Imobiliário “aquecido” vale cada vez mais às câmaras. IMT cresce até dez vezes numa década

No espaço de uma década, a receita do imposto cobrado na transação de um imóvel cresceu até dez vezes nas contas de algumas autarquias.

O dinamismo do mercado imobiliário está a refletir-se num reforço financeiro das câmaras em Portugal, tendo já elevado o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) à categoria de mais valioso imposto para as autarquias, mostra o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, promovido pela Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e desenvolvido pelo Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA). Os encaixes financeiros em sede de IMT chegam a aproximar-se de metade do total das receitas obtidas por um município.

Se, em 2014 (primeiro ano desta análise do Anuário), o encaixe fiscal resultante das transações representava 32,3% do valor do IMI, Imposto Municipal de Imóveis (pago anualmente pelos proprietários), agora, em 2024, significou 115,2%. Este é um claro reflexo de quão importante se tornou para as autarquias o dinamismo do mercado imobiliário. Ainda assim, nas câmaras de pequena e média dimensão, o IMI ainda é, de forma generalizada, mais proveitoso que o IMT.

No espaço da década analisada no Anuário de 2024, apresentado nesta terça-feira, há casos de concelhos onde se verificou a multiplicação por dez das verbas de IMT. A partir dos números do Anuário, o ECO/Local Online analisou a “imobiliário-dependência” de dezenas de municípios, numa receita que, como mostra o período crítico do pós-troika, tem tanto de atrativo como de volátil.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Curiosamente, e como recordam os autores do Anuário Financeiro, chegou a ser discutida a retirada aos municípios da receita de IMT. Há uma década, a Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) encomendou um estudo em que tal era preconizado, mas várias vozes – desde logo dos responsáveis da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP – lutaram contra essa alteração.

No total dos municípios portugueses, as contas mostram uma subida de 3,5 vezes na cobrança, tendo passado dos 487,67 milhões de euros de 2014 para 1,73 mil milhões em 2024, mas na lista dos 35 concelhos que mais arrecadam em IMT, há variações bem mais significativas no crescimento desta receita ao longo do período analisado no Anuário Financeiro, 2014-2024.

Municípios com maior receita cobrada de IMT em 2024 e respetivo peso na receita total (Fonte: Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses 2024)

Quando se observa o histórico do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativo a transações e ao índice de preços, a nota principal é o crescimento exponencial do mercado imobiliário a partir de 2014, segundo ano consecutivo de crescimento das transações, mas ainda abaixo dos valores verificados até 2011, em pleno período do programa de intervenção da “troika”.

Os dados do INE revelam que, do lado da comercialização, mudaram de mãos, há onze anos, 84.215 imóveis de habitação. Já em 2024, ainda segundo o INE, transacionaram-se 156.325 habitações, o que não chega ao dobro. Logo, perante crescimentos de receita de IMT até dez vezes, e considerando que o IMT é um imposto cobrado pelo Estado aquando das transações imobiliárias (dependendo tanto do número de imóveis vendidos quanto do valor do negócio), ganha relevância a componente preço.

Do ponto de vista meramente contabilístico, uma autarquia ganha quando a escassez de habitação ou o o aumento da procura (ou ambos os fenómenos, em simultâneo) se reflete no crescimento abrupto dos preços de comercialização, dos quais depende a arrecadação de receita em sede de IMT.

Segundo cálculos do ECO/Local Online, Mafra, concelho que inclui zonas marcadamente urbanas e próximas de Lisboa – da vila sede do município até Venda do Pinheiro –, juntamente com vasta área rural e ainda a vila da Ericeira, destaca-se claramente no reforço de verbas no período em análise.

Se Lisboa, de longe a autarquia com maiores verbas de IMT (275,5 milhões de euros), pouco mais que duplicou receitas neste espaço de dez anos, Mafra, que em 2014 arrecadara 2,25 milhões de euros em IMT, viu entrar nos seus cofres, no ano passado, quase dez vezes mais: 21,84 milhões.

Também pertencente à Área Metropolitana de Lisboa, o Seixal foi o segundo concelho do país com reforço de verbas mais significativo no horizonte 2014-2024, com aumento de quase nove vezes no encaixe financeiro em IMT.

A cidade historicamente governada pelo PCP arrecadou 3,15 milhões de euros em IMT em 2014. No ano passado multiplicou por quase nove, para 28 milhões. A título comparativo, na sede do seu distrito, Setúbal, a evolução foi de 3,3 milhões de euros para 19,3 milhões, crescimento de quase seis vezes.

Nesta mesma lista dos 35 concelhos mais abonados em IMT, só o Funchal se aproxima destes níveis de crescimento de receita, passando de 3,6 milhões para 31,2 milhões, um reforço substancial de 8,7 vezes. Com ganhos entre seis e sete vezes estão Maia, Gaia e Almada, e entre os quatro e seis vezes de aumento encontramos mais de uma dezena de edilidades. A saber: Setúbal, Famalicão, Portimão, Sintra, Silves, Aveiro, Amadora, Tavira, Sesimbra, Guimarães, Leiria, Grândola e Cascais.

Liquidez de várias autarquias indissociável das receitas de IMT

Neste último grupo, Portimão chegou a crescer mais de 12 vezes, de 2014 para 2023, quando obteve 38,8 milhões de euros de IMT, mas entretanto sofreu uma perda de relevo e o crescimento de verbas é agora inferior a seis vezes. O município do barlavento assume, com várias outras das 16 edilidades algarvias, posições de relevo nas várias dimensões da análise de valores de IMT. O distrito de Faro forma, com Lisboa, Porto e Setúbal, um grupo que vale três terços de toda a coleta de IMT no país.

Note-se, contudo, que nenhum dos 16 concelhos algarvios está no grupo dos grandes municípios (mais de 100 mil habitantes). Já os outros três distritos concentram mais de metade das 26 autarquias que superam esta fasquia populacional. Em teoria, quanto mais habitantes tiver um município, maior o número expectável de transação de imóveis, mas, na prática, o Algarve mostra que tal não é líquido.

Estes 26 municípios significaram, segundo cálculos do ECO/Local Online, 59% do total do IMI arrecadado pelos 308 concelhos do país.

Por distritos, em todos eles se regista uma subida da cobrança de IMT, mas é na Madeira que esta atinge um valor mais expressivo, à boleia do concelho do Funchal. Face ao valor arrecadado em 2014, a região autónoma aumentou o montante em 8,7 vezes, em linha com o Funchal, onde têm surgido novas construções em segmentos altos.

IMT cobrado por distrito (Fonte: Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses 2024)

Ponto relevante da análise do Anuário Financeiro é também o peso do IMT nas receitas totais dos municípios, elemento comprovativo da relação entre a dinâmica do imobiliário e a liquidez financeira autárquica.

Entre os 35 concelhos com maiores quotas do IMT nas receitas totais, Loulé, que inclui o “triângulo dourado” Vilamoura-Vale do Lobo-Quinta do Lago, é o caso mais evidente, com 46,5% das suas receitas totais a provirem da dinâmica da transação de imóveis. Este número está para lá dos 43,4% de Grândola (número que só não é maior porque a receita de IMT encolheu 31% face ao ano anterior) e dos 38,8% de Cascais. Com dependência do IMT em mais de um terço das receitas totais estão ainda Tavira e Lagos.

Também no Algarve, saliente-se o caso de Portimão: no ano passado, 25,6% das receitas totais provieram do IMT, praticamente o dobro da média nacional de 13,2%. Contudo, se a dependência da dinâmica de transação de imóveis não é ainda superior naquele concelho é porque em 2024 registou um trambolhão de 50% na coleta, descendo de 38,8 milhões de euros para 19,3 milhões.

IMI, o lado A do imobiliário

A coleta de IMT está, como vimos, associada à transação de imóveis. Já o IMI resulta da simples existência do património num município, ainda que exista uma importante variável: a taxa que o Executivo camarário decide cobrar, de entre 0,3% e 0,45%. O Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses 2024 contempla também contas relativas ao que os municípios prescindiram com a decisão de desonerar os proprietários, uma vez que podem definir a taxa, dentro de certas bandas pré-estabelecidas.

A perda de receita em Lisboa com a redução do IMI (da taxa máxima de 0,45%, aplica 0,3%) somou 68,8 milhões de euros, cerca de 20% mais que os 56 milhões de euros que resultam da soma das perdas em Sintra (22,1 milhões), Porto (17,13), Cascais (15,93) e Oeiras (14,85 milhões).

Facto digno de registo é a posição de Loulé e Albufeira, concelhos vizinhos e com zonas de habitação de luxo, na “poupança por cidadão”, um cálculo que o Anuário apresenta a partir de uma relação simples entre o valor cobrado a menos pelos municípios face ao máximo permitido por Lei (e que em alguns casos contém um viés, como os autores alertam: quanto maior o valor patrimonial, mais relevante é o montante absoluto do desconto na taxa).

Municípios com maior receita cobrada de IMI em 2024

Loulé, com 75,76 mil habitantes e uma cativação de 0,3% do IRS dos seus munícipes, deixou de receber 14,76 milhões de euros, a sexta quantia mais volumosa no país (só precedida por Lisboa, Sintra, Porto, Cascais e Oeiras, cinco dos mais populosos municípios), com isto representando uma poupança de 195 euros por cidadão em sede de IMI.

Já em Albufeira, onde também é cobrado 0,3%, deixaram de entrar nos cofres da autarquia 9,74 milhões de euros, o que perfaz uma média aritmética de 200 euros por cada um dos 48.807 munícipes. Em Lisboa, a poupança por cidadão foi de 119 euros. Em nenhum outro dos 20 concelhos com maior valor de IMI cobrado se atingem mais de 100 euros de poupança por munícipe.

Refira-se ainda que neste “top 20”, só os dois algarvios não pertencem ao grupo dos grandes municípios, definidos como aqueles que têm mais de 100 mil habitantes. Se olharmos a totalidade do ranking com 35 concelhos, apenas mais um proporcionou poupança individual média acima de 100 euros. Também aqui, é uma das 16 edilidades do Algarve, Loulé: 160 euros per capita.

Municípios com maior diferença entre o IMI cobrado e o IMI a cobrar se fosse aplicada a taxa máxima de 0,45%

Nos municípios que mais cobram em IMI, o top 20 tem 16 concelhos com mais de 100 mil habitantes. Os restantes são Mafra (18.º) e o trio algarvio Loulé (9.º), Portimão (17.º) e Albufeira (19.º).

Destes, Portimão é aquele onde o IMI mais peso tem no total das receitas, valendo 26,8% do total de dinheiro encaixado pelo município. A média nacional do IMI nas receitas totais é de 11,4%. O município deste “top 20” que mais se aproxima é Almada, com 19,6%. Apenas Sintra e Oeiras ficam abaixo da média nacional.

Para Portimão, fica o alerta da redução verificada na coleta de IMI. O concelho do barlavento algarvio é um dos 197 no país onde se verificou uma baixa (em 2023 eram 83), no caso na ordem dos 1,6 milhões de euros, fixando-se agora em 20,3 milhões.

Já do lado do aumento de coleta de IMI em 2024, face ao ano anterior, o Algarve tem, na lista dos 20 principais, apenas um município, Vila Real de Santo António, o sétimo com maior reforço, na ordem dos 376,5 mil euros. No topo desta lista, Lisboa destaca-se claramente, passando de 129,4 milhões de euros cobrados em 2023 para 137,6 milhões.

Considerando este acréscimo de mais de oito milhões em IMI à disposição do Executivo de Carlos Moedas, é necessário somar os 17 municípios que se seguem na lista (do Porto à Nazaré, passando por Almada, Amadora, Loures, Matosinhos e Odivelas, entre outros) para atingir, no mesmo ano de 2024, um valor similar de reforço das receitas de IMI.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Imobiliário “aquecido” vale cada vez mais às câmaras. IMT cresce até dez vezes numa década

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião