No escurinho do cinema

  • Joana Garoupa
  • 19 Fevereiro 2025

Será uma comparação Trump-Hitler correta? Sabemos que têm algumas parecenças e também muitas diferenças, mas indiscutivelmente ambos abordaram o tema da comunicação como poucos.

Ao estar a ver nas notícias a tomada de posse de Donald Trump, pareceu-me que estava a assistir a um filme, com todos os atores e os seus interesses a encaixarem-se num denso argumento. Com as várias deambulações fiquei com uma ligeira impressão de déjà vu — digam o que disserem, Trump passa-me vibrações de um famoso ditador do século passado.

Será uma comparação Trump-Hitler correta? Sabemos que têm algumas parecenças e também muitas diferenças, mas indiscutivelmente ambos abordaram o tema da comunicação como poucos. Vejamos:

– Trump foi criado como um filho do privilégio, fortalecido nas suas ambições pela riqueza herdada. Hitler nasceu numa família de meios modestos.

– Apesar de ter estudado numa escola militar antes de entrar para a universidade, Trump evitou o serviço militar em tempo de guerra invocando deficiências. Hitler serviu honrosamente como alistado na Primeira Guerra Mundial, sofrendo ferimentos graves, incluindo cegueira temporária.

– Trump chegou ao poder como uma celebridade que tomou conta de um dos dois maiores partidos políticos dos Estados Unidos. A ascensão de Hitler exigiu a reunião de pequenas fações nacionalistas no que viria a ser o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP ou Partido Nazi).

No entanto, se estes factos distinguem os dois homens, outros elementos da personalidade e do desempenho são claramente semelhantes.

– A denúncia regular de Trump dos alegados fracassos dos seus adversários realça constantemente a afirmação de que só ele pode resolver os problemas da política pública e da sociedade. Esta afirmação encontra uma analogia na exigência persistente de Hitler de ser o único líder da Alemanha.

-Talvez a analogia mais sinistra entre Trump e Hitler seja a disponibilidade para mentir. Ambos os líderes demonstraram um talento notável para projetar as suas declarações com pouca preocupação em saber se são verdadeiras ou falsas.

E no que toca a comunicação?

Ambos são mestres. Demonstram uma abordagem monomaníaca da política e para a “espalhar”, Hitler e o seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, foram brilhantes maestros dos meios de comunicação de massas do seu tempo, especialmente da rádio, do cinema e da imprensa escrita. E quem se esquece das imagens do estádio de Nuremberga, onde os enormes comícios nazis deram a Hitler oportunidades de tirar o fôlego com um impacto inigualável. Por sua vez, ao ênfase de Trump na dimensão dos seus comícios adiciona-se outro ponto-chave: pela sua experiência como apresentador de televisão, Trump demonstra um grande foco em obter cobertura tanto nos meios de comunicação tradicionais como na diversidade de novos canais das redes sociais e outras plataformas.

É talvez por causa dos seus discursos e das apresentações nos media que Trump convida a uma comparação básica com Hitler. O seu habitual recurso a epítetos em relação aos seus adversários assemelha-se ao estilo nazi de descrever aqueles que considerava inimigos — comunistas, judeus, qualquer pessoa que se interpusesse no caminho da sua busca de poder sem restrições.

Os media são importantes

A diferença mais premente entre as comunicações de massa de Hitler e as de Donald Trump é que, enquanto os nazis suprimiram rapidamente os meios de comunicação independentes, os Estados Unidos mantêm canais vigorosos para desafiar os seus líderes. É certo que a sua eficácia é diminuída pela “compartimentação” da informação, em que a escolha de fontes de informação pelos cidadãos reforça a perigosa polarização da sociedade e da política.

Um veredicto razoável é que Trump não é um Hitler — a menos que o povo americano permita que ele seja um. Esperemos que não!

  • Joana Garoupa
  • Fundadora Garoupa Inc

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