BRANDS' Local Online Sem poder local, não há cultura que resista
Empresários, produtores e agentes culturais lamentam falta de apoios do Estado central, enquanto autarcas garantem que é possível fazer mais.
Resiliência é a palavra que melhor caracteriza o espírito de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, são agentes da cultura em Portugal. Esta foi, de resto, a principal conclusão da conferência Cultura e os Desafios do Poder Local, organizada na quarta-feira pela Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa, e que juntou empresários, decisores e autarcas. “O investimento público na cultura não é um gasto, é um investimento”, sublinhou Vasco Morgado, líder da freguesia e ele próprio um filho de atores de teatro.
O evento, que contou com a participação de Carlos Moedas, procurou refletir sobre os principais desafios do setor e, sobretudo, encontrar caminhos para a sua resolução. Entre eles, o financiamento, que continua a ser o maior calcanhar de Aquiles e o obstáculo mais difícil de ultrapassar. Não fosse a intervenção das autarquias locais e a saúde cultural seria ainda mais deficitária, asseguram os empresários. “No nosso dia a dia, o poder local tem um papel fundamental. Faz com que muitas coisas possam acontecer”, apontou Ana Rangel, produtora da Plano6.
“Os municípios têm um papel fundamental”, reconheceu Isaltino Morais que, enquanto presidente da Câmara Municipal de Oeiras, diz ser preciso maior cooperação entre autarquias para dar força à área da cultura. “Não temos ainda uma cultura de cooperação entre todos. Portugal seria muito mais rico se pudéssemos compartilhar aquilo que cada um de nós faz”, concretizou.
Em Lisboa, afirmou Vasco Morgado, só nos últimos 15 anos “fecharam nove salas de espetáculos” e há quase três décadas que “o Parque Mayer não tinha três salas a funcionar ao mesmo tempo”. “A seguir à indústria farmacêutica, a indústria cultural é a que faz gerar mais dinheiro no mundo. É preciso não ter medo de investir na cultura”, insiste o responsável da Junta de Freguesia de Santo António. A política de Carlos Moedas para instalar um teatro em cada bairro já permitiu, adiantou o próprio durante a conferência, “fazer seis teatros” espalhados pela cidade – e mais se seguirão, garantiu.
Mas se parece consensual que faltam apoios do Estado central à cultura e que é o poder local que procura colmatar essa falha, os participantes acreditam ainda ser necessário rever a lei do mecenato. “A lei do mecenato está absolutamente obsoleta e devia ser revista”, critica Ana Rangel. Paulo Dias, fundador da produtora UAU que adquiriu o Teatro Tivoli, concorda e disse mesmo que “as empresas portuguesas não estão vocacionadas para apoiar projetos privados”.
Menos burocracia, mais incentivo
Para lá da dimensão financeira, há outros desafios que impedem o livre desenvolvimento da atividade cultural em Portugal. Um dos maiores é o nível de burocracia a que, muitas vezes, os projetos estão obrigados. “Há muita gente a desistir por causa do quão complexo é conseguir obter um licenciamento para um evento. Vou fazer eventos lá fora e não tenho de fazer 30 licenciamentos”, lamentou Paulo Silva, CEO da produtora New Sheet.
“É preciso ser muito determinado para ser empresário da cultura em Portugal”, confessou Luís Montez, o fundador da Everything Is New e responsável por muitos dos principais festivais de música em território nacional. Para o empresário, é preciso não apenas apostar na divulgação da cultura portuguesa nos palcos internacionais, mas também rentabilizar a ligação entre turismo e cultura. “Tem de haver um esforço para exportar a nossa cultura. Tem de haver um esforço de divulgação”, acrescentou.
Nas Festas de Lisboa, que arrancaram no início deste mês, uma grande parte do público já é composto por turistas que visitam a cidade, confirmam o presidente da Lisboa Cultura (antiga EGEAC), Pedro Moreira, e o coordenador da Marcha da Bica, Pedro Duarte. O líder da empresa municipal da cultura reconheceu, porém, ser necessário conseguir um “equilíbrio” entre o crescimento turístico – que é desejável – e a preservação das características locais que atraem visitantes ao território. “O nosso papel é criar mecanismos para trabalhar com os vários promotores culturais para a criação e desenvolvimento destes projetos”, disse Pedro Moreira.
“Centralização da cultura é erro crasso”
Carlos Abreu Amorim, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, marcou presença na sessão de encerramento da conferência para reforçar o compromisso do atual executivo para com a cultura. “Na cultura, compete ao Estado elaborar o desenho geral e criar as condições logísticas, financeiras e humanas para que os diversos agentes do setor possam executar as premissas básicas pretendidas”, disse. O responsável político concretizou, defendendo que a “centralização da cultura é um erro crasso” e que é importante assegurar as ferramentas necessárias para que, a nível local, se possa apoiar a produção.
“Na verdade, o Governo reconhece o muito que têm feito os nossos autarcas para conseguir proporcionar e disponibilizar às suas populações a eventos culturais e a uma verdadeira política de cultura”, assinalou.
Carlos Abreu Amorim garantiu que “o Governo está empenhado” em combater “o centralismo cultural”, mas adiantou também que é necessário resolver problemas antigos, em particular no que respeita à vida dos agentes culturais. “É fundamental corrigir o estatuto dos profissionais da cultura com vista à melhoria e à sua dignificação”, rematou.
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