Narciso vs Ulisses: O adeus ao líder narcisista

  • Alberto Rui Pereira
  • 21 Março 2023

A luta deve consistir em nos tornarmos, a cada dia que passa, um líder que destrói o Narciso que todos carregamos dentro de nós e concentrar-nos, cada vez mais, no que os outros precisam e merecem.

Nas nossas vidas profissionais, enquanto gestores, há questões com que nos deparamos todos os dias e às quais tentamos responder da forma mais correta. Que atributos deve ter um líder para ser eficaz? Como dosear a combinação de rigor e humanismo? Como combinar a lógica e a intuição no exercício da gestão? Como medimos o sucesso do que fazemos? O que nos dá legitimidade para influenciar positivamente a vida dos outros? Como contribuir para o “bem de todos” a partir da posição que nos é dada?

O mundo empresarial é uma extensão do mundo humano. É um microcosmo onde as relações sociais são responsáveis ​​por configurar o ambiente e a cultura real da empresa. Daí a importância de conhecer o modelo relacional.

Nos últimos anos as organizações mudaram muito emergindo, novos paradigmas na liderança. Os modelos de liderança com personalidades narcisistas, produzem efeitos indesejáveis, especialmente devido aos altos índices de stress que geram nas pessoas, com consequências negativas para o ambiente empresarial.

O perfil do líder narcisista, centrado no egocentrismo e no individualismo, não tem presente nem futuro. As atitudes de quem sabe tudo, não ouve as pessoas da sua empresa, que se coloca como medida de todas as coisas e que é conhecido pelo seu cinismo, egoísmo e vaidade, provoca inevitavelmente a desmotivação e reduz a eficácia. Aquele, para quem os seus receios, complexos e arrogância obscurecem o seu julgamento e projetam, em cada interação, a sua falta de capacidade de ajudar genuinamente os outros, é nas organizações atuais um líder obsoleto e fraco.

Por outro lado, e em oposição, assume relevância o líder prestativo, que nunca se cansa nem cansa os outros. Aquele que serve primeiro e exige depois. Alguém que dá, depois pede e, só às vezes, exige. Um líder que ouve, cria empatia, convence, sonha em grande, transmite, vê com clareza, entende o sacrifício como um valor, coloca os outros em primeiro lugar, compromete-se pessoalmente com a sua equipa, assume o compromisso como seu e, como consequência, cria uma cultura fortemente viva que atrai toda a organização.

Numa sociedade onde o individualismo se expande numa perspetiva de independência, onde o exibicionismo do ego e das suas conquistas atinge o grau de egomania, e onde o prefixo “auto” (autoajuda, autobiografia, autossuficiência, autoidentidade) se torna um signo de identidade, o outro perde relevância. Mas não podemos esquecer o mito de Narciso. Homero já alertava que as consequências por desprezar o outro, ignorar os nossos semelhantes e não ser afetuoso com os que nos rodeiam, implicam um egocentrismo tão absoluto que Narciso morreu instantaneamente de solidão e frustrado por não conseguir alcançar a imagem pela qual se apaixonou.

Pelo contrário – e seguindo a sabedoria da mitologia grega – Ulisses, rei de Ítaca e herói do famoso livro de Homero, “A Odisseia”, pode servir de contrapeso a Narciso. É a configuração do líder inventivo e inovador, capaz de abordar problemas com diferentes perspetivas, mostrando um pensamento crítico e hábil, adaptando-se às circunstâncias.

Um modelo de liderança

Se algo do modelo de liderança de Ulisses tivesse de ser destacado, seria o seu serviço dedicado aos outros, assim como a confiança que depositou nas outras pessoas. Também o que mais deve preocupar o líder é poder expandir a sua Ítaca particular em todas as áreas da sua vida, inclusivamente na profissional. A luta deve consistir em nos tornarmos, a cada dia que passa, um líder que destrói o Narciso que todos carregamos dentro de nós e concentrar-nos, cada vez mais, no que os outros precisam e merecem.

Os verdadeiros líderes da humanidade (e das empresas) não são aqueles que dominam pela força, nem com base na sua vaidade ou no seu ego, mas sim aqueles que servem com dedicação, dia após dia, mostram gratidão pelas conquistas, pelas pessoas e pelas equipas, partilham o sucesso e alimentam toda a organização com esta energia.

Como dizia Platão “Aquele que não deseja o poder está apto a segurá-lo”.

  • Alberto Rui Pereira
  • CEO da IPG Mediabrands Portugal

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