Os dados não são dados

  • João Santos
  • 14 Outubro 2024

A necessidade de ter dados diretos, absolutos e em tempo real, é uma discussão que tarda fazer em Portugal. Espanta-me a demora. E por favor, não falemos na falta da independência de quem os fornece.

Desde os seus primórdios que o Marketing tem tentado colocar dados em muitas das suas decisões. Seja por uma questão de racionalidade, foco ou por mera cautela, esta postura levou a que muitas disciplinas crescessem com o intuito de dar suporte às decisões estratégicas de marketing.

Entre estas, há duas áreas absolutamente fundamentais: A medição das campanhas de publicidade e a avaliação das quotas de mercado.

Uma rápida e breve análise valida estes dois terrenos. De um lado, necessitamos de pilotar o desenvolvimento do nosso negócio face aos nossos concorrentes e do outro queremos ter a certeza de que o valor mais importante do nosso budget é aplicado da forma mais correta e que se traduza em visibilidade para a marca e para os seus produtos.

Historicamente, quer a medição de dados de media quer a avaliação de quotas de mercado, baseiam-se em modelos semelhantes. Em qualquer dos casos existe um painel, que se pretende representativo de um universo, onde após a recolha de dados são depois extrapolados. Apenas diferem as técnicas de recolha de dados, que vão desde entrevistas telefónicas a medidores domésticos ou à recolha de dados em loja. Ou seja, tudo o que o Marketing compra de dados são inferidos e extrapolados para corresponderem a um determinado mercado.

Dependendo da qualidade da recolha e do método de previsão, temos mercados melhor ou pior estimados, marcas e empresas melhor ou pior avaliadas, com todos os problemas e ruído que isso acarreta. Têm sido frequentes as discussões em praça pública de como se medem as audiências de Televisão, e os sucessivos braços de ferro para que determinado método prevaleça e se mantenha.

Mas o mundo mudou. E muito.

Quando a Televisão tinha o seu sinal difundido através de grandes antenas, descobrir o que se via em cada lar era um desafio hercúleo. Hoje, graças às plataformas digitais e de streaming, sabe-se ao segundo o que se está a consumir em cada uma delas. Os operadores têm esta informação. E sabem quem viu, em que suporte e em que local. Até porque o consumo linear de TV é cada vez mais pequeno. Esta riqueza de informação, e de dados, está a perder-se para todos: canais, anunciantes e empresas de media.

O mesmo se passa nos painéis de retalho, mas com uma nuance: as grandes cadeias já se aperceberam que há valor económico nestes dados e começaram a sua comercialização. Hoje é possível sabermos exatamente o que vendemos e a nossa quota na categoria numa determinada cadeia, bem como sabermos a posição dos nossos concorrentes e sem precisarmos de esperar uma eternidade pela análise.

Com a saída recente de uma das grandes cadeias de supermercado de um dos painéis de retalho, vão levantar-se problemas de fiabilidade e cobertura pois, por muito que o modelo tenha sido afinado no passado, ele será incapaz de refletir as mudanças futuras – e serão muitas – por estar completamente limitado de as acompanhar.

A necessidade de ter dados diretos, absolutos e em tempo real, é uma discussão que tarda fazer em Portugal. E espanta-me a demora.

Qual será o painel mais fiável, aquele que sabe exatamente o que foi vendido, ou aquele que tenta através de uma amostra chegar aos mesmos valores? Ou ainda, aquele que sabe ao segundo o que está a passar naquela televisão ou a extrapolação que é feita por um milhar de aparelhos?

O mundo conectado obriga a uma alteração na forma como medimos e como temos acesso aos dados. Dizemos que o digital é mais ágil porque estamos sempre a ajustar as campanhas e com isso conseguimos resultados mais eficientes. E agora que começamos a ter essas capacidades noutras áreas, porque demoramos a adotá-las? Por inércia, por falta de vontade ou por vantagem económica?

Os painéis de consumo e media serviram o mercado durante décadas, mas o mundo digital e conectado permite hoje o acesso a dados reais em tempo real. Desperdiçar essa oportunidade é deitar fora um potencial salto de qualidade para marcas, anunciantes e agências. E por favor, não falemos na falta da independência de quem fornece os dados, teríamos de começar a falar na Google e na Meta e este artigo já vai longo.

  • João Santos
  • COO do WYgroup

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