
Marcas gastas, promessas vazias
A política parece resistir a aprender com o marketing. Em vez da aposta em valores, aposta em táticas. Esquecem a transparência, ignoram o legado, preferem a espuma dos dias.
O agendamento para 18 de maio das eleições legislativas antecipadas mostra, uma vez mais, como a política e os políticos estão desfasados das necessidades, dos anseios e das prioridades do cidadão comum.
Os factos que conduziram a este desfecho justificavam-no? Retirando as ‘matemáticas’ políticas de circunstância, este desfecho interessava — de facto — a algum partido político? Ou à sua base eleitoral? A conjuntura internacional e, especialmente, o ‘terramoto’ Trump aconselhavam o baralhar e tornar a dar que estas eleições, inevitavelmente provocarão? Defender a estabilidade política numa Europa confusa e em convulsão era um fator menor?
Na verdade, vivemos num tempo em que a política perdeu prestígio, os políticos perderam credibilidade e os partidos perderam ligação com os cidadãos. Tudo isto tem um nome: crise de Reputação.
Tal como nas empresas, os partidos políticos são também Marcas. E os políticos são produtos que os eleitores “compram” com o seu voto. Essa compra, no entanto, não acontece se não houver confiança na Marca — ou seja, se a Reputação estiver danificada.
Uma Marca forte constrói-se com base em valores claros, consistência, coerência e, acima de tudo, cumprimento de promessas. O mesmo se aplica à política. Quando um partido ou um líder falha sistematicamente naquilo que promete, o eleitor castiga: não vota. Ou, cada vez mais, escolhe não escolher — e entrega-se à abstenção, ao voto em branco ou ao voto de protesto.
O problema é que, ao contrário do que acontece no mundo empresarial, a política parece resistir a aprender com o marketing. Em vez de cuidarem da sua Marca, os partidos tentam apenas “marcar presença”. Em vez de construírem confiança, alimentam o ruído. Em vez de apostarem em valores, apostam em táticas. Esquecem a transparência, ignoram o legado, preferem a espuma dos dias.
A política transformou-se num palco de estratégias de curto prazo, onde se joga mais para a posição do que para o cidadão. E, quando a política se transforma em espetáculo, perde-se a substância. Pior ainda: quando se abandona a ética, o compromisso e o serviço público, mina-se a Reputação da própria democracia.
Não é de admirar, portanto, que os eleitores se sintam cada vez mais afastados. Afastados da escolha e ainda mais afastados do exercício da política. Em boa verdade, queixamo-nos dos políticos, mas — mesmo os melhor preparados – têm enormes reservas em envolverem-se na atividade política.
Diz uma frase antiga que, na política os que querem não podem e os que podem não querem. Deixamos a política a muitos que não têm nem a capacidade nem a idoneidade para a exercer e não conseguimos que a política conquiste muitos dos que melhor poderiam contribuir para um Portugal mais forte, mais rico, mais sustentável e mais competitivo.
O mercado político está, em larga medida, saturado de Marcas que, mais à esquerda ou mais à direita, parecem todas iguais, gastas, incapazes de se reinventar. E quando todas as opções parecem más, muitos preferem simplesmente não escolher.
Mas o mercado mudou. Os eleitores também. As velhas formas de fazer campanha já não convencem. As salas alimentadas a excursões e promessas de comida, os cartazes e os slogans vazios perderam eficácia. A política exige hoje novas linguagens, novos canais, novas atitudes. Exige mais escuta, mais empatia, mais autenticidade.
O vazio deixado pelas Marcas tradicionais está a ser ocupado por novas forças. Algumas trazem esperança e renovação. Outras apenas barulho. Outras ainda transportam populismo e radicalismo. Mas todas obrigam os partidos tradicionais a acordar — ou a definhar.
Numa sociedade com grande fluidez de informação e crescente necessidade de escrutínio, há demasiados partidos e políticos que convivem mal com a verticalidade, que convivem mal com a responsabilidade, que convivem mal com a razoabilidade, que convivem mal com a verdade.
E num mundo exigente e complexo, que muito mais do que diagnósticos e promessas, precisa de soluções e de respostas, era tempo de abandonar a azia de escolher sempre entre os menos maus e votar convictamente nos melhores.
Portugal precisa de Marcas políticas que voltem a ser fiáveis, coerentes e inspiradoras. Precisa de políticos com visão, mas também com caráter. De partidos com propostas, mas também com valores. Porque sem Reputação, não há Marca que resista. E sem Reputação na política, a democracia enfraquece.
Regenerar essa confiança é talvez o maior desafio da nossa era. Mas é também uma oportunidade única: a de devolver à Política o lugar que nunca devia ter perdido — o de serviço ao bem comum.
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