“Portugal está na linha da frente no uso de custos simplificados” nos fundos europeus
Para chegar à metodologia de custos simplificados usada no PT2030, Portugal contou com a “ajuda preciosa” de um consultor italiano contratado por Bruxelas: Nicola Brignani. O ECO falou com ele.
Romper mitos, alterar paradigmas, mas, acima de tudo, simplificar e reduzir a carga administrativa e a margem de erro. É o que se pretende com o uso mais generalizado dos custos simplificados. A ordem veio de Bruxelas e o Portugal 2030 alarga o âmbito de utilização desta ferramenta.
Assim, em todos os concursos nacionais de I&D Empresarial nas tipologias de operação “Projetos de I&DT”, nas modalidades individual e copromoção e nos “Programas Mobilizadores”, os custos elegíveis serão calculados de forma simplificada. Uma prática que não era habitual ao nível dos sistemas de incentivos por causa das ajudas de Estado, segundo Alexandra Vilela, vogal executiva da Agência Nacional de Inovação (ANI).
E como é feito este cálculo? Os custos totais elegíveis do projeto (encargos com pessoal técnico, matérias-primas e materiais consumíveis, aquisição de serviços a terceiros, aquisição de instrumentos e equipamento científico e técnico, entre outros) passam a ser determinados com base num custo padrão: os custos unitários por recursos humanos afetos às atividades de I&D – denominado Equivalente a Tempo Integral (ETI)/mês.
Para já, está definido que o apoio será de 4.432 euros mensais por ETI nos projetos desenvolvidos em copromoção e 5.189 euros nos projetos individuais — valores que serão posteriormente atualizados à taxa de inflação. A diferença justifica-se por recorrerem mais à figura da subcontratação.
Estes montantes foram apurados após uma análise estatística de dados históricos do investimento elegível e do volume de horas, medido em ETI de 1.600 projetos de I&D, em regime individual e em consórcio, do Portugal 2020 até 2022, com uma taxa de execução superior a 75%. A esta amostra foram retirados os outliers, para não desvirtuar os valores, explicou Alexandra Vilela, vogal executiva da Agência Nacional de Inovação (ANI), numa sessão de esclarecimento que decorreu na CCDR de Lisboa.
Mas para chegar a esta metodologia, Portugal contou com a “ajuda preciosa”, nas palavras de Alexandra Vilela, de um consultor italiano, contratado pela Comissão Europeia.
E quem é este consultor? Nicola Brignani, um especialista em fundos estruturais que há mais de 15 anos trabalha na área das opções de custos simplificados e que oferece ajuda técnica e serviços de capacitação às autoridades que gerem fundos europeus.
“Devo dizer, honestamente, que Portugal está na linha da frente a nível europeu. Em termos gerais, está entre os três a quatro Estados-membros de topo em termos de experiência, conhecimento e utilização de custos simplificados”, afirma, em conversa com o ECO, Nicola Brignani. “Tal como disse muitas vezes aos responsáveis da Administração Pública portuguesa: teriam sido capazes de fazer o que fiz sozinhos. A sua experiência começou com o Fundo Social Europeu (FSE) e têm vindo a acumular experiência com o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder)”, acrescenta o consultor, que também trabalha como avaliador das Políticas de cooperação territorial.
Mas como começou este interesse nas opções de custos simplificados? “A minha empresa trabalha com este tópico da simplificação no uso de fundos estruturais há cerca de 15 anos”, conta. “Fizemos vários estudos ao nível da Comissão Europeia sobre os custos relativos ao uso de fundos estruturais – ou seja, quanto do dinheiro que é dado aos territórios é gasto na máquina. Nos últimos anos tornou-se cada vez mais evidente que, provavelmente, a ferramenta mais eficaz para reduzir os custos administrativos eram os custos simplificados. Este é o ponto de partida”, sublinha.
Assim, “começámos a desenvolver alguns conhecimentos e competências e desenvolver metodologias para a opção de custos simplificados”, conta. “A perceção da Comissão Europeia, com a qual concordo totalmente, é a de que esta é a solução mais eficiente.”
“Uma das queixas mais recorrentes relativamente à utilização dos fundos estruturais é o tempo necessário para comprovar as despesas”, explica Nicola Brignani. “Os fundos estruturais são caracterizados por camadas sofisticadas de controlo de como o dinheiro é gasto. Honestamente, penso que os podemos considerar como um dos sistemas mais avançados em termos de diferentes camadas e níveis de controlo”, admite. “Cada euro gasto é controlado múltiplas vezes por diferentes entidades. Esta é uma garantia de transparência, de que o dinheiro dos contribuintes é gasto em linha com as regras. Mas estas camadas de controlo significam custos administrativos”, alerta.
Os Estados-membros mais avançados, que usam esta solução, ao fim de 15 anos, estão a avançar para um sistema de reembolsos totalmente baseado em resultados.
“Se nos mantivermos no sistema normal de reembolso das despesas nos fundos estruturais, o chamado sistema de custos reais, para receber o dinheiro é necessário provar que o dinheiro gasto está em linha com as regras aplicadas pelo programa, através do envio das faturas”, elenca. “A verificação de tantos documentos arrisca que se cometam erros”, recorda.
Além de os evitar, a opção por custos simplificados visa focar as autoridades de gestão, mas também os beneficiários, nos resultados. “Os Estados-membros mais avançados, que usam esta solução, ao fim de 15 anos, estão a avançar para um sistema de reembolsos totalmente baseado em resultados. O que isto quer dizer? Só pagam [a formação] quando a pessoa que procura emprego o encontra”, exemplifica o responsável. Esta era uma das grandes alterações que o Governo de Pedro Passos Coelho tentou introduzir ao nível do FSE e dos apoios à formação profissional no Portugal 2020. Mas, ao longo do tempo, a aplicação do quadro comunitário acabou por não cumprir as regras inicialmente definidas no Acordo de Parceria.
“Portugal já foi capaz de refletir e propor soluções muito avançadas no sentido de evoluir para uma abordagem puramente orientada para resultados”, diz Nicola Brignani.
“Se quisermos alargar a discussão a termos mais genéricos relacionados com a política europeia, a abordagem do Fundo de Recuperação e Resiliência está mais orientado neste sentido. O reembolso das despesas não é feito com base no custo das mesmas, mas com base em resultados”, sublinha. Ou seja, por exemplo, Portugal só recebe os vários cheques do PRR se tiver cumprido as metas e marcos com que previamente se comprometeu junto da Comissão Europeia. Por outro lado, programas comunitários como o Horizon ou o Eramus há muito que utilizam a opção de custos simplificados. E a Comissão Europeia já definiu como regra que qualquer operação cujo valor de despesas totais é inferior a 200 mil euros tem obrigatoriamente de usar custos simplificados.
A opção de custos simplificados implica, ao ser uma média, que haverá alguém que vai receber dinheiro a mais face aos custos reais e alguém que vai receber a menos. Faz parte do jogo.
A opção de custos simplificados não é perfeita e os analistas identificam desde logo alguns problemas, nomeadamente os projetos com mais técnicos/colaboradores serem beneficiados em detrimentos dos outros; não serem permitidas exceções; as empresas com salários mais baixos serem beneficiadas; e haver a tentação de, a meio dos projetos, substituir os técnicos mais caros por outros com salários mais baixos.
Nicola Brignani não responde diretamente a estes riscos, escudando-se no facto de, a maior parte da vezes, isso ter a ver com as regras internas dos programas e não com a opção de custos simplificados. Ainda assim, reconhece que “a opção de custos simplificados implica, ao ser uma média, que haverá alguém que vai receber dinheiro a mais face aos custos reais e alguém que vai receber a menos”. “Faz parte do jogo”, remata. Mas, recorda, “o uso destas médias vai, certamente, produzir uma redução de tempo que os beneficiários vão gastar em termos administrativos”.
O especialista italiano considera que “a verdadeira avaliação e aferição dos ganhos finais só poderá ser feita no fim da implementação do projeto, comparando com a experiência dos custos reais”. Na sua opinião, o tempo que se ganha em termos de burocracia compensa até os casos em que os beneficiários acabam por receber um montante inferir face aos custos reais.
“Está provado – e também o posso dizer pela minha experiência – que os custos simplificados tornam os fundos estruturais mais atrativos”, conclui.
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