
Jornadas de consumo na era digital: as marcas não controlam a jornada, mas podem fazer parte dela
As marcas que vencem são as que entendem que não precisam de guiar o consumidor - precisam de caminhar com ele. E esse caminho é feito de presença, consistência, empatia e dados.
Durante muito tempo, imaginámos que a jornada de consumo seguia um roteiro previsível: o consumidor via um anúncio, pesquisava no Google, visitava o site da marca e acabava por comprar. Mas a realidade atual é bem diferente. A jornada deixou de ser linear, passou a ser imprevisível, confusa e, acima de tudo, única para cada pessoa.
E é nesse caos que se decide quem fica no coração do consumidor — e quem é esquecido. A Google chamou-lhe o messy middle, e nós gostamos da expressão. Porque é real, é desafiadora e, sim, é aí mesmo que as marcas mais relevantes se destacam.
A velha lógica da jornada linear — anúncio, pesquisa, site, compra — já não é suficiente. Hoje, os caminhos são inúmeros: alguns começam no Google, outros no TikTok, na Amazon, outros num comentário deixado num fórum há meses. Há quem veja um vídeo de um influenciador e só meses depois se lembre da marca. Nenhuma jornada é igual. Nenhum consumidor segue um guião.
Se há algo que podemos afirmar com segurança, é que a decisão de compra começa, quase sempre, online. E que, quando isso acontece, o consumidor já chega com uma ideia formada sobre a marca, mesmo que ainda não o saiba. A perceção é construída muito antes de existir uma necessidade concreta — e é aqui que a comunicação desempenha um papel fundamental.
Mas se as marcas já não controlam a jornada, podem — e devem — fazer parte dela. E para isso precisam de aceitar três verdades fundamentais:
- Estar presente antes da procura
O impacto começa quando ainda ninguém está à procura. Quando o consumidor entra numa fase ativa de pesquisa, já tem perceções formadas. Já há marcas que considera e outras que ignora, mesmo que inconscientemente. Esse “pré-trabalho” acontece com conteúdos em vídeo, influenciadores, reviews espontâneas, memes, stories. As marcas que investem na construção de perceção antes do trigger da necessidade são as que entram na shortlist sem esforço.
- Ser útil durante a confusão
No tal messy middle, o consumidor salta entre canais, plataformas, reviews, comparações e opiniões. É aqui que a marca deve facilitar, não complicar. Deve aparecer nas pesquisas, estar bem posicionada nos marketplaces, ter conteúdo relevante nos seus canais, criar conteúdo nativo (User Generated Content), estar presente nos comparadores, e dar respostas rápidas. Tudo o que contribua para reduzir atrito e aumentar confiança faz diferença. A presença tem de ser always-on — porque não sabemos quando o consumidor vai decidir.
- Garantir um ecossistema omnicanal.
O consumidor de hoje move-se livremente entre canais. Pode pesquisar online e comprar numa loja física, visitar uma loja para experimentar um produto e depois finalizar a compra no site, ou optar por levantar em loja depois de comprar online. O omnicanal já não é uma opção estratégica — é uma expectativa básica. E qualquer fricção pode significar a perda da venda.
A decisão pode acontecer no site, na loja física ou numa app. E não interessa onde — interessa que funcione, de forma simples, rápida e integrada. O consumidor espera poder alternar entre canais sem sentir que está a “mudar de canal”. Quer fluidez. Quer pesquisar num dispositivo e continuar noutro. Quer consistência de preço, de informação e de experiência. As marcas têm, por isso, de garantir que todos os pontos de contacto funcionam de forma articulada — e que o ecossistema digital e físico está oleado para responder a qualquer comportamento, em qualquer momento. As marcas que não têm um ecossistema bem oleado não perdem só vendas — perdem relevância.
Como exemplo destas três verdades, podemos olhar para o setor automóvel ou para o retalho.
A complexidade da jornada do setor auto aumentou significativamente. Se antes íamos ao stand, ouvíamos a opinião do vendedor, falávamos com amigos e tomávamos uma decisão, agora a complexidade mudou. Primeiro, a perceção de marca foi construída muito antes de sentirmos necessidade de trocar de carro. Quando essa necessidade surge, começa uma maratona de comparação online: vídeos, fóruns, tabelas comparativas, especialistas, IA. Tudo está ao alcance de um clique. Só depois de uma shortlist definida é que o consumidor marca um test drive ou pede uma proposta. E mesmo esse passo pode ser feito digitalmente.
No retalho, o cenário repete-se. Cada pessoa segue um percurso diferente — e nenhuma marca pode adivinhar qual será. O que pode (e deve) fazer é garantir que todos os caminhos possíveis estão preparados. Que o site funciona, que os pontos de venda têm informação, que o atendimento é rápido, que os canais de contacto respondem. Porque cada etapa da jornada é uma oportunidade — mas também um possível ponto de desistência.
Sim, o comportamento do consumidor mudou. Hoje, as pessoas só consomem o que querem. Ignoram anúncios, rejeitam interrupções, bloqueiam o que não lhes interessa. Os algoritmos reforçam essa lógica, favorecendo conteúdos autênticos e nativos — especialmente os criados por utilizadores. E as gerações mais novas não querem ser convencidas; querem ver provas reais, histórias com que se identifiquem, experiências espontâneas.
Neste novo contexto, não basta comunicar. É preciso participar. Não basta estar. É preciso acrescentar. E aqui entra a inteligência artificial — não como ameaça, mas como aliada.
A IA veio acelerar e enriquecer a tomada de decisão. Hoje, o consumidor pode comparar produtos em segundos, pedir resumos de reviews, criar listas de vantagens e desvantagens, simular cenários. As marcas inteligentes percebem que este novo comportamento exige clareza, organização e presença constante. Mais do que nunca, os conteúdos têm de ser estruturados, relevantes, pesquisáveis. E a IA, quando bem usada, ajuda-nos a interpretar sinais, identificar padrões e otimizar a presença em tempo real.
É por isso que, neste novo cenário, não nos podemos limitar a observar — temos que surfar esta realidade todos os dias. É importante compreendemos as dinâmicas do digital, deixar de tentar controlar o caminho e passar a focar-nos em como melhor acompanhar o consumidor, fazendo uso de Algoritmos e inteligência artificial que nos ajudem a otimizar campanhas, apresentar anúncios e encontrar as pessoas certas no momento certo.
As marcas que vencem são as que entendem que não precisam de guiar o consumidor — precisam de caminhar com ele. E esse caminho é feito de presença, consistência, empatia e dados.
E se a jornada já não pode ser controlada, o papel das marcas é estar atentas, presentes e disponíveis. Não se trata de desenhar o caminho ideal para o consumidor. Trata-se de compreender que existem dezenas de caminhos possíveis — e que a marca tem de conseguir acompanhar todos eles.
Na era do messy middle, quem conseguir simplificar a experiência, acrescentar valor e ser relevante ao longo do percurso ganha. E isso só se faz com consistência, com presença contínua, com estratégias de comunicação que passam pela media, pelos canais próprios e por uma boa dose de automação.
A jornada é do consumidor. Mas a responsabilidade de estar lá — no momento certo, com a mensagem certa — é das marcas.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Jornadas de consumo na era digital: as marcas não controlam a jornada, mas podem fazer parte dela
{{ noCommentsLabel }}