Douro termina umas das “mais desafiantes” vindimas dos últimos anos
Colheita foi “muito irregular” dentro da própria região e produtores a apontaram para um aumento de produção enquanto outros para quebras significativas.
O Douro está a terminar uma das vindimas “mais desafiantes” dos últimos anos, com uma colheita “muito irregular” dentro da própria região e produtores a apontaram para um aumento de produção enquanto outros para quebras significativas.
O prazo para entrega da declaração de colheita e produção da campanha 2022/2023 decorre entre os dias 01 de outubro e 30 de novembro, mas na mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo já é possível fazer um balanço preliminar da vindima de 2022. “Foi uma vindima ‘sui generis’ (…) É um ano muito incaracterístico e que não tem paralelo com outros anos do nosso passado mais recente”, afirmou à Lusa Rui Soares, da Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro).
Na sua opinião, relativamente à colheita verificaram-se realidades “muito diferentes” dentro da região, com produtores a apontaram para um aumento de produção e outros para quebras significativas comparativamente com o ano passado. “Até aqui se vê a irregularidade do ano. Isto tem a ver sobretudo com a questão hídrica, ou seja onde é que a água faltou e onde é que a água não faltou”, apontou.
As quebras maiores sentiram-se nas zonas mais secas, como na sub-região do Douro Superior e zonas mais baixas do Cima Corgo, enquanto no Baixo Cargo e Cima Corgo de altitude não se verificam problemas de diminuição de produção.
E esta é, para Rui Soares, a prova de que “há vários Douros dentro do Douro”. “No final das contas acho que vamos ter uma quebra de produção na região em relação ao ano passado”, afirmou, considerando que poderá rondar “os 20%”, um valor avançado nas previsões de colheita do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV).
Rui Paredes, da Federação Renovação do Douro – Casa do Douro, aponta para “uma quebra inferior” ao que era esperado há cerca de dois meses. “Eventualmente aquelas chuvas de última hora podem ter alguma implicação. Ainda não conseguimos fechar este assunto para transmitir ao mercado o que é verdadeiramente a vindima 2022. Aquilo que podemos dizer é que é de excelente qualidade”, afirmou.
Rui Paredes disse que os operadores “ficaram bastante surpreendidos com a qualidade dos vinhos que vão ser feitos”, especificando com as “graduações boas” e o “bom estado das uvas” em termos sanitários. Para Rui Soares, da Prodouro, esta vindima é “difícil de caracterizar”. “Foi uma vindima muito desafiante para nós produtores, para os enólogos, foi uma vindima que nos obrigou a trabalhar bastante, porque aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo e algumas até um pouco difíceis de compreender”, afirmou.
Por causa da seca e do calor intenso, a maturação da uva foi “muito acelerada” em agosto, o que levou a uma antecipação do início da vindima de forma generalizada pelo território. Mas, depois, concretizou, já no início de setembro houve casos em que parou. “Ou seja, o avanço brusco da maturação que se estava a verificar em agosto estacionou, a maturação ficou em ‘stand by’ e é muito difícil perceber que fenómeno se passou”, explicou.
Rui Soares referiu ainda que 2022 deve ser um “ano de reflexão”. “Devemos olhar para ele e aprender com ele. Não sabemos o que o futuro nos reserva, mas cada vez mais vemos que todos os anos são atípicos. Esta irregularidade do clima, estes anos mais difíceis de entender e justificar estão a tornar-se mais recorrentes, e isso obriga-nos a parar para pensar sobre muito do que nós estamos a fazer e se estamos a seguir pelo caminho correto”, referiu.
Douro com colheita irregular dentro das sub-regiões
A empresa de vinhos Costa Boal Family Estates verificou um acréscimo de produção de 5% na sub-região do Cima Corgo e quebras de 20% no Douro Superior, exemplificando a vindima heterogénea verificada no Douro em 2022. A produtora tem 65 hectares de vinha dispersos pelo Douro, nas sub-regiões do Douro Superior e Cima Corgo, mas também em Trás-os-Montes e no Alentejo.
Por isso mesmo, António Costa Boal consegue ter uma visão global da produção vinícola de 2022, um ano marcado pela falta de água e pelo calor intenso, mas que teve impactos diferentes nos diferentes territórios. “A nível de produção aqui no coração da Costa Boal estamos com uma produção plenamente normal. No Douro Superior tivemos uma quebra na ordem dos 20%”, afirmou o produtor, que falava à agência Lusa em Cabêda, concelho de Alijó, sub-região do Cima Corgo.
Nestas vinhas em Alijó, segundo referiu, a produção foi de “mais cerca de 5 a 6%” e “tudo indica” que, relativamente à qualidade, seja “um bom ano”. Já em Trás-os-Montes (Mirandela e Miranda do Douro) e Alentejo (Estremoz), verificou quebras “de 15%”, comparativamente com a colheita do ano passado.
“Quando falamos em quebra, essa quebra é completamente heterogénea, não é transversal à região toda. Temos sítios onde temos efetivamente quebras mais acentuadas, mas, por exemplo, aqui vamos ter um acréscimo de produção. Nestas zonas mais frescas vamos ter um acréscimo e não temos quebra”, acrescentou o enólogo Paulo Nunes.
E continuou: “Estamos numa das zonas mais altas do Douro (Cabêda) que era, provavelmente, uma zona periférica, e olhamos para esta vinha e estas paredes vegetativas e não sentimos o ‘stress hídrico’ que sentimos em outras zonas do Douro onde o calor foi muito mais intenso”. Os técnicos apontam 2022 como um ano de reflexão e de aprendizagem, até porque as alterações climáticas parecem ser uma realidade cada vez mais presente na mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo – o Douro.
“Nós tínhamos uma coerência na viticultura que nos permitia dizer praticamente quando iríamos vindimar determinadas parcelas, isso não existe mais. Esse modelo de conforto tornou-se desconfortável e obriga-nos a ter um modelo de monitorização muito mais permanente e constante”, salientou Paulo Nunes.
O enólogo acrescentou que o que “aconteceu na colheita do ano passado nada tem a ver com o que aconteceu na colheita deste ano” e, na sua opinião, isso implica uma “mutação de hábitos e de controlo completamente diferente”.
A Costa Boal Family Estates tem as raízes no Douro. Os primeiros registos remontam a 1857, altura em que os antepassados de António Costa Boal produziam vinho do Porto que era encaminhado em carros de bois para o Pinhão e depois em barcos rabelo para Gaia. Os seus pais e avós optaram por vender as uvas e, em 1999, o empresário entrou no negócio e apostou na produção de vinhos de denominação de origem controlada (DOC) e do Porto com marca própria.
O crescimento da empresa tem sido gradual e a aposta é “na qualidade”, “no mercado da diferenciação”, o que permite “incrementar valor acrescentado no produto”. “Foi um caminho que quisemos seguir, fazer vinhos com identidade, vinhos de parcela e sempre assente em castas autóctones, o que nos permite ter um controle 100% da produção de vinhos”, salientou António Costa Boal.
Esta vindima culmina um ano “muito difícil” para os produtores de vinho, um ano ao longo do qual foram vários os desafios com que se depararam, desde a falta de mão de obra ao aumento generalizado dos preços, quer de garrafas quer de combustíveis, e que, no seu conjunto, aumentaram também os custos de produção.
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