Lobbying pela transparência
O pano de fundo deverá ser um compromisso com a transparência, o fim da opacidade, a promoção do bem-estar coletivo e a integridade da nossa democracia.
Há palavras malditas e de má reputação. Nem o facto histórico de terem sido dois conservadores a criar o primeiro seguro social e o primeiro subsídio de desemprego – Bismarck e Churchill -, faz com que a palavra ‘conservador’ tenha, popularmente, um entendimento correto na Europa continental. É, deste lado do Canal da Mancha, uma palavra de má reputação, sinónimo de atraso e retrocesso, distante do significado autêntico que tem no Reino Unido.
Outra palavra de má reputação é ‘lobbying’ frequentemente associada a interesses ilegítimos, obscuros e torpes de empresas ou grupos de interesse. Um ‘lobista’ é frequentemente associado a um comissionista, a pessoas que fazem uso de conhecimentos, de relações e de acessos de forma ilegítima, adulterada e muitas vezes penalmente censurável.
Na realidade, o lobbying, parte integrante dos Public Affairs, é uma prática comum em democracias modernas, onde grupos de interesse procuram influenciar o processo de tomada de decisão política e legislativa. Embora seja uma atividade legítima, a sua falta de regulamentação leva fatalmente à opacidade, tendo algumas vezes como consequência o favorecimento indevido. Portugal, assim como outros países europeus, enfrenta o desafio de criar um ambiente mais transparente e equitativo para quem exerce os Public Affairs, visando combater a corrupção e promover uma participação, e uma cidadania, mais informadas.
A maioria dos países europeus tem adotado medidas para regulamentar esta atividade, promovendo a transparência e combatendo a corrupção. A Dinamarca, por exemplo, é reconhecida internacionalmente pelo seu sistema transparente de lobbying. Lá, os grupos de interesse têm a obrigação legal de se registar e divulgar as suas atividades. Essas informações são acessíveis ao público em geral, dando aos cidadãos e à imprensa ferramentas eficazes, objetivas e pouco especulativas para a fiscalização do processo de tomada de decisão política.
Mas há mais casos, muito mais casos. A Eslovénia implementou um sistema de registo obrigatório para os profissionais de Public Affairs, para os políticos e outros decisores públicos na gestão da relação entre uns e outros. A legislação eslovena exige que os primeiros forneçam informações detalhadas sobre as suas atividades e clientes, enquanto os segundos devem declarar os encontros que tiveram com ‘lobistas’. Essas medidas visam aumentar a transparência e prevenir eventuais conflitos de interesse.
Como em tudo na vida, o que é conhecido deixa de ser misterioso e passível de especulações. A regulamentação da atividade de Public Affairs em Portugal traria enormes benefícios para o aprofundamento da democracia e para a melhoria da qualidade percebida das suas instituições.
Em primeiro lugar, aumentaria a transparência e reduziria a opacidade e a suspeição no processo de tomada de decisão política, permitindo que os cidadãos entendam quem influencia determinada política pública e por qual motivo. Isso resultaria no aumento de confiança nas instituições democráticas e a participação mais informada dos cidadãos.
Além disso, a regulamentação ajudará a evitar o favorecimento indevido de determinados grupos de interesse. Todos estamos habituados a ouvir e eventualmente a pensar que as decisões favorecem “sempre os mesmos”. Ora, a divulgação de informações sobre as reuniões entre os ‘lobistas’ e os agentes políticos ajudaria a prevenir conflitos de interesse e a garantir que as decisões são tomadas de forma imparcial, tendo exclusivamente na mira o interesse público e o Bem Comum.
Defendo que uma regulamentação eficaz da atividade de Public Affairs em Portugal deverá incluir, à semelhança da maioria dos nossos parceiros comunitários, o registo obrigatório dos seus profissionais e respetivos clientes. Os grupos de interesse deverão ser obrigados a registar-se num organismo regulador, tornando públicas as informações mais significativas sobre as suas atividades.
É fundamental prever um período de nojo para que ex-políticos e altos funcionários da Administração Pública possam atuar em grupos de pressão. Este intervalo de tempo entre a saída do serviço público e o início de atividades profissionais de Public Affairs destina-se a evitar conflitos de interesse e as chamadas “portas giratórias” entre o setor público e setor privado.
Por fim, o desenvolvimento e aplicação de códigos de conduta ética para esta atividade, estabeleceria normas de comportamento e conduta profissional. Isso ajudaria a evitar práticas antiéticas e a promover uma atuação responsável na defesa de interesses legítimos que aportariam conhecimento técnico e informação de qualidade às discussões políticas.
Este tema tem urgência. É fundamental que não se perca mais tempo na regulamentação do lobbying no nosso país, e que o debate seja o mais aberto possível, envolvendo os diversos setores da sociedade, especialistas, organizações da sociedade civil e políticos. O pano de fundo deverá ser um compromisso com a transparência, o fim da opacidade, a promoção do bem-estar coletivo e a integridade da nossa democracia. Se não o fizermos por nós mesmos, não se estranhe depois que um dia destes surja na agenda do Parlamento uma diretiva comunitária, ou regulamento, para ser transposta sobre este assunto, passando por cima de uma desejável discussão pública e criando regras gizadas num desconhecido gabinete de Bruxelas.
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