Preço "competitivo" e investimento no Arsenal do Alfeite são as 'cartas' do Naval Group junto do Governo na hora decidir o fornecedor das novas fragatas. Concorrem com os italianos da Fincantieri.
Pé firme no chão, a meio da ponte de metal que liga a doca à Fragata de Defesa e Intervenção (FDI) em fase final de construção, Guillaume Weisrock aponta para outras duas ancoradas nas duas margens dos estaleiros do Naval Group em Lorient, França. “Temos aqui a prova que podemos entregar duas fragatas para agora”, atira o deputy director for Sales & Development Europe do Naval Group.
O construtor de navios e submarinos militares — detido maioritariamente pelo Estado francês e em mais de 30% pela Thales — é um dos grupos que se já se posicionaram para fornecer as futuras fragatas à Marinha Portuguesa. Um negócio de muitos milhões, mas que o grupo diz querer devolver 20% do montante investido na compra das três fragatas à economia portuguesa e, investir “dezenas de milhões de euros” para modernizar o Arsenal do Alfeite e criar um hub de indústria naval, através da criação de uma empresa conjunta.
Enfrenta a concorrência dos italianos da Fincantieri que, precisamente no dia da visita do ECO/eRadar aos estaleiros em França, realizavam em Lisboa um Industry Day’ com 30 empresas nacionais e italianas, que culminou com a assinatura de uma “parceria estratégica em diferentes domínios – terra, mar, ar e espaço” entre Portugal e Itália.
“É uma decisão soberana, mas estamos confiantes na oferta que entregamos às vossas autoridades”, reagiu Guillaume Weisrock. “Temos a única fragata de nova geração multi-missões”, assegura. “E temos a ambição de desenvolver a cooperação industrial para apoiar isso.”
E uma das âncoras é o investimento que estão dispostos a fazer no Arsenal do Alfeite. “Apresentamos uma proposta que consideramos muito prática e direta, não só bastante relevante em termos operacionais e de especificações técnicas para atender às necessidades operacionais da Marinha Portuguesa, como também muito competitiva em diversos aspetos”, diz quando instado a comentar a concorrência italiana.

“O preço do próprio navio é altamente competitivo” — quanto não diz, mas questionado se está na ordem dos 900 milhões, responde: “menos” — “um navio totalmente operacional” e, por fim, “toda a transferência de tecnologia e know-how, bem como o enorme investimento que planeamos fazer com o Alfeite, visam garantir que a taxa de disponibilidade de que a Marinha Francesa desfruta, que chega a 80%, também possa ser disponibilizada à Marinha Portuguesa, especialmente em tempos de conflito geopolítico”.
A Marinha Francesa é, aliás, uma das que já se comprometeu com a compra das fragatas do Naval Group, bem como a grega. É para a Grécia, aliás, a fragata ancorada em fase final de construção — com teste de mar previsto para 10 de janeiro e entrega em meados de 2026, adianta Hervé Boy, surface ships operational expert do Naval Group e antigo oficial da Marinha Francesa — que visitamos.
Navios para a era do big data
Mal atravessamos a ponte metálica — calcorreada diariamente por entre os 200-300 trabalhadores que, em turnos de 8 horas, finalizam a fragata — ‘aterramos’ na popa, onde está o heliporto, com capacidade para helicópteros ou drones, com até 15 toneladas, com vista para o deque, onde entre cabos, roldanas, trabalhadores do grupo dão seguimento às tarefas do dia. Já na proa, tapado por oleados, está o sistema para colocação dos mísseis — um sistema de plug-in, como descrevem, com capacidade para até 32 mísseis.
Com 122 metros de comprimento — as FREMM EVO da Fincantieri têm 144,6 metros de comprimento, o que pode gerar dificuldades no acesso à base naval, feito pelo Canal do Alfeite, que tem como referência de comprimento 135 metros, segundo o Regulamento de Autoridade Portuária da APL – Administração do Porto de Lisboa —, o navio tem capacidade para receber e ser operacional com 111 marinheiros a bordo. A fragata Vasco da Gama, compara Guillaume Weisrock, tem 153 pessoas.
Construído em camadas, com vários níveis ligados por escadas de metal, quando sai da doca seca a fragata já vem com 80% das cablagens e todas as ligações montadas. Mas é na gigantesca doca seca que os diversos blocos do casco — alguns vindos de outros estaleiros em França do grupo ou da Grécia (previsto no acordo assinado com o Governo helénico) — são montados. Mais parecem Legos gigantes. Guillaume Weisrock corrige: “São blocos.”

“O projeto da fragata FDI foi concebido para ser um verdadeiro navio de guerra. Um dos aspetos essenciais de um verdadeiro navio de guerra é garantir sua capacidade de sobrevivência, de resiliência. E nesse aspeto, a estrutura é totalmente compartimentada para que possa continuar a operar e a cumprir sua missão mesmo em caso de impacto, degradação ou rutura“, explica. Além do aspeto estrutural do navio, “tudo é redundante”: “Os data centers, a cablagem, as condutas, as tubagens. Tudo é redundante para garantir que a missão possa ser realizada”, afirma.
Sendo esta uma fragata de nova geração, o tema da guerra eletrónica é um dos aspetos acautelados. Há dois data centers — “estamos na era do big data em Lorient”, até com manutenção preditiva, destaca Hervé Boy —, mas por trás da ponte há uma zona onde o potencial das novas tecnologias dá um boost às capacidades do navio.
Chamam-lhe “Centro de guerra assimétrica”. “O objetivo principal é lidar com drones de curto alcance, que representam ameaças potenciais. Para isso, cria-se um sistema optrónico [uma combinação de eletrónica e ótica que utiliza luz para processar e transmitir informação] de última geração, apoiado por um software que auxilia na análise automática, principalmente com base em inteligência artificial”, descreve.
“Pode monitorizar, sem nenhum ponto cego, em 360 graus, dia e noite. Vê à noite como se fosse dia, e o sistema fornece automaticamente uma visão do que está ao seu redor, indicando se representa ou não uma ameaça”, continua. “Temos equipas responsáveis por este sistema para garantir a proteção do navio a qualquer momento e tomar as decisões apropriadas, se necessário”, conclui.

É precisamente para este sistema que, durante o Industry Day, realizado em outubro em Lisboa — do qual 17 empresas nacionais, de um total de 45, foram consideradas como ‘oportunidades’ a explorar — que uma empresa portuguesa foi sinalizada no radar do Naval Group como potencial parceira
“Este sistema já está totalmente operacional. Mas as ameaças continuam a evoluir diariamente. Portanto, precisamos nos manter atualizados”, diz Guillaume Weisrock. “A força de ser um integrador de sistemas como o Naval Group é sempre fazer parcerias com o que há de melhor no momento. Assim, durante este evento do setor, de entre as muitas empresas que identificamos para diferentes finalidades, uma delas chamou-nos a atenção para participar no desenvolvimento futuro de novas funcionalidades ou para aumentar o desempenho do sistema contra alvos de curto alcance e drones”, admite. Qual? Não diz. “A empresa foi identificada. Já abrimos um canal de comunicação. Enviámos um acordo de confidencialidade“, adianta, sem mais detalhes.
Essa lógica de integração é algo que o Naval Group diz querer levar a cabo com mais empresas nacionais. Mesmo se Portugal não comprar as fragatas? Sim e não. “A compra das fragatas ajudaria a garantir e agilizar todos os aspetos do projeto. Mas a principal ambição é ampliar a nossa cadeia de fornecimento e aumentar a participação de fornecedores europeus. Atualmente, 15% da nossa cadeia de fornecimento é europeia e a meta é chegar a 30%”, refere.
“Até o momento, identificamos 17 empresas, mas ainda há análises a serem feitas. Isso leva tempo porque reunimos uma grande quantidade de informação e conhecimento sobre essas 45 empresas, e essas informações estão a ser distribuídas pelos diferentes departamentos da empresa para serem avaliadas quanto à possível integração na cadeia de fornecimento, no nosso plano de R&D, tanto para a FDI como também para qualquer tipo de produto ou sistema”, diz.
As fragatas FDI — onde se centra a atividade dos mais de 2.600 empregados e 1.100 subcontratados do estaleiro no Sul da Bretanha — é apenas uma das classes de navios de superfície produzidos pelo Naval Group, que constrói desde navios patrulha, a porta-aviões, drones subaquáticos e de superfície, a submarinos com capacidades nucleares. Esse equipamento é produzido em Cherbourg, um dos sete sites do grupo em França.
No histórico Lorient não se constroem submarinos, mas as marcas da História recente da Europa são visíveis. Numa das margens, uma estrutura de betão serve agora de proteção a navios, mas na Segunda Grande Guerra era ai que o exército ocupante alemão tinha instalado a base para a sua frota de submarinos (U-boats) durante a batalha do Atlântico.

Contrapartidas para Portugal
Através dos seus diversos programas — cujo conceito quer levar para Portugal, caso obtenha a luz verde do Governo para a compra das fragatas, com o pagamento a ser garantido através do programa SAFE —, o Naval Group trabalha com marinhas da Grécia, Holanda, Indonésia, Brasil — onde constrói submarinos (não nucleares) —, Índia e, claro está, a França. Ao todo, 50 forças navais. Emprega mais de 16 mil pessoas e criou 40 mil postos de trabalho diretos e indiretos.
Segundo dados partilhados pela empresa, e referentes ao final do ano passado, o grupo gerou mais de 4,3 mil milhões de euros em receitas e tem encomendas na ordem dos 18,2 mil milhões de euros. “Dez milhões anuais são investidos no estaleiro de Lorient para tornar a produção mais eficiente“, adianta Hervé Boy.
Quanto ao certo o grupo propôs investir no Arsenal do Alfeite, não revela. “Não se trata apenas de uma parceria com o Alfeite, mas sim de colocar o Arsenal do Alfeite, em conjunto connosco, como um centro industrial para realizar a manutenção dos navios da FDI e de toda a frota portuguesa. E isso exige que tudo seja feito quase localmente, desenvolvendo e sustentando uma cadeia de fornecimento forte e resiliente a nível local”, assegura Guillaume Weisrock.

Seria uma joint venture a nova empresa, ou o Naval Group teria 51%? “Em igualdade de condições, mas estamos abertos a qualquer tipo de modelo. O principal objetivo é encontrar a melhor organização industrial e, consequentemente, a melhor organização jurídica para realizar a manutenção [dos navios] nas próximas décadas”, diz.
“Já estávamos em negociações há alguns anos com o Arsenal do Alfeite”, mesmo antes deste processo das fragatas se iniciar. “O Arsenal do Alfeite possui a experiência local necessária para realizar a manutenção de navios de guerra. É preciso modernizá-lo um pouco, principalmente a infraestrutura. Combinar a experiência do Naval Group e do Arsenal do Alfeite, com o investimento adequado, é fundamental para adequá-lo aos padrões europeus dos estaleiros”, considera o deputy director for Sales & Development Europe do Naval Group.
“Lorient tem capacidade para entregar duas fragatas por ano, uma a cada seis meses”, garante Hervé Boy o antigo oficial da Marinha Francesa.
E quando chegariam as de Portugal? A entrega “está alinhada com as expectativas e será feita a tempo”, diz apenas o deputy director for Sales & Development Europe do Naval Group. Ou seja, 2030.
*A jornalista viajou a Lorient a convite do Naval Group
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Naval Group. Na antiga “casa” dos U-Boats constroem-se as fragatas para vender a Portugal
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