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José Eduardo Moniz defende subsidiação do Estado em mecanismos de medição de audiências

Rafael Ascensão,

Moniz também criticou a ERC, entidade que "atrofia" o trabalho dos media. No evento organizado pela APIT foram ainda defendidas alianças com as grandes plataformas.

José Fragoso (RTP), Daniel Oliveira (SIC), José Eduardo Moniz (TVI) e Inês Lopes Gonçalves

José Eduardo Moniz, diretor-geral da TVI, defende uma eventual subsidiação por parte do Estado na medição de métricas de audiências, que mudaram bastante ao longo dos anos, com a transição da televisão linear para outros meios e formatos. A ideia foi defendida no painel “Novos valores, novos conteúdos?”, durante o 10º Encontro de Produtores Independentes de Televisão, organizado pela APIT, e que decorreu na última semana, em Lisboa.

Em relação às métricas, “temos um larguíssimo caminho para percorrer, porque o que era válido há uns anos atrás já não é válido hoje, com a enorme dispersão que existe. Basta compararmos as audiências da GFK com a das boxes, para notar que as discrepâncias são grandes”, começou por apontar José Eduardo Moniz.

O diretor-geral da TVI observou que quem paga por essa medição são “no essencial”, as três televisões em sinal aberto (RTP, SIC e TVI), sendo que “qualquer movimento que o mercado faça, no sentido de perceber melhor aquilo que se está a passar no mercado, recai sempre sobre os ombros dos mesmos“.

E com o fardo de encargos que já temos às costas, não é viável enveredarmos também com a subsidiação de mais um mecanismo qualquer. Se calhar competiria ao Estado, com um bom grau de independência, absorver ele próprio alguns dos mecanismos dos quais necessitamos para trabalhar no nosso dia-a-dia, em vez de se preocupar com a criação de entidades que atrofiam o nosso trabalho“, afirmou José Eduardo Moniz, exemplificando com o caso da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

O diretor-geral da TVI disse não saber “objetivamente qual o papel que é conferido” a esta entidade e não ver “utilidade prática na função que desempenha”. “Acho que a ERC peca nos mesmos moldes que pecam outras instituições em Portugal, como seja a justiça: funciona tarde e a más horas, aplica multas quando elas não fazem sentido, tem critérios múltiplos para as decisões quando a objetividade devia guiar a sua atividade”, afirmou.

As ideias do responsável da TVI sobre a medição de audiências vêm na sequência da ideia avançada por Daniel Oliveira, diretor-geral de entretenimento da SIC, de que os conteúdos das televisões já não se resumem ao que é transmitido de forma linear no televisor.

O novo normal é esta mudança constante. Esta capacidade que vamos ter todos de ter, em conjunto, de conseguir reter a atenção das pessoas. A televisão generalista é feita para quem tem tempo, quando tem tempo, e nós queremos também captar a atenção da população que não tem tempo. E para isso temos de ter a capacidade de fazer movimentos para disponibilizar esses conteúdos”, disse.

“Ou seja, os conteúdos televisivos continuarão a ser relevantes, independentemente da forma como as pessoas acedem a esses conteúdos. Grande parte do visionamento que temos na OPTO [serviço de streaming da Impresa, dona da SIC] é das novelas que também temos no nosso canal generalista, porque há pessoas que as preferem ver de seguida e quando quiserem. O conteúdo não deixa de ser relevante. Acho que se coloca agora é uma questão de medição“, afirmou ainda Daniel Oliveira.

Alianças com plataformas de streaming sim, mas com “muitas atenção”

Quanto a uma “deslinearização” da televisão, José Fragoso, diretor de programas da RTP, acrescenta que a mesma já está feita ou se está a fazer. “Mas como vamos todos ser plataformas, estar dentro de plataformas, é muito importante olhar para as plataformas de streaming como concorrentes também“, avisou.

O diretor de programas da RTP sublinhou, no entanto, que há projetos onde faz sentido um alinhamento com uma grande plataforma de streaming, exemplificando com várias produções como “Ponto Nemo”, “Glória” ou “Codex 632” que a RTP não teria conseguido sem essas parcerias.

Também José Eduardo Moniz já tinha dito que é preciso “saber jogar com outros que são muito maiores do que nós” e que “já não serve o orgulhosamente sós”. “Às vezes é necessário ir para a cama com o inimigo, o que significa que estamos a fazer incursões com entidades que, à nossa custa, podem estar a conquistar uma posição muito melhor. Mas é assim que as coisas se fazem, temos de viver numa lógica de interdependência, eles servem-se de nós e nós deles e não podemos depender só de uma entidade“, explicou.

José Fragoso concordou com a ideia. “Quando conseguimos esse entendimento faz todo o sentido. Em boa verdade as plataformas também nos dão uma boleia a nós, mas a questão é fazer essa evolução com muita atenção. Há alturas em que não se pode dar abébias ao inimigo“, defendeu.

Sobre uma plataforma de streaming conjunta entre os três canais para fazer frente às grandes plataformas de streaming, José Fragoso começou por referir que já houve experiências na Europa que “funcionaram mal”, mas que “do ponto de vista conceptual” fazia sentido que operadores que falem português estivessem juntos.

Até acho que deveríamos fazer isso com operadores brasileiros e ir à procura de estações africanas que também pudessem entrar. Temos de ir à procura desses mercados e, se estivermos alinhados, disponibilizar na mesma plataforma conteúdos diversificados em língua portuguesa. Mas há diferentes visões de como isto pode funcionar e a verdade é que somos um país com pouca escala. Se calhar todos juntos não conseguimos sequer alavancar uma plataforma que seja capaz de se impor. Mas é um tema que deve estar em cima da mesa, convém estar de olho aberto“, defendeu o responsável da RTP.

A ideia de criar uma plataforma de streaming conjunta já tinha também sido defendida no evento por Nicolau Santos, presidente do conselho de administração da RTP, que, no entanto, não pareceu convencer os responsáveis dos canais privados.

A IA nas produções

Sobre a utilização de inteligência artificial (IA) nas produções, José Fragoso sublinhou que se está numa “fase muito inicial” em Portugal e que “quem está fora e em mercados com mais escala percebe que existem outras soluções” que vão impactar a indústria, incluindo soluções que permitem que não seja necessário deslocar equipas entre locais.

“É um tema que não se pára com as mãos. É preciso acompanhar, estudar, estar atento, ter mecanismos de validação, transparência nos processos e é necessário que a componente humana esteja presente porque o talento humano é muito difícil de substituir. Mas nos processos mais industriais a IA vai entrar aos poucos e trazer eficiência”, apontou o diretor de programas da RTP, referindo no entanto que é preciso haver limites, como sejam aqueles relacionados com questões de direitos de autor.

Por parte da SIC, Daniel Oliveira avançou que a estação tem vindo a testar sistemas para a legendagem automática de conteúdos, que têm um bom resultado mas que precisam sempre de uma curadoria humana. Além disso, também já é possível, através de máscaras, fazer com que os atores representem versões das suas personagens mais jovens, pelo que deixa de ser necessário recorrer a atores mais novos para esses papéis.

Há um caminho a fazer, que vai mudar o modo como produzimos os conteúdos, mas não vamos abdicar da mão humana. Vamos ter novas profissões e outras vão deixar de ser tão relevantes. É uma evolução constante“, concluiu.

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