BRANDS' Local Online Linha do Douro: dirigentes lamentam atrasos na obra
Em entrevista ao ECO, Fontaínhas Fernandes, Liga dos Amigos do Douro Património Mundial, e Nuno Botelho, Associação Comercial do Porto, comentam os atrasos na eletrificação da linha do Douro.
A eletrificação do troço Marco-Régua, da linha do Douro, tem sido tema pelos sucessivos atrasos nas obras, que têm levado a que este projeto deixe para trás alguns concursos de apoio à eletrificação, dos quais fazia parte.
Inicialmente, o projeto começou por ter sido inscrito no Ferrovia 2020, e, posteriormente, foi para o PNI 2030. Consequentemente, com os atrasos associados à obra, o projeto passou para o próximo quadro comunitário de apoio, no entanto, o concurso internacional para execução da obra expirou em janeiro deste ano, após já duas prorrogações.
Mas a que se devem estes atrasos? E quais são as consequências dos mesmos? Em entrevista ao ECO, Fontaínhas Fernandes, presidente da Liga dos Amigos do Douro Património Mundial e ex-reitor da UTAD, e Nuno Botelho, presidente da Associação Comercial do Porto, respondem a estas e outras questões.
“O estado atual é de um enorme e preocupante atraso. O projeto de eletrificação da Linha do Douro, entre Caíde e Régua, foi anunciado, pela primeira vez, em 2016, na apresentação do Ferrovia 2020. O primeiro projeto para o troço Marco-Régua data do ano seguinte e acabou suspenso em 2019, por alegadas dificuldades técnicas do consórcio a quem foi adjudicado. Com a pandemia, o processo estagnou e acabou relegado para o novo quadro de financiamento plurianual 2021-2027, que corresponde ao PT 2030. Já em meados do ano passado, o Governo acelerou a abertura do concurso público para a eletrificação no troço Marco-Régua, a tempo de fazer o ‘brilharete’ e anunciar obra antes das cerimónias do 10 de junho – Dia de Portugal, realizadas precisamente no Peso da Régua. A verdade é que esse mesmo concurso internacional, no valor de 118 milhões de euros, sofreu já duas prorrogações nos últimos meses e, em janeiro de 2024, terminou o prazo de respostas para os eventuais interessados, começou por explicar Nuno Botelho.
Fontaínhas Fernandes acrescentou, ainda, que quanto à modernização do troço Régua-Pocinho, “estima-se que a conclusão dos estudos, projetos e avaliação do impacto ambiental somente esteja concluída em 2027. Esta notícia faz da linha do Douro a mais atrasada do plano de modernização ferroviária nacional“.
“Não vai haver comboio eletrificado até à Régua antes de 2027”
Contudo, o presidente da Associação Comercial do Porto garante que “neste momento, a única certeza é que não vai haver comboio eletrificado até à Régua antes de 2027. Considerando os trâmites necessários à conclusão do concurso, a posterior validação pelo Tribunal de Contas e um tempo médio de execução da obra na ordem dos dois ou três anos, é virtualmente impossível cumprir com essa meta e já será muito difícil que aconteça antes de 2030″.
Este atraso, de acordo com o presidente da Liga dos Amigos do Douro Património Mundial, gera desconfiança. “Os durienses mobilizaram-se aquando da petição enviada à Assembleia da República que defendia o investimento em toda a linha do Douro, até Barca d’ Alva, que fosse com caráter de primeira prioridade e com proporcionada dotação financeira. Após sucessivos atrasos, no ano passado o Governo reacendeu a esperança, contudo as notícias recentes da comunicação social traduziram-se em desânimo. Seria mais honesto o poder central assumir que a requalificação da Linha do Douro não é prioridade nacional”, disse.
“Toda esta situação é incompreensível. É a obra mais atrasada do Ferrovia 2020 e nem o troço Caíde-Marco, eletrificado desde 2019, está inteiramente concluído, uma vez que a alteração de sinalização ainda não foi concretizada e o sistema utilizado ainda é o mesmo do século XIX. A falta de um calendário minimamente fiável para a obra é o maior absurdo de todos. Oito anos depois de ser inscrita no Ferrovia 2020, não há sequer um concurso terminado. É inadmissível que a IP e o Governo não clarifiquem a situação perante as populações e não se queiram comprometer com prazos”, referiu, por sua vez, Nuno Botelho.
O ex-reitor da UTAD considera que este atraso “condiciona o desenvolvimento económico e social”, uma vez que se trata de um projeto que permitirá conectar quatro patrimónios da Humanidade: cidade do Porto, Alto Douro Vinhateiro, Côa e Salamanca: “Relembro que um estudo desenvolvido por investigadores da UTAD comprovou, claramente, que a marca UNESCO tem um forte impacto económico na Região, o qual poderia ser ampliado com esta infraestrutura ferroviária”.
Os impactos ambientais do atraso na eletrificação
A mesma opinião foi partilhada por Nuno Botelho, que ainda referiu as consequências para a população e para o ambiente. “Isto deixa as populações sem alternativas em termos de transporte público, uma vez que grande parte dos concelhos da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Douro não tem serviço rodoviário regular. Em termos ambientais, é também um retrocesso estar a atirar a população para o transporte individual e uma contradição flagrante com o discurso da sustentabilidade e da descarbonização”, afirmou.
“O atraso da eletrificação vai influir, obrigatoriamente, na ambição do Douro alcançar a neutralidade carbónica, que exige repensar a estratégia de mobilidade. O Douro tem todas as condições para ser uma região mundialmente líder em termos de sustentabilidade. Tal exige políticas públicas assertivas e não difusas”, acrescentou Fontaínhas Fernandes.
Segundo Nuno Botelho, o estudo de viabilidade económica para a reabertura do troço Pocinho-Barca d’Alva, publicado pela CCDRN em 2022, estimava capturar ao transporte individual e coletivo mais de 40 mil passageiros, logo no primeiro ano de funcionamento: “Se pensarmos que mais de 90% das viagens turísticas no nosso país são realizadas em viatura individual, compreende-se facilmente que este potencial de transição modal para a ferrovia é enorme, com os ganhos de eficiência e sustentabilidade associados“.
“Mais do que simples ´atrasos´, diria que estamos perante um evidente bloqueio ao desenvolvimento económico de uma região e uma atitude contrária ao princípio da coesão territorial”, considerou o presidente da Associação Comercial do Porto. “Importa lembrar que o Douro é uma das regiões mais pobres do país. Apesar de toda a sofisticação associada ao vinho, da beleza natural do território e do investimento turístico que foi realizado nos últimos 20 anos, o Douro é uma comunidade com graves problemas estruturais e a quarta região mais pobre do país. A falta de investimento na ferrovia contribui, lamentavelmente, para que esta pobreza estrutural aumente no Douro, para que se percam oportunidades de investimento e, com isso, o território perca atratividade e população”, continuou.
Quais as soluções de financiamento?
Voltando a apontar a intervenção no troço final da linha, entre Pocinho-Barca d´Alva, Fontaínhas Fernandes lembrou que esse projeto não tem fundos atribuídos no novo quadro comunitário e, como tal, “terá de ser assegurado pelo Orçamento de Estado ou por outras fontes de financiamento”. O que, na sua perspetiva, revela a “fraca prioridade” que é atribuída à modernização da Linha do Douro e exige que sejam pensadas alternativas: “Se, no âmbito do chapéu da descarbonização, o Fundo Ambiental tem sido gerido e utilizado para financiar redes nos maiores centros urbanos deste país, julgo que o interior e a Linha do Douro mereciam idêntico tratamento“, assinalou o dirigente e professor universitário.
Por sua vez, Nuno Botelho também enalteceu a intervenção que várias entidades têm feito sobre este tema: “É público o trabalho que várias instituições têm feito sobre esta matéria, com destaque para a CIM Douro, para a Associação Vale D’Ouro e para a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial. A CCDRN tem funções de responsabilidade direta sobre este processo e acredito que esteja a fazer o seu trabalho, junto do Estado Central, para que o investimento na Linha do Douro se concretize. Prova disso, foi o empenho na criação do estudo de viabilidade económica para a reabertura do troço Pocinho-Barca d’Alva. Estes atores, no entanto, só podem intervir na medida das suas capacidades e não vão fazer com que a obra aconteça. Essa competência é do Governo e da IP”.
Para o futuro, Fontaínhas Fernandes demonstra alguma preocupação, já que considera que “não foram aproveitadas oportunidades de financiamento europeu até 2030, o que conduz a um natural pessimismo. Temo que a modernização completa da linha do Douro seja mais um projeto estruturante para um interior adiado, com consequências nefastas para as gerações vindouras“.
“Se for desperdiçada a oportunidade de financiamento que existe com o PT2030, temo que a modernização completa da Linha do Douro nunca venha a ser uma realidade”, concluiu Nuno Botelho.
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