Remuneração dos media pelas plataformas é “poucochinha”, defende Visapress
Carlos Eugénio, diretor executivo da Visapress, faz o balanço da diretiva dos direitos de autor no mercado único digital, analisa os desafios do clipping e a relação com as plataformas internacionais.
O diretor executivo da Visapress, entidade que faz a gestão coletiva dos direitos de autor nos media, defende que seja encontrada uma nova metodologia para remunerar os conteúdos de forma eficaz nas plataformas, já que atualmente é “poucochinha”.
Em entrevista à Lusa, Carlos Eugénio defende a alteração da metodologia da remuneração, no âmbito da lei dos direitos de autor no mercado único digital, aborda o negócio do ‘clipping’ e fala dos desafios da Visapress.
Questionado sobre o que gostaria de ver alterado na lei, o diretor executivo admite que, “olhando para trás e para os pressupostos que levam à remuneração dos editores de imprensa que estão vertidos na lei”, eventualmente, “deve existir uma alteração que permita fazer com que os editores de imprensa consigam ter uma remuneração mais concreta“.
De forma a permitir “sobreviver e ver a justa remuneração daquilo que são os conteúdos que produzem e que são utilizados pelas plataformas”, acrescenta o diretor executivo, que admite ser atualmente “poucochinha”.
Até porque “não é aquilo que nós pensávamos, muito por conta daquilo que foram os mecanismos que foram encontrados para conseguir adequar a utilização e a remuneração dos conteúdos“, refere.
“Teremos que encontrar uma outra metodologia para ver os conteúdos remunerados de uma forma mais eficaz e eficiente“, considera o responsável.
Carlos Eugénio admite que haverá sempre “um entrave muito significativo quanto aos dados de tráfego”, recordando que qualquer tipo de dado “não pode ser sindicado pela entidade licenciadora, seja a Visapress, seja qualquer outra”, e até o próprio editor “não consegue sindicar a utilização que é feita e isso aí é logo um problema significativo”.
Contudo, “no princípio da confiança e da boa-fé, aquilo que acreditamos é que as plataformas nos dão a informação correta”, diz.
Depois, há um fator que não é tangível, mas que “não está a ser levado em consideração, que é a importância que aquele conteúdo tem naquela plataforma, independentemente da remuneração que possa estar diretamente ligada àquele conteúdo”.
Por exemplo, a Google ou a Microsoft se nos seus motores de busca não tiverem conteúdos de imprensa “ficam mais pobres”, porque “aquilo que é o objetivo é indexar tudo aquilo que está na Internet”, prossegue.
Pelo que “questões intangíveis como a qualidade do serviço que é prestado por essas plataformas vai ser afetada, a credibilidade pode ser beliscada, pode levantar aqui e ‘n’ questões laterais”, diz Carlos Eugénio.
Aquilo que “acreditamos” é que “a forma como está feita a metodologia de cálculo deve ter em consideração outros fatores que não são [apenas] aqueles que foram lá vertidos”, defende.
Carlos Eugénio cita um estudo feito por uma entidade de gestão coletiva alemã (houve outro feito por uma entidade suíça) que “demonstra, efetivamente, o impacto que há nas plataformas quando não têm notícias”, em que se assiste a um “valor significativo de queda de tráfego e de queda de credibilidade da plataforma” quando os utilizadores não encontram notícias.
“Podemos questionar se as plataformas podem ou não viver sem isso. Eu acredito que não podem. E não podem exatamente porque são as notícias que alimentam diariamente e que mexem diariamente com tudo aquilo que são as novidades que entram dentro dos ‘feeds’ de pesquisa”, conclui.
Temos perto de 20% a 30% de mercado licenciado, algumas entidades espantam-nos por não estarem ainda licenciadas, sabendo nós, através dos portais de contratação pública, que têm ‘clipping’ contratado e que o distribuem internamente.
Quanto ao licenciamento do ‘clipping’, a Visapress tem “alguns desafios”. O negócio de uma empresa de ‘clipping’ passa pela compra ou subscrição digital de um título, recorta as notícias conforme a necessidade do cliente e depois entrega.
“É esta a licença que eles têm, não é mais do que isso. É entregar uma cópia ao seu cliente, não é entregar múltiplas cópias”, explica o diretor executivo. Depois os clientes das empresas de ‘clipping’ têm que estar licenciados também, se quiserem partilhar várias cópias dentro da sua organização.
“Temos desafios pela confidencialidade dos contratos, não conseguimos saber quem são as empresas que são clientes das empresas de ‘clipping’ e aí temos algumas barreiras para ultrapassar, que vamos tentando, com a sensibilização, responsabilidade social, contactando empresas que entendemos que devem ter serviços de ‘clipping'” para fazer cumprir a lei, diz.
“Temos perto de 20% a 30% de mercado licenciado, algumas entidades espantam-nos por não estarem ainda licenciadas, sabendo nós, através dos portais de contratação pública, que têm ‘clipping’ contratado e que o distribuem internamente”, aponta.
A título de exemplo, “a Câmara Municipal de Lisboa não está licenciada, não obstante (…) termos contactado a Câmara ‘n’ vezes nos últimos anos“, diz.
“Estamos também a ponderar, principalmente para as entidades estatais, lá está, contratação pública, avançar com algumas ações no sentido de ver os nossos direitos garantidos, mas é algo que vemos que ainda temos algum caminho pela frente de crescimento, não têm sido anos maus, mas de alguma forma temos muito para fazer”, prossegue.
“Todas as verbas que nós arrecadamos do licenciamento entregamos aos editores de imprensa, que são, no final do dia, quem produz, cria, investe, na informação de qualidade”, reforça.
Sobre o principal desafio da Visapress nos próximos anos, Carlos Eugénio elege o crescimento no licenciamento e fazer perceber que o direito de autor “é algo que contribui para os editores de imprensa poderem ter uma receita que os mantenha, pelo menos, tão saudáveis quanto possível”.
A imprensa, “não me canso de dizer, é o grande garante da nossa democracia e com uma imprensa fraca temos uma democracia certamente menos forte“, conclui.
Visapress defende mais transparência nos algoritmos de IA
O diretor executivo da Visapress considera também que tem de haver mais transparência nos algoritmos de inteligência artificial (IA) e considera a tecnologia como uma ferramenta tal como uma máquina de escrever.
A IA “traz novas formas de os utilizadores abordarem aquilo que são as pesquisas, o acesso à informação, os resumos que são efetuados”, mas as questões que a tecnologia coloca em cima da mesa são “se a informação que é veiculada pela inteligência artificial é ou não é uma informação credível, uma informação com verdade dos factos”, diz Carlos Eugénio.
“Sabemos que os algoritmos” de IA “são criados por pessoas” e que “há sempre um enviesamento daquilo que é o sentir da pessoa que criou”, o que tem impacto naquilo que é a saída do conteúdo, aponta.
A IA precisa de grandes quantidades de dados (informação) para produzir conteúdos de qualidade. “Como é que essa quantidade de informação entra dentro do sistema para poder depois dar os conteúdos de qualidade? É uma questão que nos assalta o espírito na medida em que não há transparência na maior parte dos algoritmos“, da forma como são treinados, onde e como recolhem o conteúdo e a forma como o entregam, enfatiza.
Essa falta de transparência está a ser discutida na Europa por via do regulamento da IA, nomeadamente qual é o nível de transparência que tem que existir. “Portugal e Espanha foram pioneiros numa carta que foi enviada para as discussões que decorrem em Bruxelas a pedir mais transparência. No nosso caso, só com transparência é que nós conseguimos aferir efetivamente qual é a necessidade que existe de quem tem esses algoritmos de estar licenciado ou não”, salienta Carlos Eugénio.
“Acredito que esses algoritmos também necessitam de muita informação noticiosa para produzirem conteúdo de qualidade, principalmente aqueles que funcionam com a língua portuguesa de Portugal” e, “mal ou bem, temos regras muito apertadas naquilo que é a produção de conteúdos”, prossegue.
Estas regras “são aquilo que nos fazem ter uma qualidade acima da média” nos falantes de português, pelo que “o treino dessas máquinas para o português deve ser valorado”, defende.
Temos que perceber como é que o ordenamento jurídico e as obrigações de transparência vão acontecer e vêm de Bruxelas para Lisboa para percebermos até onde é que podemos ir e de que maneira é que podemos atuar, principalmente naquelas plataformas que se recusam a falar com quem quer que seja.
Atualmente, “não temos nenhuma entidade que tenha algoritmos de inteligência artificial licenciada para tal”, afirma. Com o acordo “que fizemos com a Microsoft existe ali uma abertura para o Copilot, mas não é exatamente aquilo que nós queremos”, por isso “temos de esperar” como “esperámos pela transposição da diretiva”. Ou seja, “temos que perceber como é que o ordenamento jurídico e as obrigações de transparência vão acontecer e vêm de Bruxelas para Lisboa para percebermos até onde é que podemos ir e de que maneira é que podemos atuar, principalmente naquelas plataformas que se recusam a falar com quem quer que seja”, diz.
Essas são as “mais complicadas de debelar a ilicitude da utilização dos conteúdos porque nem todas estão em áreas que o direito de autor consiga ser implementado”, admite.
Contudo, “acreditamos (…) que a obrigação de transparência vai ser aquilo que nos vai permitir perceber até que ponto é que os conteúdos estão a ser utilizados, como devem ser remunerados para, posteriormente”, entregar esse conteúdo ao seu titular de direito, no caso da Visapress os editores de imprensa.
Questionado sobre se a IA pode ter direitos de autor, Carlos Eugénio responde: “Para existir autoria de o que quer que seja tem que existir o cunho humano, ou seja, tem que ser feito pelo eu da pessoa e não pelo eu da máquina que não existe“.
“Na minha opinião, sendo que ainda não há grande doutrina sobre esse tema (…), acredito que há cunho do autor quando, das várias perguntas que são feitas ao algoritmo de inteligência artificial se chega a um ‘output’ que satisfaça a pessoa que pediu que a máquina computasse daquela forma”, argumenta.
Aliás, “vejo a inteligência artificial como vejo uma máquina de escrever, um bocadinho mais evoluída, mas é quase o mesmo”, explica.
A tecnologia ajuda a produzir com mais rapidez, eventualmente com mais qualidade e, “dessa maneira, acho que o homem que controla a máquina (…) não é menos autor do que o homem que escreve numa máquina de escrever, que está a controlar a máquina na mesma e é titular daquilo que acaba por sair”, conclui.
Visapress tem acordos fechados com Google e Microsoft
O diretor executivo da Visapress afirma que a entidade que faz a gestão coletiva dos direitos de autor de jornais e revistas fechou até agora acordos apenas com a Google e Microsoft. Em entrevista à Lusa, Carlos Eugénio faz o balanço da diretiva dos direitos de autor no mercado único digital, o qual entrou em pleno vigor no início de 2024.
“Fechámos primeiro com a Google, que teve sempre uma atuação proativa naquilo que diz respeito ao pagamento e a estar de acordo com a lei” e “depois fechámos também com a Microsoft”, sendo que, “neste momento, são as duas únicas com quem temos acordos fechados”, adianta o responsável.
A Visapress teve algumas negociações com plataformas, sendo que “só houve uma única que voluntariamente” quis negociar esse direito, disse. “Todas as outras com quem falámos, umas não quiseram vir à conversa, outras vieram à conversa, demorou algum tempo até termos fumo branco relativamente àquilo que é o valor da licença”, explica o diretor executivo.
Destaca ainda “algumas surpresas no que respeita aos valores em questão, porque a forma como a lei foi redigida, de alguma maneira, acabou por não nos dar uma latitude muito significativa no que diz respeito ao poder negocial” que esperava ter.
Nomeadamente “na parte da criminalização da utilização de conteúdos sem autorização pelos titulares de direitos, que é algo que está na lei portuguesa já há uma série de anos, praticamente desde o início do Código de Direito de Autor nos anos 60“, aponta Carlos Eugénio.
O responsável diz que este novo direito não poderia fugir a essa regra em termos legislativos e que esse facto, “de alguma maneira, acabou por ser um entrave no poder negocial.
Isto porque “uma vez que uma das grandes plataformas, aquilo que arguiu, era a desindexação de todos os conteúdos, e bem, por conta das questões de cumprimento daquilo que é a lei, se não tivéssemos um acordo fechado”. Ou seja, “de alguma forma fomos impelidos a fechar acordos com valores que não seriam aqueles que de todo desejaríamos, mas foi o possível”, admite o diretor executivo, adiantando que a Visapress está neste momento a fazer a primeira distribuição de valores, sem revelar os montantes acordados.
Contudo, os acordos fechados são apenas com duas plataformas. Por exemplo, “o Facebook tomou logo uma posição um pouco coerente, digamos assim, sendo que era uma das fontes de tráfego mais significativas para os meios informativos. Optou por voltar atrás e começar a remover esse tipo de conteúdos ou criar algumas barreiras para que esse tipo de conteúdos aparecesse nos ‘feeds’ do Facebook e isso levou a que a posição que eles tomaram relativamente àquilo que seja o licenciamento para a utilização dos conteúdos, que é disso que estamos a falar neste novo direito, não acontecesse”, explica prossegue Carlos Eugénio.
O negócio de venda conteúdos noticiosos está “complicado neste momento, é uma luta pela sobrevivência diária, financeiramente falando, e aquilo que o Facebook fez foi empobrecer ainda mais quem lhe dava conteúdos de qualidade e que permitiu prosperar nas relações que cria entre os seus utilizadores.
Até porque “a postura que tomaram” foi de que “se querem continuar a publicar coisas no Facebook têm que nos ceder os direitos de uma forma completamente gratuita” e “sabemos que os direitos do autor estão sempre na disponibilidade do autor, ele pode fazer aquilo que entender com esses direitos, pode dá-los gratuitamente, pode licenciá-los, pode, no fundo, pô-los à disposição de terceiros da forma como achar mais coerente“, diz.
Assim, explicou que o Facebook tomou uma posição de, “não será monopólio”, mas de “cadeia de distribuição forte”, obrigando, de alguma forma, a que “os editores de imprensa cedessem os direitos de forma gratuita”, lamentou, recordando que a Visapress alertou, na altura, que isso não era sustentável.
O negócio de venda conteúdos noticiosos está “complicado neste momento, é uma luta pela sobrevivência diária, financeiramente falando, e aquilo que o Facebook fez foi empobrecer ainda mais quem lhe dava conteúdos de qualidade e que permitiu prosperar nas relações que cria entre os seus utilizadores”, critica.
“Aguardamos que o Facebook tenha uma posição diferente, que a Europa, quando fizer o balanço desta diretiva, olhe para todas estas questões e todos estes problemas que foram levantados e que consiga endereçar isto de uma forma mais concreta e robusta, porque de outra maneira está sempre a luta do David contra o Elias“, referiu.
A Visapress acredita que “a responsabilidade social do Facebook há de acontecer e que vão certamente perceber que o caminho que fizeram não era o mais correto”, sublinha Carlos Eugénio.
A transposição da diretiva deu à Visapress “um mecanismo chamado gestão coletiva alargada para a imprensa regional”. Ou seja, “sendo a entidade mais representativa do setor naquilo que diz respeito à cobrança de direitos, ficou mandatada de uma forma direta” – quem não quiser basta pedir para não ser – para “representar tudo aquilo que é o universo digital dos jornais regionais e isso deu-nos aqui alguma força negocial em certa altura”, conta.
No que respeita aos títulos nacionais, impera o princípio de autonomia privada, que significa que são livres de negociar diretamente com as plataformas.O que considera perfeitamente aceitável, até porque diz saber que “há vasos comunicantes naquilo que são os negócios dos editores com as plataformas”.
“Em alguns casos, não fazia sentido absolutamente nenhum nós estarmos a licenciar algo que já foi, eventualmente, o direito cedido pelo editor”, explica.
A Visapress representa, também, pela gestão coletiva alargada, cerca de 600 editores de imprensa, nacionais e regionais, segundo o responsável.
“O Observador e a Newsplex, que têm o Sol e o I, desde o dia 16 deste mês, passaram a ser, também, cooperadores da VisaPress, o que quer dizer que a nossa legitimidade e a nossa representatividade em Portugal [em termos nacionais] ronda os 95% daquilo que são os editores de imprensa“, remata.
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