O que quero ser quando for grande?

  • Marlene Gaspar
  • 10:47

Se continuarmos a fazer apenas mais do mesmo, arriscamo-nos a tornar-nos irrelevantes. Não há como escapar. Já não serve dizer que “burro velho não aprende línguas” ou “até lá estou reformada”. Não.

Alquimista da Liderança.

“39% das nossas habilidades estarão obsoletas até 2030”, segundo o Fórum Económico Mundial. Sim, entro a pés juntos, sem apelo nem agravo, com este dado. Bastou-me uma palavra — até — e um número — 2030 — para me deixar logo o olho a tremer. Então uma parte significativa das minhas competências tem prazo de validade? Prazo este inferior a cinco anos! É demasiado perecível — e ainda não estou preparada!

Com o avanço da automação, da inteligência artificial e da biotecnologia, Yuval Noah Harari alertou em “21 Lições para o Século XXI”, para o surgimento de uma nova classe social ou económica: a dos “inúteis” ou “descartáveis” — ou seja, todos nós. Pessoas cuja força de trabalho pode tornar-se irrelevante perante máquinas mais eficientes, inteligentes e baratas.

Este surgimento da chamada “classe inútil” não acontece por falta de valor humano, mas por falta de valor económico, numa economia dominada por algoritmos e IA. Podemos assistir a uma rutura social e existencial caso não se redefina o papel das pessoas numa sociedade onde a tecnologia faz (quase) tudo. A urgência de repensar o trabalho e de o ressignificar é real.

Eu não quero ser inútil nem irrelevante. Por isso, é bom que me vá preparando.

O tempo sempre foi o tesouro mais valorizado — talvez a par do desejo de juventude eterna. Mas, po%&T/&rra, menos de cinco anos? Como diria a outra senhora, isso é já amanhã!

Uso muito a expressão “quando for grande” para me referir, ironicamente, a sonhos ou ambições que ainda não alcancei. Agora, ao tomar consciência de que tenho mesmo de pensar no que quero ser quando for maior na idade — porque não vou estar a fazer o que faço hoje, não da mesma forma — talvez seja melhor começar a ser mais factual. E usar menos esta figura de linguagem que tanto aprecio: a ironia.

Sabemos que tudo está a evoluir mais depressa. Sabemos que a Europa está a perder competitividade tecnológica. Mas este tic-tac que acabei de ouvir dentro da cabeça fez disparar alarmes. Sou uma otimista funcional. Acredito na mudança — até gosto dela — mas aprecio que me dê tempo de maturação. E margem para algum desfrute. Este tipo de previsão não ladra. Morde.

Tive o privilégio de ser convocada para repensar o Futuro do Trabalho, das Competências e da Liderança numa formação coordenada pela Margarida Couto e conduzida pelo Paulo Soeiro e pelo André Bello — e foi uma autêntica red flag.

Temos consciência (e já não é novidade) de que o mundo do trabalho mudou. Mas não tinha consciência de que ia mudar tanto. E a uma velocidade supersónica.

Não quero ser pessimista, mas o inverno está a chegar — ou, por outras palavras, vem aí a singularidade tecnológica. Um ponto teórico (e agora cada vez mais real) onde a inteligência artificial ultrapassa a inteligência humana. Não é ficção científica.

Ray Kurzweil, futurista respeitado e reconhecido pela Lei dos Retornos Acelerados, que previu com exatidão o surgimento da internet ou o dia em que uma máquina venceu um humano no xadrez, antecipava esse momento para 2045. Já reviu a data: agora aponta para 2040.

Se continuarmos a fazer apenas mais do mesmo, arriscamo-nos a tornar-nos irrelevantes. Não há como escapar. Já não serve dizer que “burro velho não aprende línguas” ou “até lá estou reformada”. Não. Não. Não.

Em primeiro lugar, porque não estarei.

Depois, porque vamos viver mais (oxalá), vamos trabalhar mais anos (então que seja em bom) e vamos ter de reaprender várias vezes (ninguém disse que ia ser fácil). É o que nos dizem as estatísticas — pouco animadoras — da Segurança Social. E a tecnologia “promete” dar-nos uma espécie de elixir da juventude… para aguentarmos mais uns aninhos.

Segundo o Fórum Económico Mundial, não só teremos de aprender continuamente, como também de desaprender. E isso, convenhamos, custa ainda mais.

Mais do que fomentar upskilling e reskilling, precisamos de uma verdadeira ressignificação da nossa relação com o trabalho.

Os modelos antigos e alguns ainda atuais — as descrições de função, as hierarquias lineares, a separação entre o real e o digital, entre trabalho e lazer, entre humano e máquina… tudo isso está a ser posto em causa.

É neste contexto que precisamos de repensar a liderança. Não como uma função, mas como uma capacidade de ler o momento, ativar talentos, desenhar narrativas que devolvam motivação, crescimento e sentido.

A gestão tem de passar a contemplar a projeção de cenários — e até de existências. Modelamos a realidade e criamos mundos cognitivos onde as pessoas aprendem, sentem e se reconhecem. Ou seja, liderar é cada vez mais servir, dar sentido, definir o rumo — mesmo quando não se tem todas as respostas. Não se trata de prever o futuro com uma bola de cristal, mas de imaginá-lo como ato estratégico.

E então, voltamos à pergunta — que não é só para crianças:
— O que queres ser quando fores grande? Eu quero ser Alquimista da Liderança.

— E o que é isso? perguntam-me vocês.
É alguém que funde conhecimento, intuição, talento e timing — com um toque de magia e transformação.
Foi uma das designações que a máquina me sugeriu, quando pedi para reimaginar a minha função com perspetiva de futuro.

Em jeito de curiosidade, deixo outras propostas e a respetiva justificação. Porque aqui não falamos apenas de novas designações, mas de novas formas de exercer o que queremos — e temos — de fazer:

  • Responsável pela Preparação para o Futuro — quem lê os sinais, ativa talentos e projeta cenários com significado
  • Arquiteto/a de Narrativa e Crescimento — cria a visão, desenha o rumo, dá forma ao progresso
  • Líder de Interpretação de Contexto — “sensemaking” numa versão mais acessível — muito relevante em tempos de incerteza
  • Estratega de Potencial Humano — foco no talento, no desenvolvimento e na transformação real das pessoas
  • Designer de Realidade — porque liderar é moldar o presente e antecipar o que está por vir
  • Responsável por Mundos Cognitivos — inovador e intrigante — ideal para contextos criativos, educativos ou tecnológicos)
  • Navegador/a do Propósito — quem orienta mesmo sem todas as respostas — rumo, significado e direção

E tu, o que queres ser quando fores grande?

 

*Este texto foi revisto e editado com o apoio do ChatGPT, respeitando o estilo e a ortografia definidos pela autora

  • Marlene Gaspar
  • Diretora-Geral da LLYC

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