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A renovação foi a razão da saída de António José Teixeira da RTP? “Se houve algo mais, não consigo responder, mas é uma pergunta legítima”

Rafael Ascensão,

Recentemente exonerado do cargo de diretor de informação da RTP, António José Teixeira diz não saber "se houve algo mais" que justifique a sua saída mas que essa é uma "pergunta que legítima".

“Nunca saberei se calhar completamente todas as razões que possam estar nas circunstâncias por detrás da decisão. A razão que me foi apresentada, de renovação, é uma que eu obviamente devo considerar como motivo para o que aconteceu. Se houve algo mais, eu não consigo responder, mas é uma pergunta que obviamente é legítima“.

As palavras são de António José Teixeira, recentemente exonerado do cargo de diretor de informação da RTP, e foram ditas na audição parlamentar desta quarta-feira. “Sou jornalista há bastantes anos e tenho feito algum exercício de análise política. Poderia até correr o risco de tentar fazê-lo, de alguma forma em causa própria, mas não acho que isso seja obviamente adequado. E portanto deixo para outros a avaliação do que entenderem em relação ao contexto, ao timing, etc“, afirmou também.

O jornalista disse ainda que a decisão da exoneração da direção de informação foi “legítima”. Embora seja “sempre questionável por todos, encaro-a, apesar de me/nos poder ter surpreendido quando ocorreu, com alguma naturalidade no sentido em que os mandatos não são eternos. E nesse ponto de vista é uma decisão legítima”, disse.

A audição de António José Teixeira surgiu por proposta do PS, em dois requerimentos separados, tendo ambos sido aprovados por todos os partidos. Além do ex-diretor de informação, também será ouvido o Conselho de Administração da RTP sobre a demissão do ex-diretor de informação e a reestruturação da empresa pública de rádio e televisão.

A direção de informação da RTP foi demitida a 24 junho pela administração, que anunciou o jornalista Vítor Gonçalves como novo diretor de informação da RTP. A alteração aconteceu na mesma altura em que a gestão anunciou uma reorganização interna, enquadrada nos objetivos do novo Projeto Estratégico para o triénio 2024-2026.

O presidente do conselho de administração da RTP, Nicolau Santos, justificou entretanto a exoneração de António José Teixeira com os resultados da RTP3. No entanto, António José Teixeira reiterou esta quarta-feira as dúvidas quanto a este argumento, que já tinha apontado num artigo de opinião.

Apesar de haver mais operadores no mercado, os resultados da RTP3 não se alteraram nos últimos três anos. Com isto não quero dizer que estamos satisfeitos com eles. Espero ter oportunidade de desenvolver este tema porque temos vindo a trabalhar e a empresa tem vindo a investir significativamente para melhorar as condições de trabalho e a imagem do canal, que está muito desgastada, e que há 20 anos não era objeto de investimento significativo”, disse na audição parlamentar.

António José Teixeira sublinhou ainda que a RTP “não tem como primeira justificação combater a concorrência no mercado”, mas sim a obrigação de “ser distintiva e oferecer um serviço de qualidade aos portugueses“. “E isso não é uma questão deste ou daquele conselho de administração. Faz parte do contrato de concessão de serviço público, das suas obrigações, do plano estratégico e do modelo de governação que a RTP tem desde que Miguel Poiares Maduro lhe deu forma e garantiu condições de autonomia que são muito relevantes para a empresa”, acrescentou.

Sobre possíveis pressões e condicionamentos, disse já ter convivido “com muitos Governos de cores diversas”. “E quando digo que há sempre pressões, houve sempre pressões, existirão sempre pressões, é porque isso faz parte da nossa vida. A sociedade tem interesses. Nunca me ouviram, ao longo dos anos, queixar-me que fui objeto de pressões. Acho que não faz muito sentido, o que faz sentido é se as pessoas convivem, resistem e acabam por fazer o seu trabalho independentemente das pressões”.

O jornalismo deve ser independente por natureza e não por ser serviço público. O serviço público deve ser independente apenas ainda de uma forma mais acrescida. E acho que é preciso e é importante que a Assembleia da República também se preocupe com um jornalismo livre e independente no país, não apenas na RTP, que tenha condições de trabalho, um ambiente político que o favoreça, para que continue a ser livre e independente e faça o devido escrutínio dos poderes. Na RTP também pensamos assim e também foi assim que trabalhámos e espero que continue a ser assim que vamos continuar a trabalhar”, acrescentou.

A alteração na direção de informação foi comunicada sem que a administração tenha ouvido previamente o Conselho de Redação da RTP, contrariando um norma da Lei da Televisão segundo a qual “a designação e a demissão do responsável pelo conteúdo informativo dos serviços de programas televisivos são da competência do operador de televisão, ouvido o Conselho de Redação.”

Essa ausência levou os membros eleitos do Conselho de Redação da televisão a denunciarem o facto de este órgão não ter sido auscultado. O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) também notificou a administração da RTP para “reiterar” que a gestão tem a “obrigação legal” de solicitar “a pronúncia do Conselho de Redação previamente à decisão de destituir e nomear diretores de informação dos serviços de programas televisivos do operador de serviço público”.

António José Teixeira disse esta quarta-feira que não se pronuncia em relação à legalidade dos procedimentos, mas adiantou que já foi ouvido pela ERC e que o conselho de administração também já solicitou o conselho de redação os devidos pareceres tanto sobre a exoneração como sobre a nomeação do novo diretor de informação.

“Sobre se as formalidades foram ou não respeitadas, obviamente que há mecanismos que têm de ser observados nestas matérias e julgo que eles estão a correr nesta altura. Julgo que foram tomadas as decisões devidas, independentemente se foi no tempo certo ou se podia ser mais rápido ou não”, acrescentou.

Com a reestruturação anunciada, o organograma da RTP passa a estar organizado em quatro grandes áreas de atividade e será subdividido em 28 direções, em vez das 39 atuais: corporativa (10), operações (4), conteúdos temáticos (7) e conteúdos programáticos (7). Ao mesmo tempo, o número de diretores e diretores-adjuntos passa de 30 para 23, segundo um comunicado emitido pelo conselho de administração no dia em que foi anunciada a exoneração de António José Teixeira.

No âmbito da renovação e qualificação dos trabalhadores, o plano elegia também como fatores críticos de sucesso o lançamento de um plano de saídas e novas contratações “com competências digitais”, a realização de um programa de formação “multiplataforma, inteligência artificial e funções técnicas” e manutenção da paz social, com “maior participação, mecanismos de motivação e maior transparência na comunicação”.

Recorde-se que a primeira fase do plano de saídas voluntárias da RTP, cujas candidaturas terminaram a 18 de abril, contou com mais de 130 candidatos, um número que se situou “acima do previsto”. O custo previsto para esta fase situava-se na ordem dos 5,5 milhões de euros. Uma segunda fase de saídas voluntárias está prevista para o final do ano, mas dependerá de financiamento.

Além do plano de rescisões, a empresa tem em curso investimentos de cerca de 16 milhões na remodelação de instalações, nomeadamente os estúdios, e na compra de material. Nicolau Santos refere que foi pedido – e já autorizado pelo Governo – um financiamento de 40 milhões de euros. Em 2025, a RTP deverá ter um prejuízo de 18,2 milhões de euros, interrompendo 15 anos consecutivos de lucros, estima o presidente. O regresso aos lucros deverá acontecer em 2027.

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