Com o “pássaro” doente, especialistas em marcas defendem reset do Twitter
Dez meses depois de "libertar o pássaro", Musk matou-o. Faz sentido? Apesar da chuva de críticas, especialistas em marcas acreditam que pode ser um "golpe de génio".
Literalmente de um dia para o outro, o Twitter deu lugar à X, como se chama agora a rede social comprada por Elon Musk em outubro. “O pássaro está livre”, anunciava Musk no próprio Twitter na altura. Nove meses depois, o pássaro está morto. Nas redes sociais, e em especial no Twitter, choveram de imediato as críticas ao que pode parecer mais um passo na estratégia aparentemente errática do homem mais rico do mundo para a plataforma.
“Na realidade nem chegou a ser um rebranding, talvez apenas um renaming. Foi um momento de mudança ao estilo de Musk: inesperado, provocador e com o objetivo subjacente de atrair atenção e ocupar o espaço mediático. Interessantemente, esta ação surge uns dias após o lançamento da nova rede social Threads da Meta“, nota Fernando Pinto Santos, professor e coordenador do mestrado em Marketing e Tecnologia do IPAM.
Na aplicação mudou o nome, e o endereço, mas o layout ainda é o do Twitter, plataforma que introduziu no léxico um novo verbo: tweetar. “Em breve diremos adeus à marca Twitter e, gradualmente, a todos os pássaros”, antecipava Elon Musk no sábado. “Se um logótipo X suficientemente bom for postado hoje à noite, vamos colocá-lo no mundo inteiro amanhã”, acrescentava. Dito e feito.
“Musk tem mostrado a coragem que mais ninguém no mundo tem tido para gerir marcas”, diz contra a corrente Carlos Coelho, fundador e presidente da Ivity Brand Corp. “As outras grandes marcas têm seguido estratégias muito conservadoras. A Apple tem uma visão monolítica e [focada na] estratégia do fundador e tem-se mantido; a Microsoft é muito conservadora; a Alphabet é muito harmónica. São marcas sem arrojo”, caracteriza.
“Pega numa marca, aparentemente destrói-a, e, em dois dias, coloca-a nas bocas do mundo”, reforça Carlos Coelho. “O passarinho era muito fofinho, mas estava cheio de doenças. Em vez de lhe dar vitaminas, matou o bicho. Matar uma marca é do mais corajoso que há“, defende.
“Adorava o passarinho” diz, por seu turno, Jorge Silva, fundador da SilvaDesigners. “O pássaro era bonito, o X é comum – um hibrido do ponto de vista de tipografia, que conjuga linear puro e letra serifada“, descreve. “Mas adorava o pássaro. Ao contrário dos estragos que a rede fazia no mundo real, o pássaro era a ingenuidade. Alguma coisa tão virulenta, ter um símbolo daqueles… o mais bonito dos logos”, acentua o designer.
Pedro Vilar, diretor criativo da Peter Schmidt Lisboa – agência que trouxe para Portugal há cerca de um ano – acredita que, enquanto design e reconhecimento de marca, a mudança é “um tiro ao lado”. “É abandonar a herança de uma marca, o património de uma marca reconhecida, para criar uma coisa completamente nova, que do ponto de vista visual não é um asset completamente novo e distintivo”, refere.
A construção de uma nova plataforma
Mas — e nesta mudança de marca há um grande mas — a alteração do nome e logótipo pode ser mais um passo no caminho de uma plataforma com um perfil diferente. E o certo é que patrão da Tesla tem vindo a falar regularmente sobre transformar a rede social num aplicativo multifacetado, até com serviços financeiros, à semelhança do WeChat na China.
A verdade é que ninguém conhece a estratégia, referem todos os especialistas ouvidos pelo +M. “[Para] um maluco daqueles, que já provou que tem várias vidas, pode ser uma jogada de génio ou um desastre“, resume Jorge Silva. “Musk fala de uma interatividade total, não sei o que é, ninguém sabe”, constata.
Musk tem “coragem de fazer disrupções, quando toda a gente acha que se deve fazer evoluções. Se vai ter sucesso ou não, logo se vê. Mas tem mostrado que sabe o que faz”, acrescenta Carlos Coelho, lembrando que falamos do homem mais rico do mundo. “A tendência é ser conservador. Tão bonito o passarinho, não vamos deitar fora. O passarinho fez um caminho, que não era da mão dele”, defende.
“O racional parece ser, segundo o que se sabe, uma visão estratégica de transformar o Twitter em algo muito mais abrangente do que a rede social que é atualmente. Tal com o WeChat na China, Musk parece acreditar que há espaço para uma app que congregue várias funcionalidades como pagamentos e outros serviços, para além da rede social. Contudo, o que resulta no mercado chinês – até porque o seu contexto social, cultural e político é bastante específico – poderá não resultar no resto do mundo”, observa Fernando Pinto Santos.
Neste contexto de mudança de perfil de rede e até de negócio, Pedro Vilar compreende a opção. “Visualmente o look não é atual. Está associado códigos de antiguidade. Não é clássico, é antiquado. Podia estar mais bem conseguido”, avalia. Uma alteração desta dimensão “só faz sentido quando se quer romper totalmente com o passado, afirmar que é uma nova era. Desse ponto de vista, estrategicamente é um bom passo, para nos desancorarmos do que é o passado”, defende.
“É um tiro ao lado se queremos fazer uma evolução. Mas, se queremos uma revolução e romper com o passado, então matar o Larry [o nome que era dado ao símbolo do Twitter] e criar algo efetivamente novo é a opção“, resume.
Com a X apresentada ao mundo, é possível antecipar os próximos passos? “Antecipo os passos seguintes com a ‘velha fórmula’ de Musk: polémicas, irreverência, ambição desmedida e conquista do espaço mediático. Ao que se junta a capacidade (e coragem) de tomar decisões de gestão que vão contra o que é tradicional e o que é esperado. Para além de muitos Xs, antevejo muitos pontos de interrogação: imprevisibilidade faz também parte da fórmula de Musk”, responde o professor do IPAM.
Em meados do mês, recorde-se, Musk anunciou que a empresa comprada por 44 mil milhões de dólares (39 mil milhões de euros) em outubro de 2022 perdeu cerca de metade das receitas publicitárias.
“Mais uma vez, aconteceu o contrário do que seria o espectável: ele mesmo anunciou a gigantesca perda de receitas do Twitter. As suas ações contra intuitivas têm uma lógica própria que fica difícil de entender para o comum dos mortais“, analisa Fernando Pinto Santos.
“Com Musk há sempre a possibilidade de ele ser o homem que vê o que mais ninguém parece ver. A visão de tornar a app-anteriormente-conhecida-como-Twitter no WeChat ocidental é uma ambição tão improvável e grandiosa como a que esteve subjacente ao seu trabalho na Tesla e Space X. Muitos acreditam que desta vez Elon Musk está errado e não vai conseguir o sucesso que imagina para o seu novo X. Eu não estou tão certo de ele estar errado”, prossegue o professor.
“Provavelmente Elon Musk vai-nos surpreender uma vez mais. Como diz o Marty Neumeier sobre estratégia de marca, quando todos fazem zig, nós devemos fazer zag. Elon Musk vai mais longe e faz X. Tem toda a lógica“, resume.
“No maravilhoso no mundo das marcas é preciso ter coragem. Espera-se ter muito sucesso com pequeninas coisas… não é assim que vai funcionar“, defende também Carlos Coelho, que avalia este movimento como um “golpe de génio”.
Risco controlado, os utilizadores estão lá
Pedro Vilar acrescenta que o risco acaba por ser controlado. “Os utilizadores estão todos lá. No dia seguinte, todos os clientes estão lá, já estavam. Não é a mesma coisa do que construir a partir do zero, é uma marca de grande consumo, em que é preciso destacar-se na prateleira“, explica.
“Depende sempre de uma estratégia, com esta personagem nunca sabemos bem o que tem na cabeça. Se a estratégia for mudar o paradigma, transformá-la em outra coisa, independentemente de a marca estar bem ou mal desenhada, se na essência estivermos a assistir a uma revolução, está certo”, resume o diretor criativo da agência fundada na Alemanha.
“Temos que pensar que ele é um ser muito único e que não funciona da mesma forma do que o resto da humanidade. Compra o Twitter como comprou, só temos ouvido falar de desgraças, mesmo assim é o homem mais rico do mundo. Se é muito racional? Pode ter sido um impulso”, reflete Jorge Silva. “Volta e meia ficam quilhados. O Steve Jobs também se quilhou e ressuscitou”, compara. Steve Jobs é também referido por Carlos Coelho. “Era o que faria o Steve Jobs. Ter coragem de fazer de novo.”
Quanto ao futuro, e como afirma Fernando Pinto Santos, “o X está a atrair bastante atenção – e há poucas pessoas que atraiam atenção tão bem como Elon Musk – mas é um termo tão genérico que é difícil acreditar que se vá tornar numa marca forte e global”. Contudo, “Elon Musk tem um historial de sucessos improváveis, o que torna este caso particularmente interessante do ponto de vista do marketing e da gestão de marcas“.
Miguel Moreira Rato, CEO da Adagietto, acrescenta ainda outra perspetiva. “Pode ter sido um espasmo do bilionário, ‘because I can‘ [porque eu posso]”, diz. Sobre a forma, ter sido de um dia para o outro tanto pode ter sido porque quis e tem essa capacidade, como a utilização de técnicas de lançamento de marcas, como o imediatismo só aparentemente pouco planeado. De uma forma ou de outra, o CEO da agência de comunicação e gestão de redes sociais acredita que este movimento de Elon Musk representa sobretudo uma grande oportunidade. “O conceito Twitter não vai acabar, provavelmente não seremos nós, portugueses, mas alguém vai preencher essa necessidade“.
Entretanto, a Reuters avançava na terça-feira que empresas como a Meta e a Microsoft já tinham direitos de propriedade sobre a marca X. Nos EUA, contou o advogado de marcas registadas Josh Gerben, há mais de 900 registos ativos.
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