Jornalismo

Comissão da Carteira de Jornalista volta a ir a votos para eleger presidente. Vai manter-se o impasse que dura há cinco meses?

Rafael Ascensão, Lusa,

A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista está sem liderança desde fevereiro por empate nas votações. Vai novamente a votos esta sexta-feira, mas tudo indica que o impasse se mantenha.

Sem presidente desde fevereiro por empate nas votações, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) volta a ir a votos, num plenário que tem lugar durante a manhã desta sexta-feira. Acabar-se-á com o impasse na cooptação do presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas esta sexta-feira? A perspetiva é que o mesmo se mantenha, uma vez que os dois grupos que votam defendem posições diferentes.

Em causa está o facto de os membros eleitos pelos jornalistas considerarem que deve ser um jornalista a presidir ao órgão, enquanto os membros eleitos pelos operadores do setor da comunicação social não apresentam uma linha de critério tão “fechada”, apontando inclusive que a lei defende que o elemento a ser eleito deve ser um “jurista” e não um jornalista.

Sublinhe-se que o presidente da CCPJ tem de ser “um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social, cooptado, por maioria absoluta, pelos oito jornalistas que compõem a CCPJ”, lê-se no Regime de Organização e Funcionamento da CCPJ e da Acreditação Profissional dos Jornalistas.

A jornalista e jurista Luísa Meireles e o advogado Henrique Pires Teixeira foram os candidatos indicados pelas partes até aqui e que levaram ao impasse, ao dividirem por igual o número de votos, não conseguindo nenhum deles obter a maioria prevista na lei. Os membros da CCPJ indicados pelos operadores do setor consideram que Luísa Meireles, atual diretora de informação da agência Lusa, não é a pessoa indicada para o cargo, e os eleitos pelos jornalistas defendem que a pessoa a ser eleita presidente deve ser jornalista.

Para o plenário desta sexta-feira, Luísa Meireles voltará a ser a proposta dos membros eleitos pelos jornalistas, enquanto os membros designados pelas empresas de comunicação social vão apresentar nome de uma outra pessoa, também jurista (e não jornalista), sabe o +M.

Luís Mendonça, um dos elementos da CCPJ designados pelos operadores do setor, diz que os dois nomes (de Luísa Meireles e de Henrique Pires Teixeira) “já não fazem parte da equação”, referindo que perante o impasse que se tem verificado “ficou combinado” no último plenário a apresentação de uma “terceira via”, ou seja, de outros candidatos, por ambas as partes.

Neste sentido, Mendonça diz que os elementos eleitos pelos jornalistas não selecionaram uma outra pessoa e que lançaram comunicados, aos quais os membros designados pelos operadores do setor foram “obrigados a reagir”. O jornalista e diretor do Notícias de Vila Real acrescenta ainda que os jornalistas designados pelos operadores do setor tinham a intenção de dar a conhecer previamente o nome que vai ser proposto esta sexta-feira em plenário mas que, após as “posições públicas” tomadas, tal não aconteceu.

Já Alexandra Correia, dos elementos eleitos pelos jornalistas, defende que a apresentação de uma terceira via foi “uma sugestão”, não tendo isso ficado efetivamente combinado. Segundo a porta-voz, essa opção não foi recusada pelos eleitos pelos jornalistas, mas também não houve um comprometimento em apresentar outro nome, até porque o nome que têm indicado é “fortíssimo” e “credível”.

“Se quiserem apresentar uma terceira via não recusamos. Estamos empenhados numa solução”, diz ao +M, embora sublinhando que o voto em alguém que não seja jornalista “está fora de questão”. Os eleitos pelos jornalistas defendem inclusive uma revisão da lei para que o presidente da CCPJ não tenha, obrigatoriamente, de ser jurista.

Luís Mendonça concorda que eventualmente se mude a legislação nesse sentido, mas que agora o importante era conseguir-se chegar a um consenso, apontando que os eleitos pelos jornalistas “não querem negociar”. Além disso, tendo a presidência dos últimos dois mantados sido assumida por jornalistas, “talvez seja hora de voltar a um jurista”, diz, relembrando que a última presidente, Licínia Girão, foi eleita por proposta dos eleitos pelos jornalistas, tendo três destes acabado por renunciar depois ao cargo durante o seu mandato por “divergências” com a presidente.

Espero que consigamos chegar a um consenso. Era importante, principalmente nesta altura de véspera de negociações“, diz também Alexandra Correia, tendo em conta a recente tomada de posse do Governo que anunciou a pretensão de avançar com alterações legislativas de fundo relacionadas com o setor.

No plenário desta sexta-feira, os membros eleitos pelos jornalistas deverão assim manter a aposta no nome da jornalista e jurista Luísa Meireles, enquanto os membros designados pelos operadores do setor vão apresentar um outro nome, sendo também ele jurista e não jornalista.

Com os membros eleitos pelos jornalistas a defenderem afincadamente que a presidência da CCPJ deve ser de um jornalista e com os elementos designados pelos operadores do setor a não validarem o nome de Luísa Meireles, é expectável que o impasse, que já dura há cerca de cinco meses, se mantenha.

Membros eleitos pelos jornalistas não abdicam de jornalista na presidência

Perante o impasse na cooptação do presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas, e já depois do último plenário, os jornalistas eleitos lançaram também um comunicado onde reafirmaram “o seu compromisso inicial, assumido desde o momento da sua candidatura: manter um jornalista à frente da CCPJ”.

Segundo estes, “o órgão que regula uma classe profissional deve ser liderado por alguém que conheça, entenda e viva a profissão que rege“. Ora, salientam, num momento em que os jornalistas eleitos para a CCPJ defendem que “esse ponto deve ser uma das prioridades na discussão com o Governo”, não podem aceitar que o presidente daquele órgão “não subscreva” aquela que é uma das suas preocupações.

Apesar de discordarem da exigência de que a Comissão seja presidida por um jurista, os jornalistas eleitos — “como a lei assim o exige” — salientam ter indicado Luísa Meireles por se tratar de “um nome relevante na profissão e que, simultaneamente, cumpre o requisito de jurista, imposto pelo regime legal”.

Para os jornalistas eleitos para o plenário, a prioridade é “lutar pelo reforço da dignidade da CCPJ, resistindo a tentativas de intromissão que ponham em causa a sua independência”. Neste sentido, sustentam, e “num momento em que o Governo anunciou alterações legislativas de fundo, como a revisão do Estatuto dos Jornalistas que pretende inclusivamente definir o ‘ato jornalístico’, a vasta experiência e indiscutível mérito de Luísa Meireles será uma mais-valia para a CCPJ”.

Sindicato também apoia eleição de jornalista

Entretanto, também o Sindicato dos Jornalistas (SJ) reagiu ao impasse na eleição, observando que o mesmo é “nocivo“. O SJ, no entanto, apontou baterias aos membros da CCPJ designados pelas empresas de comunicação social.

Receamos que a inflexibilidade até aqui demonstrada pelos membros indigitados pelas organizações patronais leve a um maior desgaste e descredibilização da CCPJ, órgão que está fragilizado, em particular, pelo subfinanciamento que dificulta o objetivo dos serviços de exercerem uma fiscalização mais eficaz às violações ao Estatuto dos Jornalistas”, referiu em comunicado na semana passada.

Condenando “a tentativa de menorização dos jornalistas que significaria a escolha de um elemento estranho ao jornalismo” para regulação da profissão, o Sindicato disse ainda não poder aceitar “esta tentativa de regresso ao passado” por entender que o órgão regulador da atividade dos jornalistas deve ser presidido por jornalistas, como sucedeu nos dois mandatos anteriores.

A escolha por Luísa Meireles “tem o total apoio do Sindicato dos Jornalistas, que vê na atual diretora da agência Lusa uma “pessoa com uma sólida experiência, um currículo profissional e uma postura social que são garantia de seriedade, rigor e independência para o exercício das funções”. Por isso, disseram ainda não entender o veto a Luísa Meireles “por parte dos membros indigitados pelas organizações patronais e empresariais”.

Para o SJ, este impasse “artificializado na cooptação da pessoa presidente só serve para impedir a resolução dos problemas efetivos, e mostra a necessidade de o plenário da CCPJ passar a ser constituído, exclusivamente, por jornalistas eleitos entre pares”.

Reação dos jornalistas designados pelas associações

Perante a tomada de posição por parte do Sindicato dos Jornalistas, a reação dos membros designados para a CCPJ pelas associações não se fez tardar, tendo os mesmos “repudiado” as declarações emitidas pelo Sindicato dos Jornalistas. O comunicado do Sindicato revelava “uma visão profundamente sectária e divisionista dos profissionais do setor, que em nada contribui para a estabilidade e eficácia da CCPJ“, apontaram.

Na nota enviada pela Associação Portuguesa de Imprensa (API) e assinada ainda pelos representantes dos Operadores de Televisão, Associação Portuguesa de Radiodifusão e Associação de Imprensa de Inspiração Cristã, lia-se que “os jornalistas designados para a CCPJ pelos operadores do setor da comunicação social repudiam as declarações emitidas pelo Sindicato dos Jornalistas, considerando-as desinformadas, divisionistas e lesivas da credibilidade do órgão regulador“.

“Os jornalistas designados pelos operadores do setor lamentam que o Sindicato insista numa retórica que não só desinforma como procura dividir artificialmente os jornalistas, promovendo uma visão redutora do pluralismo e da legitimidade que deve reger este órgão regulador”, acrescentava-se no comunicado.

Enquanto o Sindicato dos Jornalistas (SJ) considerou que o impasse na cooptação de quem vai presidir à CCPJ, que se prolonga há cinco meses, os representantes dos operadores “reafirmam a legitimidade do processo em curso, bem como a necessidade de preservar a CCPJ como uma entidade reguladora da atividade jornalística, plural, independente e isenta de lógicas corporativas ou sindicais”.

Consideram também que a CCPJ “não é, nem pode ser, uma extensão do sindicato”, salientando que “existe para defender a atividade jornalística, e não exclusivamente os jornalistas — essa é a função do sindicato, que deveria concentrar-se em cumpri-la com maior responsabilidade e menos ingerência em processos institucionais democráticos”.

Segundo o comunicado, “a acusação de atraso no processo de cooptação do(a) Presidente da CCPJ é, além de infundada, um exemplo flagrante de desonestidade intelectual“, acrescentando que “desde o primeiro momento em que o atual Plenário tomou posse (a 19 de fevereiro) sempre existiu, da parte dos jornalistas designados pelos operadores do setor, um candidato à presidência da CCPJ: o advogado Henrique Pires Teixeira”.

Os representantes dos operadores atribuem a culpa do atraso aos jornalistas “eleitos através da lista apresentada pelo Sindicato”, assegurando que pediram dois adiamentos, em março, e que “o nome de Luísa Meireles [diretora de informação da Lusa] surgiu pela primeira vez no Plenário de 1 de abril”.

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