Quando todos sabem ler os números
Uma empresa cresce de forma sustentável quando cada departamento toma decisões com intencionalidade, com consciência económica e com estratégia clara.
Numa altura em que tudo pode mudar rapidamente numa empresa, a literacia financeira deixou de ser um tema reservado ao departamento financeiro. Hoje, qualquer decisão, seja operacional, comercial, marketing ou recursos humanos, tem impacto direto nos resultados – na verdade, a cultura financeira ganha força quando deixa de viver num Excel e passa a fazer parte do dia-a-dia das equipas.
Ao longo dos meus anos de experiência, aprendi que uma cultura financeira sólida começa pelo mais simples: informação clara, acessível e presente. Não serve de muito termos relatórios extensos ou métricas complexas se ninguém os entender. O essencial é garantir que todos conhecem os KPIs que realmente importam, que os comparam regularmente com períodos anteriores, com o orçamento e com os objetivos. Quando os indicadores são simples e transparentes, tornam-se uma língua comum. E quando toda a empresa fala a mesma língua, tudo se alinha mais depressa.
É por isso que acredito profundamente nas conversas financeiras “descontraídas”. Nas reuniões de equipa, no reporte mensal, nos rituais internos. Sempre com as mesmas métricas, sempre com a mesma terminologia, sempre curtos e objetivos. Não é preciso ter 50 KPIs, bastam poucos que toda a gente entenda, domine e consiga relacionar com aquilo que faz todos os dias.
Quando isto acontece, as equipas começam a agir como verdadeiros gestores dos seus departamentos. Vejo isto acontecer várias vezes: de repente, alguém que sempre olhou para números com distância começa a interpretar margens, custos e desvios com naturalidade. E isso muda completamente os resultados.
Outra prática essencial é a formação. Formação simples, útil, prática — e, sim, divertida. Descomplicar a área financeira é meio caminho para substituir o “medo do departamento cinzento” por transparência e proximidade. Hoje, a área financeira é, ou deve ser, menos confidencial e muito mais envolvida no ritmo real da empresa. Quanto mais se abre, mais as pessoas se interessam. E quando as pessoas se interessam, tudo funciona melhor.
Mas criar cultura financeira não chega. É preciso dar-lhe impacto estratégico. O reporting, por si só, não transforma nada. O que transforma são as decisões que se tomam depois dele. O controlo de custos, por exemplo, só faz sentido se for analisado com profundidade: gastar menos não significa ser mais eficiente; gastar melhor, sim. Conhecer a fundo os custos, e o retorno que trazem, abre espaço para inovação, renegociação com fornecedores, mudanças estruturais e decisões estratégicas verdadeiramente informadas. Muitas das mudanças mais importantes que vi nasceram de uma simples análise a um custo que parecia inofensivo.
Os indicadores financeiros são, no fundo, o “médico” da empresa. Mostram o que está forte, o que está frágil, o que precisa de atenção e onde há espaço para melhorar. Um exemplo claro: as vendas. Uma equipa que conhece as suas vendas em detalhe consegue antecipar desafios e reagir rapidamente a mudanças externas. A diferença entre quem domina os seus números e quem não faz ideia é enorme. Uma boa equipa comercial que conhece profundamente os seus produtos e o mercado está sempre um passo à frente.
Mas, acima de tudo, há algo que considero transversal. A eficiência não é responsabilidade apenas da liderança; deve ser parte da cultura. Todos têm de perceber o impacto financeiro das suas decisões. Todos devem saber priorizar. Todos devem compreender que os recursos não são ilimitados e que usar bem um orçamento é tão estratégico como aumentar vendas.
Para isso, faz sentido que uma parte das políticas de reconhecimento esteja ligada a esta consciência, seja através de bónus, incentivos ou outros mecanismos. Quando as equipas têm curiosidade pelos números, motivação para os estudar e espaço para os discutir, a empresa ganha uma disciplina coletiva que dificilmente desaparece.
Assim, uma empresa cresce de forma sustentável quando cada departamento toma decisões com intencionalidade, com consciência económica e com estratégia clara. É isto que permite inovar sem perder o controlo, crescer sem desperdiçar e reagir ao mercado com agilidade e segurança.
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