
O Chega já não é só dos “invisíveis”
Não se combate a comunicação do Chega apenas com factos. Combate-se com presença consistente, empatia, linguagem acessível e propostas claras. Com uma nova forma de fazer política e de a comunicar.
A ascensão do Chega não se explica apenas pelo conteúdo do seu discurso, mas pela forma como comunica, para quem comunica — e, sobretudo, porque os restantes partidos não conseguem comunicar com os mesmos eleitores.
Em 2019, o Chega entrou no Parlamento com um único deputado e um discurso que muitos se apressaram a desvalorizar, como efémero, marginal ou extremista. Na altura, o seu eleitorado parecia corresponder a um perfil bem definido: homens de baixos rendimentos, pouca escolaridade, desiludidos com o sistema e oriundos de territórios periféricos. Eram os “invisíveis” — aqueles que não se sentiam representados, ouvidos, nem sequer reconhecidos.
Mas entre 2019 e 2025, o cenário mudou de forma profunda. E essa mudança não se explica apenas por fatores económicos ou sociológicos — explica-se, acima de tudo, por uma estratégia de comunicação eficaz, que os restantes partidos não identificaram. O Chega não tentou explicar tudo — falou de forma clara. Não apresentou estudos técnicos, mas contou histórias. Não pediu consenso, ofereceu certezas — mesmo quando não tinham conexão à realidade.
Em 2025, o eleitor do Chega já não é apenas o excluído. É também o que se sente a perder estabilidade: profissionais da classe média e média-alta, com formação superior, com emprego e casa própria, mas esmagados pela inflação, pela burocracia, pela degradação dos serviços públicos e por uma sensação crescente de insegurança — económica, social, identitária. São os que se revêm cada vez menos no discurso político dominante e que, por isso, oscilam entre a abstenção, o protesto e a dúvida. São também, muitas vezes, os indecisos de última hora, que acabam por votar onde se sentem emocionalmente mais compreendidos — não tanto por plena identificação ideológica, mas por frustração, ressentimento ou rejeição dos partidos tradicionais. São os que dizem “já votei em todos” ou “estou farto disto tudo”, mas que acabam por votar num partido que lhes promete devolver controlo e ordem.
Nas legislativas de 2025, o Chega capitalizou esse mal-estar com inteligência comunicacional. Obteve resultados expressivos em Odivelas e Vila Franca de Xira, e resultados muito significativos em Loures, Setúbal, Leiria e Albufeira, concelhos marcados por uma classe média em erosão, mas ainda com aspirações de estabilidade e onde o sentimento de perda — seja de identidade, de segurança ou de bem-estar — é explorado com mestria. A eficácia não esteve na substância das propostas, mas na clareza e consistência dos símbolos usados.
Mais do que um voto ideológico, trata-se de um voto emocional. O Chega soube criar uma narrativa de perda e promessa de recuperação — e comunicou-a com clareza, repetição e símbolos fortes: “Deus, Pátria, Família”. Enquanto os outros partidos falavam de défices, planos e relatórios, o Chega falava de honra, ordem e controlo.
Pós-eleições e num ambiente político ainda em aberto, o Chega mantém-se protagonista. Não apenas pelos 58 ou mais deputados eleitos, mas pela capacidade de ocupar espaço mediático com mensagens curtas, repetitivas e emocionalmente mobilizadoras.
A comunicação política, em Portugal, continua muitas vezes presa a uma lógica racionalista, técnica e elitista — como se ainda estivéssemos em 1999. Mas em 2025, comunicar é também disputar emoções, pertença e linguagem. Não se combate a comunicação do Chega apenas com factos. Combate-se com presença consistente, empatia, linguagem acessível e propostas claras. Combate-se com uma nova forma de fazer política — e, sobretudo, de a comunicar.
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