
Quando a política não ouve. Um problema de comunicação?
É tempo de parar, ouvir e mudar. É tempo de comunicar melhor e para chegar a todos com mensagens claras. Antes que seja tarde demais.
Terminada mais uma ida às urnas, mais do que olhar para a vitória da Aliança Democrática (AD), importa olhar para o empate técnico entre o Partido Socialista (PS) e o Chega, que não deve ser lido apenas como uma mudança no xadrez partidário — trata-se, sobretudo, de um sinal de alarme sobre o estado da comunicação política em Portugal. Os partidos que tradicionalmente ancoram a nossa democracia parecem, hoje, mais distantes do que nunca do pulsar real da sociedade. O crescimento contínuo do Chega, independentemente da avaliação moral ou ideológica que se faça, é um reflexo direto desta surdez política.
Durante anos, a comunicação política em Portugal foi moldada por discursos autocentrados, muitas vezes tecnocráticos, onde o foco esteve mais em narrativas internas do que em escutar e compreender os receios e frustrações dos cidadãos. O resultado tem sido uma desconexão crescente entre os eleitos e os eleitores. Em vez de diálogo, temos discursos. Em vez de escuta ativa, temos respostas formatadas.
A AD e o PS continuam a falar como se o seu lugar fosse garantido — como se a estabilidade institucional viesse do peso da tradição e não da renovação do pacto de confiança com o povo. Mas domingo tudo mudou. Os portugueses estão a dizer que não se sentem ouvidos. Que as suas angústias com questões concretas e reais das suas vidas não estão a ser tratadas com a seriedade e urgência necessárias. Quando a democracia representativa falha em dar respostas, abrem-se brechas perigosas — brechas onde forças populistas ganham terreno apresentando soluções fáceis, binárias, antidemocráticas e, não poucas vezes, totalmente irreais.
É fácil de ver que ignorar o crescimento do Chega é um erro estratégico e ético. Não se trata de validar os seus métodos ou propostas — muitas das quais são incompatíveis com os valores democráticos. Trata-se de entender, de forma real e concreta, o que move centenas de milhares de portugueses a votar num partido que se afirma fora do sistema. Não é possível menorizar e ignorar o Chega. Não é possível menorizar e ignorar o seu eleitorado. É imperativo ouvir este pedido de socorro, este um grito de protesto de tantos portugueses, e é responsabilidade dos partidos democráticos escutar.
Mas escutar não é apenas perceber os dados das sondagens ou adaptar o discurso em tempos de campanha. É preciso uma revisão de fundo na forma como os partidos comunicam. A comunicação política tem de deixar de ser apenas palco e voltar a ser ponte. Tem de recuperar a humildade de reconhecer que há coisas que não se compreendem — e ter coragem para perguntar, ouvir e, acima de tudo, agir.
A democracia não se protege com silêncio nem com arrogância. Protege-se com verdade, escuta e ação. Se partidos como os da coligação AD e o PS quiserem continuar a ser forças centrais no sistema democrático português, têm de perceber que o seu maior desafio hoje não é o outro partido, mas a incapacidade de escutar os portugueses com autenticidade. Porque enquanto isso não acontecer, a erosão da democracia continuará — e o resultado, como já se começa a ver, será uma Assembleia cada vez mais fragmentada e uma sociedade cada vez mais dividida.
É tempo de parar, ouvir e mudar. É tempo de comunicar melhor e para chegar a todos com mensagens claras. Antes que seja tarde demais.
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