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“O ensino continua a basear-se num modelo altamente conservador”, diz Daniel Sá

Carla Borges Ferreira,

O mundo mudou. A formação consegue acompanhar? Daniel Sá, diretor executivo do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM), em discurso direto.

Profissionais com background de marketing trazem uma abordagem de mercado, muito focada nos consumidores, nas tendências e na satisfação dos clientes. Numa altura em que todos os mercados são muito maduros e competitivos, a performance de marketing pode fazer toda a diferença nos resultados de uma empresa”. A convicção é de Daniel Sá, diretor executivo do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM), a mais antiga instituição de ensino de marketing do país.

Howard Schultz (Starbucks), Susan Wojcicki| (YouTube), Stewart Butterfield (Slack), Sundar Pichai (Google) ou, para dar também nomes nacionais, Miguel Oliveira (Edigma) e Carolina Afonso (Gato Preto) são apontados por Daniel Sá como exemplos de profissionais com background de marketing que chegaram a posições de liderança ao mais alto nível nas suas organizações.

Por outro lado, reconhece, “a pequena dimensão de tantas empresas afeta a necessidade de investir nesta área e em ter profissionais qualificados”. As principais necessidades ao nível da formação e os seus desafios são alguns dos pontos abordados em entrevista.

Quais são as necessidades de formação mais sentidas pelos profissionais de marketing?

A procura pela formação de marketing tem aumentado de forma exponencial nos últimos anos, decorrente da crescente procura de profissionais pelo mercado. Quando se fala de formação, esta é sobretudo associada à gestão de pessoas e deve ser uma aposta estratégica das organizações para desenvolver o seu capital humano.

O desempenho dos colaboradores com mais formação, ou competências, são essenciais para que as organizações atinjam os seus objetivos. A formação deve ser encarada pelas organizações como um investimento de valor. Atualmente, as empresas procuram atração e retenção dos melhores profissionais e, para isso, devem apostar no seu desenvolvimento e motivação.

Manter os colaboradores atualizados sobre as tendências de mercado, tecnologias, desenvolvimento das suas áreas de atividade, contribui para uma melhor capacidade de inovação e adaptação às exigências do mundo de hoje. A procura de formação executiva acompanha as tendências de mercado em áreas como transformação digital, inteligência artificial, business intelligence, consumer insights, e-commerce, branding e também vem mantendo os chamados programas estruturais na área do marketing e vendas.

Apesar de todas as inovações, e de algumas experiências arrojadas, o ensino continua a basear-se num modelo altamente conservador onde tipicamente alguém transmite os seus conhecimentos a um grupo de aprendizes num formato tipificado para se avaliar no final a eficácia dessa aprendizagem. Ora o mundo mudou. Muito. Demasiado nos últimos anos. Rápido. Muito rápido.

Daniel Sá

O perfil do profissional de marketing está a mudar muito?

Ao longo dos vários séculos a economia, indústria, agricultura, sociedade, política, saúde, cultura, tecnologia e tantas outras áreas sofreram diferentes revoluções que alteraram com muito significado os destinos do mundo e das pessoas. Apesar de todas as inovações, e de algumas experiências arrojadas, o ensino continua a basear-se num modelo altamente conservador onde tipicamente alguém transmite os seus conhecimentos a um grupo de aprendizes num formato tipificado para se avaliar no final a eficácia dessa aprendizagem.

Ora o mundo mudou. Muito. Demasiado nos últimos anos. Rápido. Muito rápido. As fronteiras, os países, as guerras, a medicina, o trabalho, as empresas, as famílias, as amizades, os relacionamentos, as políticas, a mobilidade, a habitação, a segurança ou a tecnologia. Claramente que vivemos hoje de uma forma diferente dos nossos pais. Que também eles já viveram de uma forma muito diferente dos nossos avós.

O futuro do marketing passará por antecipar, desenhar e produzir soluções para o futuro que já aqui está. O marketing nas últimas décadas tem-se revelado como uma disciplina cada vez mais importante no mundo, podendo-se dar alguns números ilustrativos: existem hoje mais de 750 instituições de ensino superior que lecionam cursos de marketing no mundo; mais de 200 associações profissionais de marketing no mundo com centenas de milhares de associados; são publicados anualmente mais de 50.000 artigos científicos indexados sobre marketing; existem mais de 200 journals científicos sobre marketing no mundo; cerca de 10 milhões de profissionais de marketing estão registados no linkedin e mais de 50.000 livros de marketing estão à venda na Amazon.

É por isso que, para quem trabalha em marketing, é fundamental uma permanente atualização.

Mas o marketing está a ganhar mais peso nas organizações?

Tudo evoluiu muito rápido nas últimas décadas. Vejamos, em 1940 surgiram os primeiros estudos de aplicação da psicologia à publicidade. Em 1954, Peter Drucker fala pela primeira vez do marketing como um instrumento da gestão. Em 1960, Theodore Levvit escreve o primeiro artigo sobre marketing na Harvard Business Review. Em 1967 Philip Kotler escreve o livro “Administração de Marketing”.

Nos anos 70, o marketing resumia-se ainda à existência de alguns comerciais no organograma de uma empresa. Na década de 80 surgem livros de vários autores e começam a surgir os primeiros departamentos de marketing nas empresas. Na década de 90 o marketing passa a ser aceite e reconhecido nas empresas. No início do século começa a revolução digital. Atualmente o marketing deixou de ser uma área estranha e passou a ocupar um espaço central na vida das empresas. Sim, o marketing tem um peso cada vez maior nas organizações.

Quais são hoje os principais desafios?

Antecipar as necessidades do mercado. As mudanças são tantas e tão profundas que o sucesso passa por perceber antecipadamente qual a formação que será necessidade no futuro. Olhando para o exemplo do metaverso, já todos percebemos que esta realidade veio para ficar mas ainda não há dados suficientes para sabermos que tópicos precisam de formação, qual a percentagem de empresas que vai dedicar esforços ao metaverso e quantos profissionais serão necessários nesta área.

Como é que tentam antecipar as necessidades? No caso do metaverso, para mantermos o exemplo?

Fazemos isto por duas vias. Por um lado, mantendo um perfil de corpo docente híbrido, ou seja, pessoas com uma qualificação académica de topo, normalmente doutorados com uma larga experiência profissional e, por outro lado, mantendo um diálogo permanente com o mercado, pessoas e marcas.

Continuando com o exemplo do metaverso, estamos a preparar o lançamento de uma pós-graduação nesta área, onde reunimos o conhecimento de alguns professores do IPAM, já com investigação científica nesta área, e temos várias empresa envolvidas que nos estão a ajudar a montar o curso.

Dizia que “o ensino continua a basear-se num modelo altamente conservador onde tipicamente alguém transmite os seus conhecimentos a um grupo de aprendizes num formato tipificado para se avaliar no final a eficácia dessa aprendizagem”. Conseguem contrariar este modelo? Ou têm como objetivo fazê-lo?

Sem dúvida. Com um modelo académico de ensino imersivo, o IPAM orgulha-se da metodologia “learn by doing“, que é transversal a todos os segmentos da instituição. Em constante proximidade com as empresas, o ensino baseia-se em casos reais, trabalhados em conjunto com as próprias empresas, sendo este contacto com a realidade profissional uma fonte rica de networking para os alunos que lhes proporciona vantagens competitivas face a um ensino menos participativo.

Sendo o desenvolvimento pessoal, relacional e organizacional fundamental, através do employability office, os alunos têm também apoio no desenvolvimento das suas soft e hard skills, no seu plano de carreira e beneficiam da ligação da escola com o tecido empresarial.

Os programas de formação começam a apostar numa estrutura pedagógica de aprendizagem híbrida, com aulas presenciais, aulas à distância e rotativas. Para avançar nesta nova forma de ensino os professores desenvolvem as suas competências em áreas como as novas tecnologias, plataformas de ensino.

O desenvolvimento destes ambientes de aprendizagem virtuais leva a que o professor adapte os métodos de ensino como a disponibilidade de elementos de estudo em ambiente digital, ferramentas colaborativas para atividades individuais e de grupo. Os professores são formados de uma forma que lhes vai permitir usar as tecnologias de forma eficaz.

E os alunos, neste caso os que ingressam agora no ensino superior, têm uma ideia mais ou menos concreta sobre as funções de marketing?

Quase 40 anos depois de o marketing passar a ser lecionado no ensino superior português, o nível de conhecimento dos candidatos a estudar nesta área é muito significativo. Todos têm na sua rede de contactos pessoas a trabalhar na área de marketing e é muito visível nos media em desempenho de pessoas e marcas nesta área.

O tecido empresarial português é constituído na sua quase totalidade por pequenas e médias empresas, sendo a grande maioria por empresas pequenas. Esta realidade faz com que naturalmente os recursos sejam poucos e limitados. No que diz respeito ao marketing, a pequena dimensão de tantas empresas afeta esta necessidade de investir nesta área e em ter profissionais qualificados.

Daniel Sá

Pergunto porque mesmo nas empresas, sobretudo nas de menor dimensão, as interpretações são bastante distintas…

O tecido empresarial português é constituído na sua quase totalidade por pequenas e médias empresas, sendo a grande maioria por empresas pequenas. Esta realidade faz com que naturalmente os recursos sejam poucos e limitados. No que diz respeito ao marketing, a pequena dimensão de tantas empresas afeta esta necessidade de investir nesta área e em ter profissionais qualificados.

Defende que o marketing pode ser uma porta de entrada para a função de CEO. Porquê?

É uma tendência que se tem verificado a nível mundial e também em Portugal. Profissionais com background de marketing trazem uma abordagem de mercado, muito focados nos consumidores, nas tendências e na satisfação dos clientes. Numa altura em que todos os mercados são muito maduros e competitivos, a performance de marketing pode fazer toda a diferença nos resultados de uma empresa.

2023 vai ser um ano exigente. Já é possível tentar antever o comportamento dos consumidores e, por outro lado, das marcas?

Existem já vários indicadores para este ano. A guerra por um lado, a inflação pelo outro, são dois fatores que introduzem um nível de instabilidade enorme nos consumidores portugueses. Anteveem-se tempos difíceis onde assistiremos a contenção por parte dos consumidores e por parte das marcas. No entanto, se olharmos para o último século, sabemos que as crises são cíclicas, pelo que as marcas encontrarão sempre formas de se adaptar e até de encontrar outras oportunidades.

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