Áreas portuárias e estradas nacionais entre os grandes problemas da descentralização, diz Ribau Esteves

Ribau Esteves alerta que as áreas portuárias, estradas nacionais, habitação e justiça são os grandes problemas da descentralização, "que estão parados" e vão dar muito que falar.

Já muita tinta correu em torno da descentralização de competências da Administração Central para as autarquias e que promete continuar a ser um tema quente, durante os próximos meses. Principalmente no que diz respeito à transferência das competências das áreas portuárias, estradas nacionais, justiça e habitação que “estão paradas”, avança ao ECO/ Local Online o vice-presidente Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). E que poderão vir a ser uma dor de cabeça para o Governo.

Em entrevista ao ECO, Ribau Esteves diz que “as verbas que o Governo aponta para entregar as estradas nacionais são absolutamente ridículas em relação à dimensão da necessidade dos investimentos”. Portanto, acredita, “nenhuma câmara aceita receber as estradas nacionais com verbas tão exíguas”. Apesar do também autarca de Aveiro considerar o acordo, que foi assinado entre a ANMP e o Governo e aprovado, a 19 de julho, pelo Conselho de Ministros, “o passo possível” deveria ser mais extenso e ter ainda mais áreas. O social-democrata espera, por isso, que o Governo “honre” esse acordo e clarifique um conjunto de aspetos na área social.

Entretanto, continuam a ser “disparadas” críticas de várias frações políticas e até do próprio líder social-democrata – o mesmo partido de Ribau Esteves que se assume como “centralista” de gema e que não tem papas na língua quando diz: “Um problema grave deste Governo de maioria é uma incapacidade gritante de tomar decisões“. Mais, critica o também presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro: “Precisamos de um Governo decidido que faça e que não ande sistematicamente a ocupar o seu tempo a dizer que vai fazer e em conferências de imprensa completamente dispensáveis a repetir anúncios uns atrás dos outros”.

A descentralização de competências da administração central para as autarquias tem sido um “parto” difícil, uma vez que tem sido alvo de críticas de autarcas de várias frações políticas e até do próprio líder do seu partido?

Pertenço ao grupo dos que acham que este pacote da descentralização é um passo positivo, apesar de curto. Como sou descentralista, gostava que fosse bem maior, mas foi o passo possível na negociação que ANMP e o Governo executaram. Terminado o processo legislativo, é preciso executar. Muitas vezes, fala gente sobre coisas que nem sequer conhece. Às vezes, temos algumas pessoas a falar da descentralização da educação e as câmaras ainda nem sequer estão a executar. É muito importante para que este passo se dê bem, que se executem as competências.

O que falta fazer no processo de descentralização?

No âmbito da descentralização, chegámos a acordo para retificar verbas. Há um relatório que está ser feito para os transportes escolares pelo gabinete do Ministério do Ambiente. Mas é preciso que o Governo seja honrado e não esperamos outra coisa na execução do acordo que assinou com a ANMP. Na área da ação social, onde foi feito um prolongamento de prazo até ao final do presente ano, é preciso que se clarifique um conjunto de aspetos, que se harmonizem procedimentos da Segurança Social por todo o país. Em setembro aderiram cerca de 70 autarquias a esta competência.

Outra matéria é na área da ação social em que ficaram trabalhos por resolver até ao final do mês de outubro. Em Aveiro estamos no quarto mês de execução da ação social e está a correr muito bem e com ganhos do apoio social aos cidadãos que precisam.

E ao nível da transferência da competência da Saúde para os municípios?

Na Saúde estamos à espera da aprovação do Governo do novo decreto de lei. Foi feito um acordo entre a ANMP e o Governo para alterar um conjunto de aspetos do decreto de lei. O atual é muito mau. Depois, cada câmara tem de acordar e assinar o auto de transferências entre autarquia com a respetiva administração regional de saúde. No tal acordo, assinado em julho com a ANMP, uma das cláusulas diz respeito às mudanças que vão ser introduzidas. Isso já deixou de ser notícia.

Mas ainda assim, continua a haver reparos da parte de autarcas que querem suspender a descentralização, como Rui Moreira e Isaltino Morais, do Porto e de Oeiras, respetivamente?

Cada colega faz o que entender. Eu pertenço ao grupo dos que estão a trabalhar, executar e no caso da competência de transferência de competências da Saúde estou à espera do diploma para voltar à mesa das negociações com ARS.

Continuo a repetir é que a descentralização é muito importante e não há processos perfeitos, pois este é muito de fazer e aprender. Temos que lutar pelo processo da descentralização, porque os centralistas – e o país está carregado de centralistas gostam muito de ouvir críticas à descentralização. E temos de executar descentralização e, ao mesmo tempo, em interação com o Governo, ir introduzindo benfeitorias para que o processo esteja como deve ser com a devida sustentabilidade política, legal e financeira.

Como social-democrata, como vê as críticas do líder do seu partido à descentralização, com por exemplo, quando Luís Montenegro afirmou que o Governo dececionou o país e que o processo de descentralização, apresentado como a grande reforma do Estado, “é um logro”?

O líder do PSD faz o seu trabalho e globalmente bem. Mas o presidente da câmara de Aveiro é gestor do poder. Eu tenho o poder de governar a autarquia, a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA), e a ANMP com a minha colega Luísa Salgueiro.

Também acho que o processo de descentralização deveria ser muito mais extenso do que este, deveria ter muito mais áreas. Também defendo uma reforma profunda das Finanças Locais para se acabar com a carrada de relatórios e documentos que temos de andar sempre a fazer para a Administração Central. Portanto, defendo uma descentralização mais extensa e melhor.

Aveiro é um bom exemplo nas áreas da cultura, da educação e da ação social e na luta pelas outras áreas que ainda não estão a acontecer. Somos um bom exemplo daquilo que é trabalhar para que a descentralização seja um bom processo e para o que os defeitos e as omissões se resolvam.

Para mim a confusão são os processos que estão parados nas áreas portuárias, nas estradas nacionais e na justiça e em várias outras áreas em que nada anda. Está tudo parado e esse é que é o problema da descentralização.

Ribau Esteves

Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Receia que surjam mais entraves ou “confusão” com as outras áreas que faltam implementar como aconteceu com a educação?

Para mim a confusão são os processos que estão parados nas áreas portuárias, nas estradas nacionais e na justiça e em várias outras áreas em que nada anda. Está tudo parado e esse é que é o problema da descentralização. A descentralização em Portugal tem muitos inimigos e esse é que é o problema.

Tenho falado com o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que tem três áreas de descentralização que estão paradas: áreas portuárias, estradas nacionais e habitação. Tenho instado e pressionado o senhor ministro para que desenvolva trabalho para que estas áreas andem para a frente. São as áreas que não avançam. Estamos cá para fazer, ir corrigindo e aperfeiçoando o processo.

Em relação às outras áreas tem ideia de como se vai processar a transferência de competências?

Falta tomar decisões. Um problema grave deste Governo, com a sua nova maioria absoluta, é uma incapacidade gritante de tomar decisões, mas não é só na descentralização. É no aeroporto e em tantas áreas da governação em que é preciso decidir. E decidir não é um exercício de unanimidade. Tenho instado o Governo a ser decidido, a tomar decisões, a olhar para os problemas, a fazer com que as coisas aconteçam, mas são lentas demais. A burocracia está a atingir uma dimensão de força de bloqueio absolutamente chocante a vários níveis: no licenciamento ambiental, nas autorizações de tudo e mais alguma coisa.

Tenho grande expectativa sobre a proposta de OE para 2023 para saber se o ministro Medina vai conseguir propor aquilo que assumiu como compromisso com a ANMP que é acabar com uma série de burocracias que não interessam para nada e que ocupam milhões de horas de trabalho a milhares de funcionários das autarquias e da Administração Central.

É aqui que precisamos de um Governo decidido que faça e que não ande sistematicamente a ocupar o seu tempo a dizer que vai fazer e em conferências de imprensa completamente dispensáveis a repetir anúncios uns atrás dos outros.

Mas existem muitas mais áreas na descentralização além daquelas que têm sido notícia?

São 23 áreas e há uma que morreu logo legalmente que é a área da sanidade pecuária e dos animais de companhia. Foi um erro da Assembleia da República. Essa área precisa de ser retomada e já fiz diligências junto do Governo para retomar essa matéria. Portanto, nas outras 22 áreas há algumas bem, outras muito mal. A educação é prioridade política, mas há áreas importantíssimas de primeira linha como a ação social e a saúde. Mas depois há para a gestão do território, as áreas portuárias que são importantíssimas.

A gestão das praias e do estacionamento público já estão nas câmaras e estão a correr bem depois de muitos problemas no início. Portanto, há varias áreas de que não se fala e que estão a correr bem ou muito bem; e depois há outras que não estão a correr nada bem, porque não andam e que são as áreas portuárias, estradas nacionais, habitação e justiça.

Tenho instado o Governo a ser decidido, a tomar decisões, a olhar para os problemas, a fazer com que as coisas aconteçam, mas são lentas demais.

Ribau Esteves

Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Qual é o entrave para porque essas áreas não avancem?

É uma questão de gestão política do Governo que tem de assumir a descentralização como prioridade e pôr as coisas a andar.

Em relação às áreas portuárias o que é preciso fazer?

São várias áreas portuárias em todo o país. Nas áreas portuárias no que diz respeito ao ministro anterior, tudo o que estava com o Ministério do Mar os processos andaram, apesar de terem parado todos no Ministério das Finanças. Tudo o que diz respeito aos portos de carga, começaram os processos de Aveiro e Portimão e nenhum deles teve seguimento. Já reuni com o senhor ministro que assumiu o compromisso de pôr os processos a andar e espero que honre o compromisso.

Que processos são esses?

Por exemplo, em Aveiro a zona da antiga lota é uma zona central da cidade, fantástica e que está um lixo urbano com edifícios em ruína e estradas cheias de crateras. Até é uma vergonha urbana essa área portuária que tem de passar para a câmara e que agora pertence à Administração do Porto de Aveiro. A Câmara de Aveiro tem orçamento, saúde financeira para a assumir. Só estamos à espera que nos deem o terreno.

Na área do património, por exemplo, que estava em estado devoluto, uma área completamente parada e finalmente o ministro das Finanças, Fernando Medina, pôs tudo a andar. E desde que assumiu a pasta, esta área tem tido um balanço muito positivo. Antes era daquelas que não andava.

E em relação às vias de comunicação?

As verbas que o Governo aponta para nos entregar as estradas nacionais são absolutamente ridículas em relação à dimensão da necessidade dos investimentos. Portanto, nenhuma câmara aceita receber as estradas nacionais com verbas tão exíguas. As verbas são diferenciadas (dependendo do município), mas são é muito abaixo do que é preciso.

Nenhuma câmara aceita receber as estradas nacionais com verbas tão exíguas.

Ribau Esteves

Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

No caso de Aveiro, o maior problema é a área portuária?

Sim, na nossa perspetiva são as áreas portuárias. Temos um estudo urbanístico numa delas. Aveiro tem duas coisas nas áreas portuárias: os terrenos da antiga lota e a outra que são os chamados terrenos de São Jacinto. São as duas áreas para passar para a câmara e nenhuma ainda passou. Já temos projetos.

Em São Jacinto é começar a gerir. Trata-se do cais, ancoradouros para pôr em ordem a zona dos pescadores, da pesca de recreio e dos veleiros de cruzeiro. Ordenar aquele espaço e prestar serviços diferenciados às diferentes tipologias de pescadores e desenvolver trabalho de investimento para mais ancoradouros, prestar serviço de fornecimento de água, de combustível às embarcações.

Já no cais da antiga lota, é uma megaoperação de limpeza. Aquilo está carregado de lixo, de amianto, as estradas têm de ter um arranjo rápido por causa dos buracos. Já lançámos um concurso público internacional de ideias, que está aberto até meados de novembro, para desenvolvermos um estudo urbanístico que vai definir como é que aquela parcela de cerca de 110 mil metros quadrados se vai desenvolver.

Considera que Aveiro é um bom exemplo de descentralização de algumas competências?

Aveiro tem a mais antiga competência na área da cultura, ou seja, sete anos de contrato e já consolidámos a descentralização com a entrega da propriedade do Museu de Aveiro Santa Joana à nossa autarquia. Estamos no terceiro ano na área da educação. Somos uma das três câmaras municipais, em Portugal, que já apresentaram o relatório das comissões de acompanhamento que é o documento que faz o relato da atividade de demonstração financeira.

Entregámos o nosso relatório a 20 de julho, que está em validação no Governo, e demonstrámos que há um défice na nossa operação de 1,2 milhões de euros relativo ao ano de 2020/2021 – que foi o primeiro ano letivo que executámos a descentralização. Ou seja, demonstrámos no relatório que a nossa transferência tem de ser aumentada em 1,2 milhões de euros por causa daqueles défices que entretanto o Governo reconheceu que existiam, em julho passado, nas refeições escolares, nos custos de manutenção ou no pessoal. Mas ainda estamos a fazer o relatório do ano letivo de 2021/2022.

Ao abrigo da lei, na área da educação constitui-se uma comissão de acompanhamento do processo de descentralização que é composta pela câmara, pelos agrupamentos de escolas e por uma pessoa representante da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEST). Há reuniões regulares. No final de cada ano letivo, tem de ser produzido um relatório que relata o que foi feito e apresenta contas, ou seja, damos conta do que se fez com o dinheiro que se recebe do Fundo de Financiamento de Descentralização e qual foi a estrutura de despesa.

CIRA quer estão autónoma da ria de Aveiro

Em relação à CIRA, o que falta fazer e quais são as principais reivindicações?

A CIRA tem um plano de investimentos e de trabalho em curso muito denso. Apresentámos ao atual Governo, em julho passado, um conjunto de propostas, a maior parte delas já não eram novas. As nossas áreas de prioridade são o novo pacote de investimentos para a ria de Aveiro. Defendemos a gestão autónoma da ria, ou seja, que o Governo entregue à CIRA a gestão da ria de Aveiro, porque na prática está com a Agência portuguesa do Ambiente (APA) que não faz nada na ria de Aveiro a não ser levar as taxas de recursos hídricos. Queremos que seja entregue à CIRA por contrato e nós gerimos, investimos, decidimos, fiscalizamos, etc.

Qual é o projeto que a CIRA tem para a ria?

Pretendemos gerir a ria no sentido do seu ordenamento, do licenciamento das várias atividades que lá se fazem como a pesca, o turismo; continuar a conquistar fundos comunitários para fazer investimentos de qualificação. Além de fazer operações de manutenção da navegabilidade dos canais. Mas uma operação numa perspetiva ambiental, de conservação dos vários valores e atividades económicas existentes. Há uma diversidade imensa de atividade que exige uma abordagem de gestão próxima e integrada.

O que é preciso fazer?

É preciso que o Governo tome decisões. Ainda recentemente tive uma reunião de trabalho com o ministro do Ambiente para aprofundar o conhecimento sobre várias matérias, nomeadamente a construção de uma central de biomassa em Aveiro. E que vai permitir recolher a biomassa florestal com custos que sejam razoáveis e que permitam a sua valorização energética com produção de energia elétrica e, em simultâneo, baixem o risco de incêndio. Somos uma região que, todos os anos, tem incêndios, principalmente na nossa mancha florestal de Águeda, Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga. Será um projeto a implementar de uma forma técnica e financeiramente sustentável, porque a receita da venda de energia permite-nos pagar os custos da recolha e do transporte da biomassa. Ficámos de ter uma segunda reunião para ver o seguimento que as matérias vão ter.

Quais são as principais bandeiras da CIRA?

Nascemos há 33 anos para despoluir a ria. Mas deixou de ser um problema. Somos uma associação de municípios de referência, uma das mais coesas politicamente, das que tem mais trabalho em projetos em várias áreas com ganhos para a população e o desenvolvimento económico da região. Destaco, por exemplo, o investimento de cerca de 30 milhões de euros, nos próximos três anos, no Baixo Vouga Lagunar, para defender aquele território das invasões das águas salgadas, além de postar no potencial agrícola e valores ambientais, assim como proteger a biodiversidade Rio Vouga da subida da água salgada. São investimentos da maior importância que vão arrancar no terreno, financiados por fundos comunitários.

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