Tive uma ideia (que não é minha)
Existem os problemas da origem: o briefing que pede “uma ideia viral”, o “próximo movimento artístico” e o clássico “não temos budget, mas surpreendam-nos”.
Neste mundo em que muitas ideias são copiadas e tantas vezes nos questionamos se o que lemos foi escrito por quem assina ou com recurso a ferramentas tecnológicas, também eu assumo que não escrevi este texto sozinho. Fi-lo com recurso à Inteligência Real (IR) de amigos e colegas de profissão, de agências e clientes. Apesar de prometer nomeá-los vou gozar do privilégio de assinar este texto sozinho e chamar os louros à minha pessoa. Afinal, este texto também é sobre isso.
Pois bem, do que quero falar é de ideias, das copiadas, das nossas implementadas por outros, das alheias vendidas como se fossem nossas e de briefings que convidam a outputs como os que acabei de mencionar.
Vou começar com uma história real (preservando, naturalmente, a identidade do protagonista). Certo dia, durante um briefing, o cliente, que pretendia entusiasmar as agências, proferiu uma frase que nunca mais consegui esquecer: “Quero algo que me faça ganhar um Leão em Cannes, mas não quero arriscar muito”. Para a malta das agências que está a rir ao estilo “roast de clientes”, tenho o exemplo de um amigo, diretor de marketing de uma empresa, que me partilhou que em 2024 uma agência premiada lhe apresentou uma proposta para algo “inovador” (consta que este termo estava no racional da proposta): uma flashmob com colaboradores a dançar!
Não escrevo com a arrogância de quem só tem ideias brilhantes e altamente inovadoras. Faço-o como exercício de análise de algumas práticas pouco edificantes e nalguns casos condenáveis, que não resultam em processos judiciais porque, além de dispendiosos e demorados, o resultado nem sempre é fácil de provar. Falo de ideias “subtraídas” a propostas não vencedoras de concursos com várias agências, de ideias de uma agência “estranhamente” apresentadas por outra agência, de influenciadores associados a uma marca usados pela sua concorrente e por aí fora.
Recuemos. Não tenho nenhum problema com fazer-se uma flashmob 16 anos depois da mais icónica, na Grand Central Station. Diria até que reinventar um conceito destes, quando bem feito, remete para um património de memórias que pode beneficiar o sucesso da ação. O meu problema (pegando neste exemplo) são as propostas de “flashmobs” (1) com meios de produção limitados, que nunca resultariam num bom output, (2) para serem partilhadas nas redes sociais de uma marca com uma base reduzida de seguidores.
Muitas vezes o problema está na origem, tantas outras na solução apresentada. Em alguns casos opta-se por um catálogo de ideias como se a quantidade aumentasse a probabilidade do cliente escolher uma; noutros, as propostas são feitas sem supervisão ou direção criativa; noutras, ainda existe uma lógica sistémica (vamos chamar-lhe pouca noção da diferença entre benchmark e cópia). Mas existem os problemas da origem: o briefing que pede “uma ideia viral”, o “próximo movimento artístico” e o clássico “não temos budget, mas surpreendam-nos”.
Este é um tema apaixonante porque mexe com uma das áreas mais sensíveis do universo da comunicação: a criatividade. E aposto 10% do vosso próximo orçamento que a maior parte preferia perder um cliente do que ver uma ideia roubada por um concorrente. Mas, orgulho à parte, vale a pena pensar que maus briefings e propostas requentadas são tempo e dinheiro perdido. Até podem representar um bom fee, mas os resultados dificilmente justificarão um novo convite do cliente. E isto não é uma ideia minha. É a realidade.
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