Gastar afinal não é fácil – Parte III (Conclusão)

Com muitas vozes de todos os quadrantes a pressionar o Governo para maior celeridade na execução das verbas do PRR (e também do PT2030), 2023 vai ser seguramente um ano de forte investimento público.

Para quem vive mais afastado destes temas dos apoios comunitários ao investimento e recuperação da economia poderá pensar que o difícil é conseguir as verbas. Que o mais difícil mesmo é que o “nosso” projeto seja escolhido entre todos aqueles que se candidataram e que o mérito técnico das nossas propostas seja reconhecido entre tantas outras… E de facto não é fácil! Mas no final das contas, e à luz das regras atuais de aplicação destes apoios, talvez seja mesmo o menor dos desafios.

Com a adoção do PRR enquanto programa emergencial de auxílio aos países afetados pela pandemia, a União Europeia reforçou as regras de transparência, controlo e auditoria dos fundos comunitários, tornando mais exigente (e não obrigatoriamente mais difícil) a execução dos projetos selecionados e a aplicação dos recursos financeiros associados ao investimento.

Desde logo, porque após um mais ou menos longo processo de candidatura é preciso fazer prova da capacidade da empresa ou consórcio para executar: apresentar diversas garantias e documentação complementar, incorrer até nalguns custos de set-up, antes mesmo de poder assinar o protocolo/contrato que permite o acesso ao adiantamento inicial que os promotores recebem para iniciar o projeto (cerca de 13% do montante total assignado).

Um bom planeamento e uma exemplar gestão de fundo de maneio são por isso aspetos essenciais para que as centenas de projetos e iniciativas do PRR que agora começam a ser protocoladas, acabem por ver a luz do dia ao longo dos anos de 2024 e 2025, não sem antes gerarem algum nível de ansiedade e preocupação a muitos dos felizes contemplados.

Em projetos com um percentual de financiamento muito elevado, por vezes próximo dos 100%, não há grande margem de manobra e o planeamento dos fluxos financeiros terá que ser feito ao dia, até porque a maioria dos agentes económicos direta ou indiretamente envolvidos no projeto, viverá hoje com uma tesouraria muito apertada.

A subida generalizada dos preços e as dificuldades de cumprimento dos prazos de entrega são por isso fatores a ter em conta e para os quais há que gerar alguma reserva de segurança, pois como sabemos, a recuperação dos valores investidos está dependente da demonstração efetiva do cumprimento dos milestones do projeto.

A conclusão a que rapidamente se chega, é que os 13% de adiantamento são manifestamente curtos para a boa execução dos projetos e que para evitar o bloqueio dos mesmos haverá que utilizar financiamentos complementares de curto prazo ou contar com a “vista grossa” de quem prometeu forte rigor e tolerância zero para a aplicação das regras.

Como temos ouvido desde há meses, os bancos comerciais estão aptos e ávidos de “dar o seu contributo”, e contam ainda com a disponibilidade do Banco de Fomento para dar respaldo às situações mais desafiantes. Talvez por isso, e em contraste com as boas notícias dos resultados de 2022 do setor financeiro, as nuvens emergentes de uma potencial crise financeira sejam tão preocupantes como pouco oportunas para quem acaba de receber o famoso “cheque de Bruxelas”.

Ainda assim, e fazendo uso de algum otimismo, considerando os riscos e a conjuntura menos favorável, será de admitir que a maioria dos projetos assignados a empresas e consórcios de entidades privadas acabe por encontrar as soluções adequadas para que os resultados esperados se materializem, dando assim um contributo importante para o crescimento do país.

E no caso das entidades públicas, escolas, associações empresariais, entidades do sistema científico nacional, haverá razões para tanto otimismo? Provavelmente não. A realidade e o histórico demonstram que, apesar do enorme progresso que tem existido ao longo das últimas duas décadas no aproveitamento de fundos estruturais e quadros comunitários de apoio, e das alterações introduzidas ao Código de Contratação Pública, a verdade é que o “caminho” para o sucesso é, para estas entidades, bem mais difícil e tortuoso.

Por mais valiosos e brilhantes que sejam os quadros destas instituições, a necessidade de “sê-lo e parecê-lo”, obriga a um extra de esforço, que permita não só executar as atividades previstas em cada projeto, mas também cumprir com todas as boas práticas, procedimentos e datas que apertam ao limite calendários de execução já de si muito esmagados (relembre-se que tudo terá que estar terminado até finais de 2025).

Se considerarmos ainda o risco e os impactos de situações de litigância, podemos assumir que será muito difícil manter as datas originalmente previstas e que uma enorme tensão acabará por fazer questionar os timings de todo o programa – particularmente evidente no caso português onde muitos dos projetos terão um intermediário público ou a participação de entidades que são organismos de direito público.

Neste particular, foi muito importante o contributo dado pela Comissão de Acompanhamento do PRR que, em tempo útil, veio fazer um primeiro balanço do progresso realizado, apontar alguns dos problemas e dificuldades que estão a afetar a execução e propor, desde logo, um conjunto de ações concretas para mitigar os problemas. A tendência será, no entanto, que as dificuldades se agudizem nos próximos meses e que uma vez mais, tenhamos que fazer uso da inesgotável “alma lusitana” para levar o navio a bom porto.

Em resumo: é inegável que existe uma clara ordem para gastar, e que (finalmente) as verbas do PRR começam a chegar à economia real, mas como se percebe, aplicar o dinheiro não é nem uma tarefa fácil nem um caminho isento de preocupações.

Mas também não tem que ser uma missão impossível. Mãos à obra, sem mais demoras, e vamos a isto Portugal!

Notas: Os pontos de vista e opiniões aqui expressos são os meus e não representam nem refletem necessariamente os pontos de vista e opiniões da KPMG.

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