
Hey, Why?
Se aplaudimos bilionários que profanam ideias e as vendem ao mundo, qual é o espanto se qualquer Tozé usa o ChatGPT4.5 para copiar uma trend e sentir que a obra é sua? Nada de novo.
Artificial inteligence. Êi-uai, em nordestino do Brasil. A-i, em português de Portugal. Hoje, sempre que se fala de AI, só dá vontade de perguntar “Hey, why?” Why the hell, o que é isto? É isso mesmo: Hell.
Vivemos numa roda viva de novas ferramentas à mão que não deveriam ser mais do que isso: ferramentas. E de repente, nas nossas redes sociais, somos todos retratos do mestre criador do Studio Ghibli, Hayao Miyazaki: quem ainda não fez o seu portrait com este estilo levante o dedo.
Isso, esse mesmo dedinho que clicou no “send prompt” ou no “ask anything”. A verdade é que ninguém perguntou ao autor de 84 anos se se poderia copiar o seu estilo e distribuir pelo mundo inteiro, reduzindo a obra de quatro décadas de estudo profundo de movimento, luz e estilo a um filtro de Snapchat ou um prompt de ChatGPT4.5. Isto é o diabo a quatro — ponto cinco, vá. Ou prompt, para os amigos.
Ao desenvolvermos um estilo único e deixá-lo bem à solta na internet, estamos a oferecer tudo de bandeja aos motores de inteligência artificial para que se apropriem sem dó nem piedade, de forma a que toda a gente chegue mais rápido à partilha de uma qualquer coisa que acabou de aparecer. Pois é, o FOMO toma conta de cada um de nós, nesta cavalgada pelo partilhar primeiro, e chegar primeiro a lado nenhum.
No fim, fica a sensação de profanação absoluta, como se fôssemos à igreja mais próxima retirar o Cristo do altar e levá-lo para casa, para mostrar aos amigos reivindicando a autoria, de cerveja na mão:
“Fica bem aqui no sideboard, não fica? Fui eu que fiz, tinha ali na garagem uns restos de alabastro, pau-santo, marfim e folha de ouro. E olha, fiz esta peça.”
“Amen, bravo, Tozé. Acho que vou já fazer o mesmo.”
E num ápice, todos os cristos de igreja desapareceram. Não para o éter, mas para a casa de cada um de nós.
Sem a inteligência humana, o que teria a inteligência artificial para copiar? Nada. Zero. Bola. Não teria matéria-prima, nem relevância, mas num mundo que vive ávido de relevância imediata, urge repensar as leis do direito autoral no contexto global.
Este efeito borboleta perverso pode muito bem ser o fim da humanidade e da sua capacidade de criar, utilizando o cérebro e a mão. A esquerda ou a direita ou ambas: a frase do congressista Cory Brooker no final das suas 25 horas de críticas às políticas de Trump, aplica-se perfeitamente ao que estamos a viver nesta sociedade da cópia descarada:
“This is a moral moment. It’s not left or right. It’s right or wrong.”
Se aplaudimos bilionários que profanam ideias e as vendem ao mundo, qual é o espanto se qualquer Tozé usa o ChatGPT4.5 para copiar uma trend e sentir que a obra é sua? Nada de novo. Mas que perda de tempo, este texto.
E viva a Inteligência Artificial. Viva.
E neste minuto e meio de leitura, já sacou o seu retrato equestre para o LinkedIn como Napoleão Bonaparte, num estilo exatamente igual ao do próprio Jacques-Louis David?
Quando cairmos deste cavalo veloz sem puro sangue, seremos operados às ancas pelos mesmos médicos que estudaram medicina online e apresentaram as suas teses feitas no ChatGPT.
E então, então? Já sacou? Ou será que saqueou?
Hey, Why?
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