Ideias +M

Marca territorial tem de ser “claramente democrática”, mas “cada vez mais numa perspetiva concorrencial”

Rafael Ascensão, Susana Pinheiro,

A ideia foi defendida por Carlos Coelho, especialista em marcas, no debate "Marketing Territorial e como Promover com Sucesso uma Autarquia", com os autarcas Hugo Luís (Mafra) e João Leite (Santarém).

“Marketing Territorial e como Promover com Sucesso uma Autarquia” decorreu no Local Summit, no CCB, e juntou Carlos Coelho (fundador da Ivity Brand Corp), Hugo Luís (presidente da Câmara Municipal de Mafra) e João Leite (presidente da Câmara Municipal de Santarém). Foi moderado por Carla Borges Ferreira, diretora executiva do +M.

Atualmente, não há uma “diferença fundamental” entre aquilo que é uma marca comercial e uma marca territorial, sendo que hoje as marcas comerciais estão sujeitas a um escrutínio a que não estavam no passado e ao qual as marcas territoriais sempre estiveram sujeitas, entende Carlos Coelho, presidente da Ivity Brand Corp e especialista em marcas. Mas, uma marca comercial pode, de facto, ser “mais autocrática”, enquanto uma marca territorial tem de ser “claramente democrática”, o que diferencia as possibilidades de ação entre ambas.

A marca territorial tem de ser capaz de se afirmar tendo em consideração as sensibilidades e os públicos, mas cada vez mais numa perspetiva concorrencial”, alerta Carlos Coelho. Segundo o especialista em branding, uma marca territorial assenta em três fundamentos básicos — a história, a geografia e a cultura –, que são “o que define um território”, sendo “muito importante alinhar a estratégia de futuro com a identidade“.

Vejo muitas vezes que se está a tentar inventar e esquecemo-nos dos princípios básicos que nos distinguem. E esses princípios básicos muitas vezes estão em extinção, caíram em desuso“, diz dando como exemplo práticas artesanais, mas são essas as “grandes soft skills que valorizam o país”, defendeu.

Segundo Carlos Coelho, é preciso olhar para os “canhões da Nazaré”, ativos que sempre estiveram presentes, e não estar à espera de validação estrangeira, como aconteceu precisamente com a Nazaré. Mesmo assim, “é preciso escolher os melhores ângulos na promoção“, referiu, lembrando que foi possível tirar uma foto à onde gigante onde se apanhava o farol, o que permitiu dar escala à onda na fotografia e, portanto, mais impacto. “É preciso parecer para ser. Não basta ser. A qualidade intrínseca não é suficiente, temos de lutar pela qualidade percebida“, disse, acrescentando que o marketing trabalha em qualidade percebida e não intrínseca.

Vejo muitas vezes que, quando se gasta dinheiro numa marca, isso é feito quase com vergonha. Mas é tão fundamental como outras coisas consideradas mais estruturantes, sob pena de se ter algo ótimo. mas para o qual ninguém olha.

Carlos Coelho

Presidente da Ivity Brand Corp

“No entanto, uma marca é mesmo isso, a qualidade percebida, aquilo que nós dizemos sobre as coisas. É o dizermos que o nosso país vale mais do que o país do lado. Mas, fala-se de marcas ainda como uma coisa supérflua. Vejo muitas vezes que, quando se gasta dinheiro numa marca, isso é feito quase com vergonha. Mas é tão fundamental como outras coisas consideradas mais estruturantes, sob pena de se ter algo ótimo, mas para o qual ninguém olha“, alertou.

As ideias foram defendidas num painel integrado na primeira conferência Local Summit que, além de Carlos Coelho, juntou Hugo Luís, presidente da Câmara Municipal de Mafra, e João Leite, presidente da Câmara Municipal de Santarém, que destacou que o marketing territorial tem de ser encarado enquanto uma “ferramenta fundamental” na promoção dos territórios.

Segundo João Leite, é importante que os municípios promovam os seus componentes positivos para a atração de investimento, talento e também turismo. O autarca referiu ainda que Santarém está a ter o maior investimento privado das últimas décadas – no conjunto de diferentes setores, que vão desde o da saúde, ao hoteleiro ou de comércio –, como consequência da aposta da autarquia na promoção do concelho.

No entanto, “todos os orçamentos em marketing e comunicação [nas autarquias] são sempre residuais”, concedeu o autarca. Com um orçamento de 90 milhões de euros, o investimento que a autarquia de Santarém faz em comunicação e marketing não ultrapassa os 200/300 mil euros anuais, enumerou.

O caso de Mafra “é muito semelhante”, apontou, por sua vez, Hugo Luís, presidente da Câmara Municipal, afirmando que os valores investidos em comunicação e marketing “andam muito próximos dos 200 mil euros”.

Carlos Coelho defendeu ainda que o valor para o país será tanto quanto a sua capacidade de se “desfocar” de Lisboa e do Porto, uma vez que é necessário “olhar para as riquezas que há no resto do país, para atrair pessoas, investimento e turismo”.

O presidente da Ivity Brand Corp apontou que onde há “projetos com mais inteligência” não é em Lisboa e Porto e que os fatores de atração não passam só pelo dinheiro, mas também por ser um sítio onde se quer que os filhos crescem, onde haja “esperança de futuro”. Para isso, estes territórios precisam de ter academia, uma base empresarial multinacional, e um bom pilar social (onde se enquadra a saúde, educação, mobilidade) — ou seja, qualidade de vida, disse.

“O sítio onde mais encontrei esperança de futuro foi em Braga”, exemplificou Carlos Coelho, acrescentando que, na verdade, o país “está salpicado de exemplos fantásticos”.

Se queremos desenvolver o país é preciso apostar numa rede forte de segundas cidades. Em que se vá para outras cidades não porque não se arranja casa em Lisboa, mas porque têm um conjunto de incentivos“, concluiu o presidente da Ivity Brand Corp.

Questionado quanto à forma de possibilitar um passa-palavra dessa “esperança de futuro”, Carlos Coelho disse que isso pode ser feito através de uma ligação à comunicação social, ou com a criação de polos de agregação de municípios para criar promoções fortes, tendo até em conta que, por vezes, as comunidades intermunicipais (CIM) em que estes estão agregados são “casamentos obrigatórios, em que não se respeita a identidade dos municípios”.

Como bom exemplo, Carlos Coelho deu o conjunto dos concelhos de Braga, Barcelos e Guimarães, onde existe um “mapa identitário” para construir, com história, cultura e inovação.

Mafra enfrenta desafio “extremamente grande” de “bipolaridade” entre as marcas Ericeira e Mafra

Começando por referir que, nos últimos 20 anos, Mafra conseguiu duplicar a sua população, o presidente da Câmara Municipal de Mafra, Hugo Luís, disse que enfrenta o desafio de atrair pessoas – residentes, turistas ou visitantes – mas também, e “acima de tudo”, de criar uma “identidade local forte”.

O município faz ainda face a um desafio “extremamente grande” de “bipolaridade” entre as duas marcas do concelho que são Ericeira e Mafra. Enquanto Ericeira é uma vila muito mais jovem, dinâmica e com uma população emigrante que procura outro tipo de atrações – como o turismo de ondas -, Mafra tem um tipo de cultura muito associada ao Palácio Nacional de Mafra, acompanhada por uma identidade também “muito própria e forte”, explicou.

Temos este desafio de fazer conviver duas marcas, não canibalizando nenhuma e tirando o melhor de cada uma delas“, acrescentou. Estes dois ativos estratégicos permitiram a criação de duas marcas “muito fortes” que possibilitaram a promoção de um concelho que beneficia de estar a 30 minutos de Lisboa, observou ainda.

“Menos cimento e mais conhecimento”

Através da marca e do marketing o objetivo é apostar “no que faz perdurar as nossas políticas” municipais, disse também o presidente da câmara de Mafra, defendendo “menos cimento e mais conhecimento”. E, em Mafra, um grande trunfo passa pelo turismo militar que está a ser trabalhado numa lógica de parceria com o exército português.

Num concelho com obras militares edificadas e uma secular tradição equestre militar, esta aposta no turismo militar pode dar grande visibilidade ao território e atrair mais investimento e turistas, acredita o autarca.

Temos que voltar a trazer o cavalo para dentro das instalações militares, aproveitar este ativo associado ao exército, e potenciar e criar este turismo militar, turismo equestre“, defendeu Hugo Luís. Acresce a oferta gastronómica, o alojamento e proporcionar uma boa experiência ao turista, para que se renda à localidade e queira pernoitar e contribuir para a dinamização da economia local.

Para Hugo Luís, “o marketing não pode ser visto numa logica de curto prazo“, mas sim, de longo prazo para trazer retorno económico, atraindo turismo e investimento.

Touradas é trunfo diferenciador de Santarém

Apesar de admitir tratar-se de um tema “polémico”, o presidente da câmara de Santarém não mostrou dúvidas de que a tauromaquia é um trunfo “diferenciador” do território em relação aos demais do país, atraindo milhares de turistas nacionais e internacionais e criando riqueza e valor na economia local. A prova de que a tourada é um chamariz é a enchente “na maior praça [de touros] do país que a cidade tem”. “Organizamos eventos que atraem o país inteiro” e estrangeiros que pernoitam e criam valor na economia local, assinalou João Leite.

A boa gastronomia, o cavalo e o touro são a marca de Santarém. Tudo isso faz parte do nosso marketing territorial”, destacou o presidente da câmara de Santarém.

João Leite foi perentório em afirmar que “o marketing é investimento”, sustentado no “efeito multiplicador da presença da autarquia em eventos promocionais e no rebranding da marca Santarém”.

O resultado está a à vista: “Tem um efeito multiplicador na atração de mais pessoas que estão hoje a residir em Santarém” que está a crescer acima da média do país e tem cada vez mais investidores, disse.

Acresce a “aposta de fazer de Santarém a capital de gastronomia do país”, pela qualidade da restauração como mais outro chamariz do turismo.

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