Pense em mim, chore por mim, liga pra mim

  • Nuno Antunes
  • 28 Junho 2024

A partir dos 50, meus amigos, estamos fora de jogo, para utilizar uma expressão do futebol, agora que estamos no Europeu. Já não pensam em nós, já não nos ligam nenhuma e, claro, chorar nem pensar.

Em vez de você ficar pensando nele
Em vez de você viver chorando por ele
Pense em mim, chore por mim
Liga pra mim, não, não liga pra ele

Pense em mim, chore por mim
Liga pra mim, não, não liga pra ele
Pra ele! Não chore por ele!

O que é que este sonzaço tem a ver com marketing? Tem tudo e já vão ver, mas até lá têm que me aturar mais um bocadinho.

Então aqui vai. Lançado em 1990 pelos enormes Leandro & Leonardo, foi de uma enorme utilidade para este que vos escreve. Provavelmente para ti também. Naquela altura, com 16 anos, tinha chegado o momento de debutar nas lides das ribaldeiras nas Festas em Honra de São Tiago Maior na linda Sobreira Formosa, ali bem perto de Proença-a-Nova. E este hit, como é lento e não se dança sozinho, era instrumental, lá está, para avançar para as primeiras paixonetas. Quem for daquela altura e não tiver passado por isto, não é bom chefe de família, digo já.

Corta para agora e “…é fazer a conta”, como nos disse o atual secretário-geral da ONU, quando em maio de 1995 se baralha ao perguntarem-lhe sobre as contas do que significava a aposta de 6 por cento do PIB na saúde. Para não se atrapalharem como ele, tenho agora 50.

Quando aqui se chega, temos aquelas coisas dos balanços e tal, mas também nos cai a ficha sobre duas certezas da vida: a primeira, é que já não vamos arranjar um novo emprego, porque já estamos velhos, cansados e datados, como se diz por aí; a segunda, e é aí que entra o marketing, é deixarmos de ser interessantes para as marcas. Envolvem-se com os públicos mais jovens, dedicam-lhes personas lindas e maravilhosas nos power points e depois consagram-lhes campanhas de publicidade, pelo menos as mais fixes. Que inveja!

A partir dos 50, meus amigos, estamos fora de jogo, para utilizar uma expressão do futebol, agora que estamos no Europeu. Já não pensam em nós, já não nos ligam nenhuma e, claro, chorar nem pensar.

É por isso que aquela música, especialmente a letra, são muito úteis, pelo menos para mim. Quer em tempos idos, quer nos dias de hoje. Antes, porque deu o mote para tentar ser feliz quando começava a passar lá para as 3 da manhã. Agora, porque me parece ser uma boa bengala para dizer:

Em vez das marcas ficarem pensando neles
Em vez das marcas viverem chorando por eles
Pensem em mim, chorem por mim
Liguem pra mim, não, não liguem pra eles

Pensem em mim, chorem por mim
Liguem pra mim, não, não liguem pra eles
Pra eles! Não chorem por eles!

Aos 50 temos mais experiência e outro tempo disponível para experimentar. Mas também temos mais capacidade financeira e mais condições para procurar uma melhor qualidade de vida e novas ofertas. Se sabemos que o marketing segue o dinheiro, então não existe aqui uma oportunidade de fazer diferente e dar mais atenção a esta audiência?

Mas há mais. Contra muitos mitos urbanos que pululam, até estamos na Internet de manhã à noite, como os mais novos, totalmente conectados com o mundo através dos mais recentes e poderosos smartphones. Talvez com duas diferenças: temos mais critério e se vamos a um concerto estamos mais interessados em assistir do que a partilhar; apesar de fazermos uma utilização semelhante das diversas plataformas digitais, habitualmente escrevemos melhor português, sem quilos de emojis e cenas do género. Se estamos como a malta nova na Internet, e como anda tudo virado para os canais digitais, há algum constrangimento para não comunicarem mais connosco?

Quando gostamos de uma marca, somos mais fiéis e tendemos a comprá-la com mais frequência. Se é assim, porque é que não falam mais connosco para garantir essa fidelização, em vez de andarem sempre a gastar mundos e fundos à procura de novos fregueses?

A amplitude de marcas que consideramos é menor e geralmente escolhemos as mais estabelecidas. Se agimos desta forma, porque é que essas grandes insígnias não nos consideram mais?

Por último, porque a prosa já vai longa, temos como corolário o facto de ainda sermos o foco de um número baixo das campanhas de comunicação. Se esta é uma realidade, não há aqui uma oportunidade óbvia?

Então, vale ou não vale a pena pensarem, chorarem e ligarem para nós?

  • Nuno Antunes
  • business partner da Milford e professor ISCTE Executive Education

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