Municípios estão menos endividados e ganham cada vez mais com imobiliário
Anuário dos Municípios Portugueses, apresentado nesta terça-feira, mostra que as receitas estão em alta e a independência financeira em queda. Imposto da transação de imóveis já rende mais que IMI.
Os municípios portugueses estão menos endividados e com maior capacidade para investimento. De 2014 para 2022, a dívida total recuou 2,65 mil milhões de euros, o equivalente a 39,3%. Já a receita total cobrada cresceu mais de 900 milhões de euros, para 11,77 mil milhões de euros. Os dados constam do 20.º Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, desenvolvido pelo Centro de Investigação em Contabilidade e Fiscalidade (CICF) do Instituto Politécnico do Cávado e Ave (IPCA) sobre os dados de 308 municípios, 142 empresas municipais (de um total de 159 existentes no país) e 23 dos 25 serviços municipalizados.
Após os longos meses de análise, a coordenadora do estudo, Maria José Fernandes, responsável do CICF, considera que “os municípios continuam a ter uma situação financeira muito sustentável, do ponto de vista orçamental, financeiro e capacidade global”, fruto do “ajustamento sentido ao longo dos anos, mais acentuado ao longo dos últimos”, explica ao ECO/Local Online.
Sinal desta melhoria, o nível de endividamento, de 2014 até 2022, apanhou menos 50 municípios em superação do limite, mantendo-se apenas 15 câmaras nesta situação. O estudo destaca Sintra como a autarquia com menor rácio de passivo, com 77,9 euros por habitante, enquanto Fornos de Algodres se encontra nos 6.041 euros por habitante, estabelecendo-se a média dos 308 municípios nos 627 euros.
Do lado das receitas, mostra o estudo, entre 2013 e 2023 a receita total dos municípios cresceu 3,96 mil milhões de euros, enquanto a receita efetiva disparou 62,8%, para 4,4 mil milhões de euros. Parte destas receitas ascendentes justifica-se pelas transferências do Estado. Por grupos de autarquias, repartidas entre pequenas, médias e grandes, vê-se que o peso da dotação estatal aumentou em todos. Isto deve-se em boa parte, conforme explica Maria José Fernandes, às verbas referentes à descentralização de competências.
Do lado do passivo financeiro, as maiores câmaras estabilizaram nos 2,7% verificados em 2022, mais de um ponto percentual (pp) abaixo de 2021, mantendo a linha descendente iniciada em 2019, e só interrompida no primeiro ano da pandemia, quando o passivo financeiro das autarquias foi de 1,6%.
Pelo contrário, a independência financeira, que considera o peso das receitas próprias na totalidade da verba encaixada pela câmara municipal, apresenta-se em queda.
Neste capítulo, as maiores autarquias atingiram o valor mais baixo do horizonte temporal 2013-2023, aquele que foi considerado pelos especialistas. Os 59,7% de independência financeira estão mesmo abaixo dos 60,9% que se verificavam no terceiro ano do período de assistência da troika. Com mais dinheiro a chegar para compensar a descentralização de competências, os municípios caem neste indicador.
Já nos municípios de média dimensão, “as transferências do Estado contribuíram ligeiramente mais que as receitas próprias para a receita total, com o peso médio, respetivamente, de 51,3% e 47%, tendo o peso das transferências do Estado subido 2,1pp e o peso das receitas próprias baixado 0,5 pp”, explica o relatório do estudo.
Na análise foram considerados os 308 municípios, desde o menos populoso, Corvo, com 435 habitantes, até Lisboa, com 567.131 pessoas. Os técnicos tiveram em conta a hierarquia dos concelhos, considerando os 187 que têm até 20 mil habitantes (categoria de pequenos), 95 municípios entre 20 mil e 100 mil habitantes (médios) e as 26 acima dos 100 mil cidadãos.
Esta divisão tem especial relevância na análise da independência financeira, variável em que os pequenos municípios se mostraram, em 2023, particularmente frágeis. Nestes, as transferências recebidas através do Fundo de Equilíbrio Financeiro valeram, em média, 71% das receitas totais, uma subida de 0,6 pontos percentuais (pp). Nos concelhos de média dimensão, as verbas próprias estão ao nível das transferências nacionais, mas notou-se um aumento de 2,1 pp dos dinheiros enviados a partir do Terreiro do Paço, para 51,3% do total. Nos grandes municípios, os pratos da balança deslocam-se no sentido oposto, com os dinheiros obtidos dentro das fronteiras do concelho a significarem 59,7% do bolo global do cofre municipal. Ainda assim, no ano anterior essa parcela era de 61,7%.
A observação do Corvo mostra a importância do Estado central para a estabilidade de territórios menos dinâmicos. Aquele pequeno concelho açoriano é onde as receitas próprias menos pesam, apenas 4,1%, sendo quase 96% garantidos pelo cheque do Terreiro do Paço. Pelo contrário, Óbidos é, entre os pequenos municípios, o que menos depende de Lisboa, detendo 79,9% de independência financeira. Nos de média dimensão, Arcos de Valdevez assegura por modo próprio apenas 23,2% do total de receitas, enquanto Albufeira dispara para 84,4%. Nos grandes concelhos, aqueles onde a média de autonomia financeira é superior, Barcelos apresenta 37,4% neste indicador, enquanto Lisboa se estabelece nos 84,3%.
A importância dos municípios no investimento público também tem neste estudo números que valem análise. Numa ótica de participação nas receitas do Estado central, os municípios portugueses ficam aquém da quase totalidade dos 24 países europeus considerados pelos técnicos. Pior que a situação portuguesa, onde apenas 15,2% das receitas públicas nacionais chegam às câmaras municipais, encontram-se somente as estruturas do Estado de nível regional ou municipal da Hungria (15%), Luxemburgo (11,5%), Irlanda (10,6%) e Grécia (8%). Estes valores são inferiores a 50% da média e encontram-se bem distantes dos Estados menos centralistas, dos quais se destacam a Dinamarca (65%), a Suíça (62,1%), a Espanha (59,9%), a Bélgica (53,7%), a Suécia (52%) e a Alemanha (51,9%).
Apesar desta fatia reduzida nas receitas públicas do país, as autarquias respondem por metade do investimento público nacional, acima da média de 45,9% dos países considerados nesta análise. Como referem os responsáveis pelo estudo, esta discrepância “sugere, claramente, uma maior intervenção dos municípios portugueses nas atividades de investimento público”.
“Os municípios fazem muito investimento”, destaca Maria José Fernandes, considerando que “têm muito responsabilidade, pelo que querem maior participação nas receitas do Estado”. A coordenadora do estudo deixa uma nota para o peso do Estado na contabilidade das autarquias, por via das receitas provenientes do Plano de Recuperação e Resilência (PRR). “O problema é que estes investimentos vão deixar muitas despesas de manutenção. Daqui a dois anos vai-se notar bastante”, alerta.
Ao ECO/Local Online, Maria José Fernandes destaca ainda a importância que o dinamismo do imobiliário tem na saúde financeira das autarquias. O IMT já supera o IMI, valendo 43% do total de receitas cobradas, enquanto o imposto anual significa 38%. A derrama, imposto que recai sobre empresas, teve um peso de 11%, enquanto o IUC significou 8% do total de receitas cobradas pelos municípios.
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