A nova marca da República Portuguesa: uma Play_Snation Brand

  • Carlos Coelho
  • 14 Dezembro 2023

Subjacente a esta “simplificadeira” não está uma falta de cultura visual, mas uma matriz ideológica que se diz “inclusiva, plural e laica” e esconde um “desprezo” pelo nosso caminho enquanto nação.

 

Quase 900 anos depois da fundação de Portugal, um Governo (o XXIII) e um estúdio de design (o Studio Eduardo Aires), decidem “simplificar” a nossa história, como se de um jogo de modernidade se tratasse.

Ambos, certamente bem-intencionados, mas ambos bastante mal assessorados em matéria tão sensível quanto é a marca de Portugal, fizeram da nossa identidade um exercício de linearidade visual, digno de um país sem história, nem memória, nem tempo; pois nesta representação tão básica e inocente, parece só caber a espuma do presente.

Pelo lado do Governo, sem know-how organizado para gerir a marca de um país, alega-se que se trata de um exercício mandatado pelas necessidades técnicas de um ambiente digital e por uma “consciência ecológica” (?!?) que obriga as marcas a usarem de menos artifícios visuais. Pelo lado do estúdio do respeitado professor Eduardo Aires, conhecido pela sua capacidade de depuração visual – exemplo da marca de sua autoria: Porto. (ponto), aguçou-se a geometria “indescritiva” e sintetizou-se a história em dois quadriláteros, um dos quais configura um polígono regular, e uma circunferência onde ambos se circunscrevem. Esta abstração visual que nem o Mondrian ousou fazer na sua leitura do mundo, conduz a um imaginário lúdico pré-escolar cheio de tecnicidade (pixel-perfect), mas ausente de conteúdo.

O certo é que subjacente a esta “simplificadeira” não está uma falta de cultura visual, mas uma matriz ideológica que se diz “inclusiva, plural e laica”, e que esconde um “desprezo” pelo nosso caminho enquanto nação. A marca de um país não é um jogo de simplificações visuais, ou de modas, e muito menos de requisitos técnicos. Se assim fosse, por exemplo, a forte Marca Espanha teria perdido a sua complexidade (bastante maior que a nossa) em troca da ideia de marca país.

A esfera armilar, que representa a nossa mundividência — o planeta terra que navegámos de norte a sul e que Fernão Magalhães conseguiu provar que era composto de arquipélagos e que era circum-navegável, ficou reduzida a uma circunferência amarela, um sol de um afro-verão que nos posiciona para os lados do Mali (que por sinal é uma África de muita sabedoria).

Bandeira do Mali

Somos, de facto, uma “gema” planetária, mas não podemos ser servidos estrelados, ou cozidos, ou escalfados por uma qualquer ideia de minimalismo histórico-representativo que nos depura as raízes como se estivem podres de passado.

Neste movimento de “des-significação” nacional, corremos o risco de tornarmos ainda mais insignificante a nossa história, deixando para os nossos vizinhos europeus as glórias do passado e para os nossos vizinhos americanos as honras do futuro. Seremos uma espécie de carpete de sol e hospitalidade que a todos recebe com uma fina capa de modernidade, mas com um interior de pobreza moral.

Gostaria de lembrar que Portugal é um dos mais antigos estado-nação do mundo no sentido contemporâneo do termo: são 895 anos de experiência, 92.080 km2 de terra e uma eternidade de Mar.

É certo que, na teoria, esta nova marca não pretende substituir a bandeira nacional. Mas na prática este novo “godé identitário” irá cunhar cerca de 95% das interfaces de comunicação de Portugal com o mundo, o que é inaceitável.

Como alguns saberão este é um tema que me diz muito e para o qual tenho feito muitas contribuições em público, e em particular para alguns governos e para muitos governantes. Nem na indústria dos brinquedos se brinca às marcas. Não caminhemos, por favor, para uma “Play Snation” que nos desvaloriza, quando devemos ser cada vez mais senhores da nossa marca: que é história e cultura expressa na nossa geografia armilar, viajante dos cinco oceanos do mundo.

  • Carlos Coelho
  • Especialista em marcas, presidente da Ivity Brand Corp

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