Para onde caminham os media?

  • Rosália Amorim
  • 27 Janeiro 2025

Quem está à frente deste negócio deveria potenciar mais esse grande ativo que é a confiança. Perante uma crise tão grande, talvez 2025 seja o ano de filtrar, depurar e fortalecer os melhores.

Incerteza é a palavra de ordem. Foi, aliás, uma das mais proferidas no World Economic Forum, em Davos, na Suíça. Na cimeira que terminou na última sexta-feira, os líderes mundiais admitiram que se sentem confrontados com um clima instável, extremismos e populismos, conflitos armados e este contexto afeta a forma de gerir os negócios e de antecipar cenários para os próximos anos.

O negócio dos media não fica indiferente a esses abalos. Navegando por mares nunca antes navegados, os media tradicionais são confrontados com uma vaga de avanço de fake news e das big tech — que comem a grande fatia da publicidade e, logo, dos lucros.

No digital, é o programatic que leva a maior fatia dos anúncios. Aparentemente mais direcionados, atingindo os targets certos e obtendo um custo por contacto mais baixo, tem, no entanto, sérios riscos. Tal como aconteceu com uma cadeia de hotéis multinacional, em 2017, cujos vídeos de publicidade foram parar a sites extremistas.

A tecnologia pode melhorar a experiência do utilizador já que envolve a utilização de software para determinar onde melhor chegar às audiências digitalmente e dirigir anúncios aos sites que os leitores procuram. Para esse efeito, os anunciantes começaram por usar filmes de anúncios de 15 ou 30 segundos para o digital, que depois passaram a 6 segundos, por uma questão de eficácia e redução da taxa de abandono.

Tem resultado, já que o tempo despendido a ver vídeos no digital tem crescido. Nos jovens adultos, entre os 18 e os 34 anos, é mais de metade do tempo que gastam por semana a ver TV, atingindo uma média de 10h a visualizar vídeos. Assustador? É a economia digital a funcionar e os novos comportamentos do consumidor a ditar novas regras. E o grande vencedor é? O YouTube, claro!

Todos os dias e a cada minuto são carregadas naquela plataforma 500 horas, o que equivale a 720.000 horas por dia de novos vídeos a entrar na plataforma. Essa impressionante quantidade de uploads demonstra a escala gigantesca do YouTube como repositório de conteúdo de todo o mundo.

Nos sites de media tradicionais, a invasão e o uso excessivo de pop-ups ou pop-unders cria irritação nos consumidores que tendem a fugir. É por isso que cada vez mais utilizadores instalam ad-blockers, com um terço dos consumidores a fazê-lo a nível global.

Hoje em dia, as redes sociais são também um megafone importante par aos media divulgarem os seus conteúdos. Do lado da publicidade, uma das razões pelas quais os anunciantes migram para as redes sociais é o tempo que os consumidores passam nessas plataformas. Em Portugal, a média ronda as duas horas e meia por dia, por jovem adulto, com o TikTok e Twitter a ganharem cada vez maior expressão.

São muitos os desafios e não chegam as páginas de um jornal para falar de todos eles, em detalhe. O futuro dos media vai ser moldado pelos avanços tecnológicos, a mudanças nos hábitos de consumo e a necessidade de adaptação ao estilo de vida. Para 2025 apontam-se caminhos como a personalização do conteúdo, usando inteligência artificial e, na prática, as plataformas como o YouTube, Spotify e Netflix já usam algoritmos para sugerir o conteúdo mais relevante para determinado perfil.

O uso da realidade virtual e aumentada, onde se inclui o metaverso com a promessa de maior interação, é outra tendência. A automação será inevitável e já está a ser usada para escrever notícias ou publicar atualizações desportiva, por exemplo. O crescimento de assistentes de voz (Siri, Google Assistant ou Alexa) vão gerar novos formatos de media, como o áudio interativo e buscas por voz, tornando o consumo mais prático e rápido. A rádio é o meio que menos se adaptou em todo o mundo a este tipo de avanços e que, inevitavelmente, vai precisar de uma nova estratégia se não quiser desaparecer. Hoje em dia, o canal que predomina para escuta é o auto-rádio, mas os veículos do futuro, como carros autónomos, nem sequer os contemplam.

Por fim, talvez a mais importante alteração a ter em conta para o futuro seja a capacidade de os media criarem comunidades que os sustentem, ao mesmo tempo gerando receita em assinaturas. Com o aumento de ad-blockers e a insatisfação permanente dos leitores perante os anúncios intrusivos, os media internacionais estão a seguir o caminho de modelos de assinaturas e até de financiamento coletivo.

Criar comunidades e clubes de leitores, onde o consumidor se sente tratado como um indivíduo e não como uma massa indiferenciada, ajudará. Mas para isso é preciso ter bom talento nas redações e um canal de distribuição que não tenha empenhado a sua credibilidade em troca de um futuro prometido, mas pouco plausível. É necessária também uma gestão capaz, com visão e que domine o negócio dos media para o reforço da sua credibilidade.

Quanto à gestão dos media, é preciso ter em conta uma outra variável, nem sempre analisada: o perfil dos empresários que investem em comunicação social. Do hemisfério norte ao hemisfério sul, os media são desejados e tantas vezes capturados como braço armado dos dirigentes que procuram palco e têm uma agenda pessoal, tentando usar as páginas dos media para autopromoção ou negócios transversais. Ora, nada mais errado.

O verdadeiro braço armado da democracia –- a liberdade de imprensa — não deve servir interesses individuais, mas sim o bem comum e o cidadão. Afinal, trata-se de serviço público, mesmo quando é detido por privados. A missão de informar deve estar sempre acima de qualquer agenda. Esse desígnio, quando é praticado com verdade e transparência, dá aos media a credibilidade que tantos procuram, uns a título pessoal e outros a título organizacional.

A credibilidade é o último reduto dos órgãos de comunicação social. É o que leva um leitor a ir às bancas comprar um jornal, a abrir um site de media e a subscrever conteúdos editoriais ou a descarregar uma app informativa. Só a credibilidade liga esta ponte: media, leitores e democracia.

Quem está à frente deste negócio deveria potenciar mais esse grande ativo que é a confiança que, como todos sabemos, demora anos a conquistar e pode perder-se num ápice. Quem persistir em agendas escondidas ou a ignorar a mudança rápida deste mercado vai ter sérias dificuldades em sobreviver. Perante uma crise tão grande, talvez 2025 seja o ano de filtrar, depurar e fortalecer os melhores.

  • Rosália Amorim
  • brand, marketing & communication director do portuguese cluster da EY

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