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O patrão dos media cor-de-rosa que se escondia dos holofotes

Rafael Ascensão,

Dono de revistas cor-de-rosa, Jacques Rodrigues sempre fugiu dos holofotes. Quem é o patrão da Impala, detido por corrupção e burla agravada?

Na manhã desta quinta-feira o país acordou com a notícia da detenção Jacques Rodrigues. O dono do grupo Impala, editora da Nova Gente, TV7 Dias e Maria, foi detido pela PJ por suspeitas de fraude.

Mas quem é afinal o dono do grupo que detém muitas das publicações cor-de-rosa como a TV 7 Dias, Nova Gente e Maria, e ainda outros negócios que vão desde campos de minigolfe a hotéis?

Natural de Pombal e atualmente com 82 anos de idade (faz 83 no dia 2 de abril), Jacques Conceição Rodrigues é um dos mais antigos patrões dos media do país e também aquele sobre o qual menos se sabe. Dono das revistas “cor-de-rosa”, não concede entrevistas e são raríssimas as vezes em que urge em eventos públicos. À margem dos profissionais do meio, poucos devem conhecer a ‘fama’ Jacques Rodrigues. Nos últimos anos foi notícia pelos processos e ações judiciais em que esteve envolvido.

Os primeiros passos nos media foram dados na década de 70, em Angola, país para o qual emigrou depois de ter estudado até à quarta classe na Casa Pia e de ter começado uma carreira como tipógrafo em Lisboa. Começou por editar revistas eróticas e de cowboys, encerradas se não obtivessem sucesso imediato, conforme refere um artigo do Expresso de 1992.

A caminhada do grupo Impala começou a ser desenhada através da revista Nova Gente, cuja data de registo na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) é de agosto de 1976. Foi a 22 de setembro daquele ano que a primeira edição da revista chegou às bancas. Seguiram-se outros títulos como a Maria (1978) ou a TV 7 Dias (1987), todos líderes de circulação. Para se ter uma ideia, a Maria chegou a vender cerca de 300 mil exemplares por semana e tanto a Nova Gente como a TV7 Dias andaram nos 100 mil.

Em 1999 foi lançada a newsmagazine Focus, com um perfil distinto, era a entrada no segmento da grande informação. A revista durou 13 anos. Jacques Rodrigues terá ainda tentado lançar revistas no Brasil e a Maria em Espanha, mas sem sucesso.

No início dos anos 90, o grupo Impala parecia um caso de sucesso, Jacques Rodrigues foi inclusive um dos fundadores da SIC, detendo uma percentagem minoritária no canal.

A crise começou a bater à porta em 2008, também motivada pela quebra do investimento publicitário. A esta juntaram-se os problemas com a Electroliber, distribuidora com a qual trabalhava e que tentou comprar. Não conseguindo, retirou-lhe o negócio, o que acabou por decretar o encerramento da distribuidora, com a massa insolvente a processar a empresa de Jacques Rodrigues. A Impala ficou então obrigada a pagar cerca de 20 milhões de euros, revela a investigação da Sábado.

“Foi muito complicado” e foi nessa altura que Jacques Rodrigues começou a ficar pior – revela uma trabalhadora que fez parte dos quadros da empresa por mais de quatro décadas – porque até essa altura “as coisas corriam bem, não havia ordenados em atraso, havia dinheiro, foi a época áurea… Aí até 2009, depois começou tudo a descambar”, disse ao +M, preferindo manter o anonimato.

Havia choques de opiniões, personalidades. Como não faziam o que ele queria, havia sempre choques. Se tivessem uma opinião diferente, eram logo penalizados, as relações nunca foram muito boas.

Lurdes Matos, ex-jornalista do grupo que entrou em 2003 e saiu a 3 de novembro de 2020 no despedimento coletivo, corrobora que as “coisas começaram a ficar mal” por essa altura, sendo que em dezembro de 2011 Jacques Rodrigues e outros elementos da administração desceram à redação para informar que os trabalhadores não iriam receber o subsídio de Natal. “E a partir daí começou o descalabro“, relata a ex-jornalista, referindo que a partir daí ocorreram despedimentos em massa, ficando várias compensações por pagar.

No despedimento coletivo em que fui incluída em 2020 – era redatora principal da Nova Gente – ficaram a dever-nos meio ordenado, férias, folgas, horas e respetiva indemnização a todos os trabalhadores. É de frisar que, de 2011 até agora, a vários trabalhadores que foram despedidos e foram saindo, foram feitos acordos de pagamento e grande parte deles não foram concretizados porque as dívidas iam sendo incluídas em PER’s“. A situação foi-se arrastando PER após PER até a DescrobirPress entrar em insolvência em 4 de outubro de 2022.

É muito triste. Para mim é para esquecer. Só queria que ele me pagasse o que me deve que eu dei lá 40 e tal anos da minha vida. É muita tristeza“, diz outra fonte que deixou a empresa no mesmo despedimento coletivo.

A DescobrirPress, do grupo Impala, esteve envolvida em vários Planos de Revitalização Especial (PER), nomeadamente com do seu maior credor individual, a Electroliber, distribuidora que reclamava em 2015 perto de 20 milhões, segundo noticiou o Expresso. No segundo PER o mesmo valor era reclamado por outra empresa, a Sogapal, e no terceiro PER, em 2020, era a Impala Multimédia a credora, empresa esta que era do mesmo dono que a DescobrirPress, ou seja, Jacques Rodrigues, conta a Sábado. Em outubro de 2022, a agência Lusa, através de uma notícia também partilhada no ECO, deu a conhecer a insolvência da Descobrirpress.

Todas estas operações, prossegue o título da Cofina, passaram pelo revisor oficial de contas (ROC) destas empresas, José Rito, o mesmo que fez o EVEF (Estudo da Viabilidade Económico-Financeira) e empolou a viabilidade do Galaxy City, um parque temático a ser implementado num amplo terreno no concelho de Vila Nova da Barquinha (Santarém), num investimento superior a 100 milhões de euros que seria feito recorrendo a empréstimos bancários. O projeto nunca foi para a frente.

Para além do envolvimento nestes negócios pouco mais se falava sobre Jacques Rodrigues, além do seu suposto temperamento explosivo, nomeadamente para com os funcionários.

Lurdes Matos confirma que era difícil de lidar com Jacques Rodrigues “como é difícil de lidar com qualquer pessoa que não tem escrúpulos, que tem falta de educação, de bom senso e que não respeita os trabalhadores que com ele tinham de trabalhar, e que foi graças a esses trabalhadores que ele conseguiu o império que tem. As revistas não se fazem sem jornalistas”.

Segundo a ex-jornalista do grupo, eram várias as ofensas de Jacques Rodrigues, tanto presencialmente como por email. Mas estas situações eram extensíveis à família, sendo que “por diversas vezes” e “à frente de todos os trabalhadores” o dono do grupo Impala “mandava calar e chamava os familiares de incompetentes e de burros”, situação que aconteciam “quando lhe dava na cabeça e descia do terceiro piso para as redações a desancar mesmo todas as pessoas. Eram coisas mesmo inenarráveis”.

As quezílias com os familiares eram frequentes. Paula Rodrigues, que chegou a ser administradora, foi afastada por não concordar com tudo aquilo que o pai fazia, tendo sido incluída num despedimento há cerca de um ano e meio. Os filhos Cláudio Rodrigues e Hugo Rodrigues foram outros dois filhos que saíram da empresa depois de entrarem em confronto com o pai, revela a fonte contactada pelo +M.

“Eu acho que ele é um visionário. Só que depois não tinha as pessoas certas à frente das coisas. Não confiava nas pessoas. Punha os familiares e os familiares não tinham competência para o negócio. Ele tinha visão das coisas, estava muito à frente dos negócios, mas pronto era uma empresa familiar”.

Havia choques de opiniões, personalidades. Como não faziam o que ele queria, havia sempre choques. Se tivessem uma opinião diferente, eram logo penalizados, as relações nunca foram muito boas“, adianta outra fonte.

“Era uma pessoa complicada de lidar. Tinha coisas boas e coisas más, só que as más às vezes superavam as boas“, diz fonte próxima da administração, referindo que quando teve um problema familiar pessoal, Jacques Rodrigues foi “muito carinhoso”, chamou-a e demonstrou preocupação.

“Mas o maltratar as pessoas e os funcionários… Acaba por ficar o lado mau das coisas. Era educado, cumprimentava as pessoas, mas depois o lado mau dele superava o resto”. “Ele teve uma infância, por aquilo que eu percebi, difícil. Teve de trabalhar cedo”, revela a mesma fonte que pertenceu ao grupo perto de 30 anos, que considera que o patrão dos media é um visionário:

Eu acho que ele é um visionário. Só que depois não tinha as pessoas certas à frente das coisas. Não confiava nas pessoas. Punha os familiares e os familiares não tinham competência para o negócio. Ele tinha visão das coisas, estava muito à frente dos negócios, mas pronto era uma empresa familiar. Ele não confiava nas pessoas no trabalho. A empresa estava baseada nos filhos, as mulheres, as ex-mulheres”.

No seguinte vídeo, a partir dos 31:32 é notório o temperamento de Jacques Rodrigues. O vídeo é da sua intervenção na Comissão de Trabalho e Segurança Social, onde foi questionado por cinco deputados acerca dos problemas laborais do Grupo Impala. A partir dos 32:44, Jacques Rodrigues torna-se particularmente agressivo ao ser interrompido.

Em fevereiro de 2021, durante uma sessão deste grupo de trabalho, o credor Luís Monteiro Pereira afirmou que a Impala, dona das revistas Nova Gente e Maria, mantinha “ordenados em atraso” desde 2011 e contava, na altura, com 174 ex-trabalhadores à espera de receber créditos salariais, num valor acumulado de 2,85 milhões de euros.

Não obstante os pagamentos em atraso e os alegados constrangimentos e despedimentos na empresa, primeiro devido à crise do papel, depois porque as revistas não vendiam ou por causa do Covid, os sinais exteriores de riqueza por parte de Jacques Rodrigues foram-se mantendo, relata Lurdes Matos.

Outro evidente sinal da vida de luxo de Jacques Rodrigues passa pela mansão num condomínio de Cascais que tinha à venda por 7,5 milhões de euros, arrestada pela Justiça nas recentes detenções, revela a CNN, adiantando que o imóvel possuía mais de 1.200 metros quadrados de área, três andares, sete quartos e dez casas de banho.

Ao universo Impala revistas, livros e uma loja online com diversos artigos diferentes disponíveis. O grupo é ainda detentor, em Albufeira, de um parque de minigolfe e do hotel Ondamar – propriedade da Actitur, outra empresa de Jacques Rodrigues e cujo site se encontra “em atualização”.

Segundo o Portal da Transparência da ERC, atualmente Jacques Rodrigues é detentor direto de dez publicações: Nova Gente, Maria, TV 7 Dias, A Próxima Viagem, Soluções Casa, VIP Interiores – ideias e tendências, VIP Gourmet, VIP Anuário de Decoração, VIP Beleza, VIP.

Jacques Rodrigues, adiantou a ERC, detém ainda duas participações nas empresas Impala Capital SGPS Lda (10%) – que detém a Impala.Com, SA e a WorldImpalaNet, Lda. – e na Impalagest SGPS SA (99%). A Worldimpala.Net, Lda. detém as publicações periódicas online Impala News Portal de Notícias, Auto Mundo e Para Eles.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social não confirma se as publicações estão todas realmente a ser editadas ou não.

Contactada pelo +M, a ERC revela que a única alteração que registou mais recentemente foi a modificação do diretor da Nova Gente, em setembro de 2022, adiantando ainda que a Descobrirpress não tem registo na ERC como detentora de qualquer título.

Segundo apurou o +M, os recibos dos colaboradores eram passados em nome da Win, ou seja, WorldImpalaNet. Os trabalhadores, ou a sua larga maioria, encontram-se a trabalhar em regime de teletrabalho desde a pandemia, sendo que a administração decidiu transformar o edifício sede da empresa, de forma a rentabilizar o espaço. Os contratos com os trabalhadores definiem aquelas instalações como o local de trabalho, revelou a agência Lusa.

A ideia passava por ter um pequeno parque temático dentro edifício – com uma parte com Legos, sendo que foi construída, uma cafetaria e um restaurante – espaço que não chegou a entrar em funcionamento por não ter as licenças necessárias.

Jacques Rodrigues nunca esteve sob a luz dos holofotes e era bastante reservado quanto à sua vida pessoal e o seu passado. Tanto que os contactos do +M, alguns dos quais ocuparam lugares de ligação diária e direta com Jacques Rodrigues por cerca de 30 e 40 anos, pouco sabem sobre si. O porquê de nunca intervir publicamente também para estas pessoas é um mistério.

“Não sei se tinha algum problema em se exprimir, mas acho que não, que ele era uma pessoa que sempre se exprimiu muito bem e não era parvo nenhum. Apesar de só ter a quarta classe sabia bem e tinha conhecimentos. Era uma pessoa que sabia falar com toda a gente. Não era nenhum ignorante, era muito esperto”, afirmou uma fonte que esteve mais de 40 anos no grupo e que lidou diretamente com o dono do grupo Impala.

Já outra fonte refere que o empresário era uma pessoa “muito reservada” e que talvez não se sentisse muito à vontade para falar em público, referindo que nunca o tinha visto fora do escritório e que portanto só conhecia a sua faceta como sr. Jacques, o patrão. “Talvez por falar das vidas das personalidades, queria esconder a dele, não sei”, arrisca.

Das relações de Jacques Rodrigues com quatro mulheres resultaram nove filhos, o mais novo ainda menor de idade e o mais velho, entretanto falecido, teria hoje mais de 60 anos. A sua primeira companheira, e a única com quem se casou (1959-1981), foi coordenadora da revista Segredos de Cozinha. As outras companheiras também desempenharam papéis dentro do grupo.

Jacques Rodrigues é assim uma figura de que pouco se sabe, além das “cambalhotas” financeiras e de gestão entre grupos, estando agora sob suspeitas “fortemente indiciadoras da prática dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, insolvência dolosa agravada, burla qualificada e falsificação ou contrafação de documentos”, segundo a PJ.

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