

À primeira vista, parece apenas eficiência. Mas, mais do que isso, é o sinal de uma nova era no marketing: mais ágil, mais modular, mais escalável. E com novos desafios éticos e criativos.

A imagem criada por IA levanta perguntas estruturais: como se protege a integridade do representado? Como é que as marcas podem usar esta ferramenta sem perder a verdade que constrói confiança?

Esta camada, mais profunda, não pode ser ignorada: a autenticidade.

Num tempo em que as marcas se esforçam por parecer mais humanas, imperfeitas e reais, que leitura fará o consumidor ao descobrir que a imagem que o atraiu foi gerada por IA? No caso dos gémeos digitais, a ligação ao real ainda existe — a pessoa existe, deu a imagem e deu o consentimento. Mas e quando as imagens forem 100% sintéticas? Quando os rostos não tiverem história, nem contexto, nem identidade?

Num ecossistema onde a perceção vale tanto (ou mais) como a realidade, essa dúvida pode corroer lentamente o valor da marca.

Há ainda uma tensão latente entre substituição e transformação, entre destruição de funções e reconversão de competências.

Segundo o sindicato britânico Bectu, 54% dos profissionais da indústria criativa acreditam que a IA terá um impacto negativo na moda, particularmente no trabalho de maquilhadores, fotógrafos e stylists. Nova Iorque, antecipando o risco, aprovou legislação que exige consentimento escrito para o uso de gémeos digitais. A H&M foi mais longe: os modelos terão propriedade sobre os seus avatares, podendo até licenciá-los a outras marcas.

Ao mesmo tempo, há uma enorme oportunidade para que os profissionais de produção se reinventem: a tecnologia não tem de excluir ninguém. Uma imagem gerada por IA pode não precisar de uma câmara, mas precisa de quem domine luz, ângulo, intenção, estética, detalhe.

A IA pode ser uma aliada poderosa para quem está disposto a reaprender.

Uma fotógrafa que domina composição dirige agora prompts, não apenas lentes. Um stylist que conhece texturas pode criar, ajustar e afinar renderizações virtuais. O que muda não é o talento, é o meio.

No final do dia, não vendemos imagens — vendemos a história que elas contam.

Mesmo quando já não é feita de carne e osso.

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