LLYC passa a contar com diretor criativo e adota novo modelo de trabalho: “É uma junção de talentos e olhares criativos que não fica só local”
A LLYC passa agora a contar com um diretor criativo em Portugal. Oportunidade para uma conversa sobre o presente e futuro da agência e do setor, passando pela ligação com a criatividade, data ou IA.
Américo Vizer, que já era diretor criativo da LLYC no Brasil, expande agora as suas funções passando também a dirigir a criatividade da empresa em Portugal. O desempenho deste cargo é uma novidade para a empresa a nível local que, embora já contasse com criativos in-house, precisava de uma figura com um “overview”, explica Marlene Gaspar, diretora-geral da LLYC, numa entrevista conjunta com o agora responsável pela direção criativa da agência no país.
O objetivo desta mudança passa por colocar as culturas e olhares locais, que têm na língua portuguesa um denominador comum, ao serviço de um trabalho global e criativo mais enriquecido, bem como levar a criatividade a áreas às quais não está tão associada, como a de public affairs.
Pretende-se também potenciar uma das “grandes fortalezas” da agência, que passa pelo facto de ser uma multinacional, com recursos a nível internacional, mas com um conhecimento local muito profundo, explica Marlene Gaspar.
Este é assim mais um passo na evolução da empresa, que quer deixar de lado a antiga organização “por caixinhas” para passar a apostar num mix das suas valências, onde a data assume uma preponderância relevante, até porque “o pensamento criativo mais globalizado tem este objetivo de não ficar preso nessas caixinhas e guiar a ideia baseada nos dados“, diz Américo Vizer.
A conjugação da data com a criatividade é assim vista como “o melhor dos dois mundos”, numa agência que nasceu como consultora de comunicação, mas que agora se define como “full communication store”. Apresentando uma previsão de crescimento de 14% nas suas receitas operacionais em 2023 (para 83,1 milhões de euros a nível global), a empresa espera ainda um crescimento de 8% nestas receitas para este ano.
Já dentro da área da tecnologia, os dois responsáveis da agência que trabalha marcas como a Leroy Merlin ou a SIVA, encaram a inteligência artificial como uma aliada e uma ferramenta que vai alimentar o processo criativo ao invés de o substituir. Já o fim dos third-party cookies lança “infinitas outras oportunidades” e é mais uma porta aberta para a criatividade.
A entrada de Américo Vizer enquanto diretor criativo da LLYC para Portugal – sendo também advisor na Argentina, Chile, Equador e Peru – é assim o ponto de partida para uma entrevista a dois sobre o presente e futuro da agência, os desafios que se apresentam e as soluções que se levantam, a importância da data, os limites da criatividade ou o papel da inteligência artificial.
A LLYC passa ter um diretor criativo, Américo Vizer. O que muda?
Marlene Gaspar (MG): Nós não tínhamos ainda direção criativa. Tínhamos na LLYC uma equipa de criatividade, mas ainda não tínhamos essa função de diretor criativo. Temos estado a trabalhar com o Américo desde finais do ano passado, muito em termos de partilha de conhecimento, e tem sido um trabalho de experimentar como é que funciona. Isto também porque a LLYC adotou um novo modelo de trabalho onde queremos fazer uma partilha de recursos. E isto significa que qualquer pessoa pode fazer um trabalho em qualquer parte do globo onde a LLYC esteja. Nós já tínhamos criativos in-house, mas agora sentimos que este capital de reforço nos vai ajudar não só a legitimar e credibilizar mas também a fazer crescer o nosso talento.
O Américo é diretor criativo de Portugal e Brasil e esta partilha de recursos é super interessante. Para as pessoas aqui foi também uma lufada de ar fresco, mas não negamos dores de crescimento e de integração, até pela aculturação. Mas acho que está a ser muito aliciante.
É uma junção de talentos e olhares criativos que não fica só local. Temos de usar a força local, a contextualização da cultura, a densidade de cada cliente localmente e a força das equipas criativas para trabalhar no mundo.
O que se espera trazer de novo e mudar na dinâmica da LLYC, em particular no contexto português?
Américo Vizer (AV): Acho que este é um movimento que a LLYC tem vindo a fazer globalmente, o de trazer para a empresa a criatividade que existe em publicidade, que também já existia na LLYC mas muito voltada para as relações públicas, public affairs e outras áreas de especialidade da LLYC. E a minha vinda para a LLYC casou com esse movimento e com uma visão que eu tenho, e que vejo que funciona muito aqui em Portugal, que é a de uma big idea só funcionar se tiver um pilar de public relations e um digital muito bem estruturados e muito bem alinhados. A LLYC, já sendo uma especialista nessas duas áreas, consegue agora com este movimento de criatividade global potencializar tudo isso, numa fusão muito forte entre essas três áreas. É uma junção de talentos e olhares criativos que não fica só local. Temos de usar a força local, a contextualização da cultura, a densidade de cada cliente local e a força das equipas criativas para trabalhar no mundo.
E eu sempre gostei do mercado português de publicidade, porque sempre foi um mercado desafiador e um pouco diferente do mercado europeu como um todo. O mercado europeu sempre foi de grande investidores de propaganda e de publicidade e aqui as agências acabam a ter de criar campanhas muito mais criativas, com menos recursos, mas ao mesmo tempo com muito mais força, para conseguirem levar essa influência criativa para o resto do mundo.
Porque é que apostam num diretor criativo para mais do que um país? Isso não pode ser entendido como uma desvalorização do trabalho local?
MG: Nós já tínhamos criativos, não tínhamos era a figura de alguém com um overview. Aqui a experiência foi ter um diretor criativo com muito conhecimento do mercado de língua portuguesa que pudesse dar aquilo que ninguém no mercado português está a dar neste momento, que é uma visão global. É um bocadinho abrir fronteiras e horizontes. Achamos que vai funcionar porque nós já temos os criativos locais, portanto eu diria que 90% das vezes os recursos a utilizar vão ser os recursos de Portugal com um challenger que é uma direção criativa mais a nível global. Acho que esse mix é a riqueza e acho que o Américo vem aportar imenso valor.
Há um enorme preconceito entre as agências de publicidade e as agências de relações públicas, mas as duas são muito mais potentes juntas do que estes preconceitos que continuam a existir.
Este novo modelo que nós estamos a adaptar consegue trazer um diretor criativo para uma proposta de corporate affairs, que à partida era uma coisa que não era preciso, mas é essa a experiência e o movimento que queremos fazer. Há um enorme preconceito entre as agências de publicidade e as agências de relações públicas, mas as duas são muito mais potentes juntas do que estes preconceitos que continuam a existir. E depois potenciamos uma das nossas grandes fortalezas, que é sermos uma multinacional, com recursos a nível internacional, mas com um conhecimento local muito profundo.
Surgiram como uma consultora de comunicação. Como se definem agora?
MG: Começámos por ser uma consultora de comunicação, mas agora definimo-nos como uma full communication store, após esta transição, com a integração das áreas de marketing e da data digital. Mas nesta transição nunca queremos negar o nosso DNA. Somos uma empresa que pretende trabalhar a reputação dos nossos clientes e que isso reflita no negócio. Portanto, é um bocadinho esta ideia de full service, de conseguir unificar estas diferentes áreas. Antigamente estávamos ainda muito por caixinhas.
Algumas campanhas portuguesas eu penso que são fado, mas é impensável passar no Brasil, porque eles têm samba no pé e nós temos o fado no coração. Acho que são essas diferenças culturais que nos enriquecem, e por isso é que é tão importante que cada país, cada escritório, tenha muitos locals
A LLYC está presente em 13 países. Como analisam o mercado em Portugal, nas várias vertentes que trabalham? É distintivo de alguma forma em relação aos outros países?
MG: Acho que o que nos distingue muito é a cultura. Há coisas tão pequenas, que nos distinguem tanto e nos alimentam bastante. Mas também temos de dizer ‘está bem, mas em Portugal fazemos assim porque o nosso consumidor, o nosso cliente…”. Por exemplo, o espanhol é muito mais agressivo e tivemos de nos adaptar, mas também aprendemos como argumentar de uma forma diferente. O brasileiro tem uma forma de apresentar muito mais cantada. Algumas campanhas portuguesas eu penso que são fado, mas é impensável passar no Brasil, porque eles têm samba no pé e nós temos o fado no coração. Acho que são essas diferenças culturais que nos enriquecem, e por isso é que é tão importante que cada país, cada escritório, tenha muitos locals.
AV: Cada país tem a sua base muito forte, cultural, que atende à dinâmica local. Temos uma visão muito local, mas sem deixar de ter a troca de experiência, de soluções, com um olhar global, o que acaba por trazer mais força para a LLYC e para os clientes que hoje têm a possibilidade de vender e comunicar com o mundo inteiro.
Defendem que a criatividade é a base de qualquer estratégia, assim como a data. Como é que estes conceitos se materializam na prática?
AV: Há uma coisa que eu acredito que a LLYC faz muito bem, que é a capacidade de transformar dados em manchetes, pegar em informação de contexto dada pela equipa de dados, analisar e transformar aquilo numa ideia forte e relevante. E após se chegar a essa ideia, vê-se qual é o formato e o meio em que ela se encaixa melhor. Dessa forma, consegue-se perceber se a ideia precisa de um filme na televisão ou não, se basta criar um aplicativo ou se a força dela está justamente em ações de public relations, com influenciadores locais. O pensamento criativo mais globalizado tem este objetivo de não ficar preso nessas caixinhas e guiar a ideia baseada nos dados. Porque, no final das contas, aquilo que os consumidores conseguem absorver e que fica na memória consciente das pessoas é justamente aquela sensação, aquela frase que resume toda a ideia.
E como é que isso se passa para os clientes e para o mercado?
MG: Eu acho que os clientes valorizam muito isto porque também querem basear-se em certezas. Isso dá-lhes uma margem de conforto. Por isso é que também investem tanto em estudos para obter estes insights. Para além daquilo que são os dados que o cliente já possui da sua big data, nós conseguimos cruzar isso com fontes externas e depois conseguir integrar isso tudo para dar um insight que seja poderoso. É quase como se fosse uma certificação de que aquela criatividade está suportada para resolver uma questão factual. O próprio mercado exige que seja apresentada não só a campanha criativa, mas como é que ela é suportada.
Qual o papel que a criatividade e a data desempenham numa estratégia de comunicação? Consideram que a primeira esteja a ser subjugada à segunda?
MG: Os melhores ingredientes são poder sustentar a ideia com data, porque ter-se uma ideia que consegue juntar data e a criatividade é o melhor dos dois mundos. Não sou totalmente fundamentalista, mas se nós formos analisar racionalmente, até um headline – que também tem de ter criatividade – é baseado em data. Pode não vir num report todo estruturado, mas têm-se a informação do porquê de se estar a escolher aquele headline e não outro. Acho que não dá para dissociar e acho que o criativo tem de ter a capacidade de usar a data como ferramenta para poder fazer brilhar a sua criatividade. Acho que é muito mais um auxílio do que uma barreira. E mais, consegue fazer uma ‘reason to believe’, que às vezes é tão difícil de conseguir justificar, com um garante que não é baseado em ‘achómetro’.
AV: Quanto mais informações um criativo tem sobre um briefing, melhor vai ser a solução a que vai chegar, porque vai poder apontar soluções para cada um daqueles elementos e comparar quais delas são mais relevantes e mais fortes dentro do contexto do cliente. Não é preciso um dado para se ter uma ideia, mas depois da ideia pode-se confrontá-la com os dados para ver se vai ter um resultado relevante ou não. E pode-se fazer também o processo contrário.
Há inúmeras maneiras de se aproveitar o contexto e fazer uma campanha de oportunidade sem agredir ninguém e sem gerar tantas críticas. Mas um contexto político vai ter sempre essa polarização.
Tomando como exemplo o recente anúncio da Ikea, até onde pode ir a criatividade? Quais são os seus limites?
AV: O limite é até onde se começa a ofender ou a desrespeitar outra pessoa, ponto. Dentro do contexto político, eu acho que aí a criatividade começa a ser polémica pela polarização que gera. Há sempre quem apoie um lado e quem apoie o outro. Eu acho divertido e adoro campanhas e ideias de oportunidade, porque ela tem aquele papel de cumprir a venda e fazer barulho naquele momento, dentro daquele contexto, mas tem que se saber até onde se consegue ir. Há inúmeras maneiras de se aproveitar o contexto e fazer uma campanha de oportunidade sem agredir ninguém e sem gerar tantas críticas. Mas um contexto político vai ter sempre essa polarização.
MG: Eu diria que é um bocadinho como o humor. Acho que não devemos trabalhar com limites. Se tivermos de os definir, acho que passam pelo DNA da marca, se a marca tem ou não legitimidade para fazer um determinado tipo de campanhas. E acho que as marcas têm que ter essa capacidade e por isso é que às vezes apresentamos campanhas e o cliente pode dizer ‘mas isso não tem a ver com o DNA da marca’ ou ‘eu não gostava de ir por aí’.
Mas foi uma campanha ganha?
MG: Eu acho que os estudos ou os resultados irão dizê-lo. Mas houve esse cuidado da marca de não assumir uma posição só. Eu acho é que houve uma peça que teve muito mais impacto que as outras – por todas as razões – e que as outras serviram para tentar distanciar isso, mas é um facto que toda a gente falou no tema. Em relação à legitimação da marca, não conheço tão bem assim a Ikea para dizer se faz fit ou não. Acho que conseguiram chamar à atenção e tenho muitas dúvidas se noutra altura e noutro contexto em que não houvesse eleições, poderia ter o mesmo impacto. Portanto, o timing é sempre super relevante.
A inteligência artificial vem ajudar a criatividade ou colocá-la em causa?
AV: Acho que só auxilia. A criatividade está justamente na forma como se usa a inteligência social. Pode-se ter a melhor inteligência artificial do mundo, mas é sempre preciso alguém com um olhar criativo para saber colocar os melhores prompts para se ter o resultado desejado. Criativamente, a inteligência artificial vai alimentar e deixar o processo criativo muito mais rápido, mas não vejo que vá substituir o criativo. Pode sim substituir determinadas etapas de um processo de produção ou até de criação, mas não a criação final, não o pensamento num todo. É uma excelente ferramenta para auxiliar a criatividade, deixando-a mais ágil, mais forte e mais atual também.
MG: Nós vemos a IA seguramente como um aliado, também partindo de algumas das preocupações que são levantadas, como a parte da regulação, que é fundamental. Mas é sem dúvida mais uma ferramenta que nos vai ajudar a libertar tempo e disponibilidade para muitas coisas onde verdadeiramente o humano aporta valor. Tem-nos tirado uma série de trabalho de sapa. Vejo sem dúvida como um aliado, muito expectante em relação à parte regulatória que espero que nos dê também algum conforto para que também não seja tudo sem regras.
Como é que a LLYC tem usado ou está a usar a IA, principalmente a nível local?
MG: Nós investimos muitos milhões desde há dez anos a esta parte em ferramentas de IA. Desde a análise de estudos de social intelligence, de formações de inteligência artificial generativa, desde integração dessas ferramentas na produção de conteúdos para nós e para os nossos próprios clientes, a geração de relatórios automatizados. Também o community management automatizado, já fazemos isso em tempo real com textos. Nos processos de neurolinguagem estamos em formações com parceiros em várias universidades. Também temos em Silicon Valley uma equipa a ser integrada e a desenvolver todos estes tipos de ferramentas. Temos uma equipa de técnicos e engenheiros informáticos a trabalhar para que esse desenvolvimento esteja não a par das tendências, mas à frente delas, porque queremos ser um trendsetter no sentido de criar ferramentas que auxiliem os nossos clientes. A inteligência artificial já faz completamente parte do nosso dia-a-dia, não é como o metaverso que era um hype e que agora vamos ver no que vai dar.
AV: A plataforma de inteligência artificial da LLYC [desenvolvida internamente] é muito bem classificada em comparação com o que já existe no mercado, pois tem a capacidade de analisar sentimentos. Por exemplo, na frase “não vejo a hora de conseguir tal produto”, embora tenha a palavra não, a IA da LLYC, ao contrário da maioria, consegue entender o contexto da frase e perceber que tem uma relevância positiva.
A Google começou a avançar com o fim dos third-party cookies. Que impactos e consequências pode esta decisão ter para o mercado e os profissionais do setor?
MG: Acho que começa pelo impacto até na forma do modelo de negócio dessas empresas que acaba por estar a ser repensado. Esta não é uma tendência nova, esta decisão tem vindo a ser adiada por uma questão de conforto até dos próprios anunciantes por terem toda aquela informação, o que também vem colocar algumas questões a nível do ético e não ético. Acho que este caminho era inevitável e surpreende-me de alguma forma que tenha demorado tanto tempo. E acho que abre também infinitas outras oportunidades ao nível de, por exemplo, testes psicológicos para conhecer o consumidor. A IA também nos preparou para outras formas de conseguir obter informação e a hiperpersonalização. Portanto, eu acho que é um caminho natural que está a ser feito e que vai deixar de alguma forma mais confortável o consumidor em relação à sua privacidade e aos seus dados.
AV: Eu vejo que sim, que é mais uma oportunidade e também mais uma cobrança que a criatividade vai ter. Se existe uma restrição à mudança da base de dados, é preciso chegar ao público de uma forma ainda mais criativa e mais relevante. Então, isso acaba mudando um pouco também a forma de se comunicar. É preciso ser-se ainda mais criativo e relevante dentro do contexto digital para que se possa ter o impacto que se tinha antes.
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