O mundo está mais simples
Que regresse a complexidade e a diversidade. Que se cultive o contraditório democrático, para que a diferença seja algo normal e assumida e não imposta. E para que as marcas não sejam todas iguais.
Quase todas as gerações se vangloriam, ou queixam, que o seu tempo é o mais desafiante, ou o mais difícil ou confuso, esquecendo-se porventura dos desafios dos pais ou dos avós.
Hoje, no início de 2024, temos guerra na Europa há quase dois anos e uma nova guerra, à beira do mediterrâneo, com uma violência desmedida. Temos os EUA com uma indefinição enorme acerca do seu futuro presidente, a América Latina com sinais fortes de populismo, a China com sonhos de expansão e a Europa a lidar mal com a sua velhice. E por todo o mundo vemos e sofremos sintomas generalizados e graves decorrentes do aquecimento global.
Por cá, ainda temos uma inflação bem presente, partilhamos da crise da habitação europeia, bem como do envelhecimento da população e incapacidade de entender bem a corrente de imigrantes. Também não temos governo em funções e o Presidente da República decidiu ficar só pelos afetos (e pelos decotes) e menos pelo garante de confiança ou estabilidade. E vimos ainda em 2023, na economia, que afinal os unicórnios também se abatem.
Por tudo isto e muito mais, o mundo não está mais complexo para as marcas, antes pelo contrário. Por cada um destes fatores que mencionei acima que se agudiza, mais simples o mundo fica para as marcas. Porque os consumidores estão a fugir do complexo. E as marcas vão preferir discursos simples, promessas simples, desafios confiáveis. As pessoas vão, porventura, abrigar-se na economia real, nas marcas palpáveis e até com história, nas entregas seguras, no “é já ali na esquina”. Vão também preferir o conveniente e o rápido, porque isso é mais simples, não complica a vida. Claro. Não é obrigatoriamente simplista, é só simples.
E para as marcas, para os seus discursos e tentativas de diálogo com os seus consumidores, os movimentos woke ainda simplificam mais a coisa. Aplana-se o discurso que deve ser de arestas limadas e tudo fica menos complexo. Se for simples não ofende, não é? Marcas simples, com promessas simples, mensagens assimiladas.
Mas é isto?! Afinal o simples é bom? Nem sempre. Porque nem só de bife grelhado vive o consumidor. Confuso? Deixem-me tentar explicar: o simples pode ser o contextualmente possível, mas não é o simples que alimenta relações com futuro, que faz das marcas love brands e dos consumidores leais defensores dos seus produtos preferidos.
O simples é abdicar do amarelo elétrico ou do humor mordaz. É pôr de lado o sal e a pimenta. Ou pondo as coisas bem à portuguesa, é abdicar do refogado por falta de tempo ou, pior ainda, por falta de carinho ou de coragem. As marcas simples, se o forem sempre, não duram para sempre. Discursos simples, relações simples, esquecem-se e desgastam-se mais facilmente, não têm paladar nem arestas por onde agarrar, não deixam memória. Que regresse e se assuma a complexidade e a diversidade. Que se cultive o contraditório democrático, para que a diferença seja algo normal e assumida e não imposta. E para que as marcas não sejam todas iguais. No mínimo, escusamos de ver campanhas todas iguais. Simples, não é?
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