Pedro Nuno “o fazedor” versus Montenegro “o reconciliador”. Conheça as estratégias para a campanha eleitoral
Ambos querem conquistar pensionistas e jovens. O líder do PS promete mais ação, sem romper com o legado de Costa, já o presidente do PSD corta com o trauma da troika e defende a mudança.
Pedro Nuno Santos, “o fazedor”, e Luís Montenegro, “o reconciliador”: um dos dois será o novo primeiro-ministro, sucedendo no trono ao socialista António Costa, que se demitiu quando soube que estava a ser investigado em casos de corrupção ligados aos negócios do lítio, hidrogénio verde e centro de dados de Sines, no âmbito da Operação Influencer.
No dia 10 de março, o futuro do país estará nas mãos dos eleitores portugueses e as próximas duas semanas serão decisivas. As caravanas dos dois maiores partidos, PS e PSD, do chamado arco da governação, arrancam este domingo para a campanha oficial que termina a 8 de março, dois dias antes da ida às runas.
A estratégia de comunicação pode ser diferente na forma, mas o objetivo é semelhante, ainda que com algumas nuances: conquistar pensionistas, jovens e trabalhadores. Ou seja, o eleitorado do centro, centro/esquerda e centro/direita. Pedro Esteves é o diretor de campanha da AD e João Torres assume essa função na candidatura do PS.
O líder dos socialistas, Pedro Nuno Santos, apresenta-se como o “fazedor”. Sem romper com o legado do antecessor António Costa, o secretário-geral promete “mais ação, menos conversa” para um “Portugal Inteiro” “sem arrastar com os pés”, “com convicção e responsabilidade, sem surpresas e sem ruturas”. Aliás, estes são os soundbytes que têm marcado o seu discurso.
“Nós queremos mais ação, menos conversa, queremos decidir, queremos avançar, resolver os problemas. Avançar é olhar os jovens nos olhos e dizer que o país tem futuro para eles. Garantir justiça a quem trabalha e trabalhou toda uma vida”, declama Pedro Nuno Santos no vídeo de campanha num tom combativo ao ritmo de uma trilha sonora acelerada e alegre.
Já o presidente do PSD e líder da Aliança Democrática (AD), coligação que junta PSD, CDS e PPM, Luís Montenegro, veste o casaco de “reconciliador”, tentando definitivamente cortar com o trauma da troika que, eventualmente, ainda ensombra os portugueses que, naquele tempo de crise, perderam o emprego, a casa e sofreram com a redução das pensões.
Fazer as pazes com idosos, reformados, com os jovens, com a classe média através da redução de impostos, nomeadamente do IRS, e com as empresas, através da baixa do IRC, é a grande aposta de Montenegro. O PSD quer eliminar o legado da troika e lançar um novo tempo, uma nova realidade, através de uma mudança que passa por tirar o PS do Governo. É essa a mensagem principal que o partido quer transmitir aos eleitores.
“Eu sou pelos filhos que foram obrigados a partir e pelos pais que ficaram a chorar a ausência. Eu sou pelos que desesperam nas esperas intermináveis da saúde, por aqueles que já deram tanto e que hoje recebem quase nada, pelos estudantes sem professores, sem esperança, sem futuro. Eu sou pelos que não têm teto, e por aqueles que têm medo de o perder, pelos que pagam impostos cada vez mais altos e pelas famílias que já nem sequer conseguem pagar o básico”, afirma Luís Montenegro no vídeo de campanha, num tom calmo, compreensivo, sobre a melodia nostálgica de uma guitarra de fado.
Passos Coelho deverá entrar. Sócrates ausente
Apesar desta separação clara com o período de resgate financeiro, Montenegro quer trazer o antigo líder do PSD e primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, para a arena política. Ainda na semana passada, quando questionado sobre a eventual presença de Passos Coelho na campanha eleitoral, o líder dos sociais-democratas afirmou que haverá “ocasião de interagir” com antigo líder do PSD. “Perceberão quando isso acontecer”, acrescentou.
Vão ainda marcar presença na campanha de Montenegro senadores importantes do partido como Cavaco Silva, Francisco Pinto Balsemão, Ferreira Leite, e também do CDS como Paulo Portas ou António Lobo Xavier.
Pelo contrário, está fora de questão a participação do antigo líder do PS e ex-primeiro-ministro, José Sócrates, na campanha de Pedro Nuno Santos. Até porque Sócrates já nem tem cartão de militante. A presença de outros ex-secretários-gerais como António Guterres ou António José Seguro também será difícil. No primeiro caso, por uma questão de logística, já que Guterres é secretário-geral da ONU. No segundo caso, por não haver eventualmente interesse de parte a parte.
Certo é o palco para o ainda primeiro-ministro, António Costa, e outros seus governantes, com destaque para o ministro das Finanças, Fernando Medina, oráculo das contas certas que o futuro Governo irá herdar.
Pensões, salários, saúde, educação, habitação
Há quatro temas que vão marcar a campanha dos dois rivais: pensões, salários, saúde, educação e habitação. Porque estes são os dossiês que mais tocam no eleitorado. Tanto PS como AD prometem manter a atualização das pensões, com o primeiro a alargar o acesso do complemento solidário para idosos (CSI) e o segundo a aumentar o valor para os 820 euros, no final da legislatura.
Subir o salário mínimo para os 1.000 euros, até 2028, e dar um novo impulso ao ordenado médio para que ultrapasse os 1.700 euros são outras das metas que constam no programa eleitoral de Pedro Nuno Santos e de Luís Montenegro.
A AD é mais ambiciosa na redução de impostos sobre o trabalho (IRS) com a redução das taxas marginais, atualização dos escalões e um IRS de 15% para jovens até aos 35 anos, exceto os que se encontram no último nível rendimentos. Mas o PS também promete manter a atualização dos escalões em linha com a inflação e, se houver margem, quer continuar a reduzir o peso do imposto e alargar o IRS Jovem, que, atualmente, isenta boa parte dos rendimentos durante os primeiros cinco anos de descontos.
Na área da saúde e educação, ainda que ambos defendam um reforço de meios e recursos humanos, o líder do PS aposta sobretudo no SNS, sem querer hostilizar os privados, e na escola pública. Já a AD aponta soluções que conjuguem o Estado com o setor privado e social.
Na habitação, também existe uma unanimidade para o problema da escassez de casas a preços e a rendas acessíveis. Ambos propõem dar uma garantia do Estado para ajudar jovens até aos 35 anos, no caso da AD, e até aos 40 anos, no caso do PS, a conseguir financiamento bancário para adquirir um imóvel.
PS promete fim das portagens. AD quer valorizar polícias
Ainda que as principais promessas de PS e AD se foquem nas mesmas áreas, há depois algumas particularidades. Na defesa da coesão social e territorial, Pedro Nuno Santos garante que irá eliminar todas as portagens das ex-SCUT (sem custos para o utilizador), o que terá um impacto de 114 milhões de euros, segundo os cálculos da Infraestruturas de Portugal (IP).
Por outro lado, o socialista quer uma “economia mais sofisticada e mais diversificada”. No programa eleitoral, Pedro Nuno Santos é apologista de uma reavaliação dos benefícios fiscais, defendendo uma maior seletividade na atribuição daquelas benesses.
No vídeo de campanha da AD, a valorização dos polícias é uma das promessas em destaque. “Eu sou pelos polícias, cuja vida não é valorizada, e por todos os que se envergonham ao ver a corrupção a manchar o país”.
Ainda assim, Pedro Nuno Santos já afirmou que, se ganhar as eleições, irá sentar-se à mesa com as forças de segurança com vista à revisão salarial destes trabalhadores.
Montenegro teve ainda o cuidado, no vídeo de campanha, de se demarcar claramente do Chega, sem mencionar o partido de André Ventura: “Eu sou pelos democratas, que defendem a liberdade e que recusam o extremismo”.
Pedro Nuno percorre todos os distritos. Montenegro salta Madeira e Açores
Os dois candidatos a primeiro-ministro vão percorrer todo os distritos do país, mas Luís Montenegro vai falhar Madeira e Açores, até porque no último ano e meio, com o programa “Sentir Portugal”, o presidente dos sociais-democratas já teve oportunidade de se deslocar às regiões autónomas.
O diretor de campanha da AD, Pedro Esteves, revelou ao ECO que Luís Montenegro vai apostar em “muita rua, contactos com a população, comícios, jantares e almoços, num esforço de grande mobilização nacional”. “No sábado, a caravana arrancou para Trancoso, depois passou por Lamego, Chaves e Vila Real”, indica, sublinhando que a AD “estará duas vezes em cada distrito”.
“Haverá a tradicional descida de Santa Catarina, no Porto, a 7 de março, e a descida do Chiado, em Lisboa, a 8 de março”, último dia de campanha, sublinha Pedro Esteves. O líder do CDS, Nuno Melo, fará parte da campanha. Já no que diz respeito ao PPM, haverá membros a representar o partido, como o ‘vice’ Carlos Almeida, mas o presidente Gonçalo da Câmara Pereira não estará necessariamente presente em todos os eventos.
Do lado do PS, a campanha arrancou também no sábado em Guimarães e Viseu e, no domingo, a caravana passa em Matosinhos. Os maiores comícios serão no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, a 2 de março, ao final da tarde, e, em Lisboa, a 5 de março, com hora e local ainda a definir.
A campanha termina a 8 de março com um comício em Almada, ao final da tarde, e com um encontro com jovens, em Lisboa, já durante a noite.
“Vamos visitar todos os distritos, incluindo Madeira e Açores, porque estamos focados no Portugal inteiro, num país com mais e melhor coesão social e territorial. O tema estará muito presente no discurso e depois tem de ser vertido na caravana, na rua”, indicou ao ECO o diretor de campanha do PS, João Torres.
Viabilizar ou não governos minoritários? PS ao ataque e PSD mantém tabu
O tabu de Montenegro sobre se viabiliza ou não um governo minoritário do PS será uma arma de arremesso dos socialistas contra a AD, durante a campanha eleitoral.
Pedro Nuno Santos vai aproveitar a polémica para estar ao ataque, acusando Luís Montenegro de não clarificar se prefere dar a mão ao Chega ou ao PS.
“Essa questão vai continuar a aparecer e a ensombrar Montenegro, enquanto ele não clarificar o que fará se o PS ganhar com maioria relativa. Será pressionado à direita, nomeadamente pelo Chega, e à esquerda pelo PS”, indica ao ECO André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
Esse será “um enorme trunfo para André Ventura”, já que “se Montenegro disser que vai viabilizar um governo minoritário do PS, o Chega vai dizer que votar AD é o mesmo que votar PS”. “Se não viabilizar, o PS vai acusar a AD de querer ir para os braços do Chega. Será um enorme desconforto para Montenegro”, conclui.
Montenegro já disse que “não, é não” ao Chega e terá de continuar a repetir a nega a André Ventura, mas vai continuar em silêncio em relação à viabilização de um governo minoritário, apelando ao voto útil.
O silêncio ou o tabu será melhor do que cair na armadilha do PS. Montenegro tem que ter “alguma capacidade de equilíbrio junto das expectativas do eleitorado da AD, que pode não ver com bons olhos o apoio a um governo minoritário do PS, mas também junto de toda a estrutura interna do partido, que pode não se identificar com tomada de posição”, vinca a politóloga Paula Espírito Santo.
E acrescenta: “É muito difícil para Montenegro comprometer-se, já que ficaria a perder se disser que sim, mas também não pode hostilizar abertamente o PS, porque aí Pedro Nuno Santos tem força para poder recuar ainda mais, como está a tentar”.
O presidente do PSD está em silêncio e assim se manterá sobre um futuro em que perca as eleições, porque o passo seguinte é abandonar o partido que o obriga a ganhar, sabe o ECO. Nesse cenário, será outro líder social-democrata a decidir se deixa passar um Governo minoritário, chefiado por Pedro Nuno Santos, caso seja esse o desenlace das eleições.
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